Economia da energia

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REVISTA DO BNDES, RIO DEJANEIRO, V. 11, N. 22, P. 21-49, DEZ. 2004 O Pico de Hubbert e o Futuro da Produção Mundial de Petróleo SÉRGIO EDUARDO SILVEIRA DA ROSA GABRIEL LOURENÇO GOMES* RESUMO O artigo visa divulgar o conceito de pico da produção mundial de petróleo (Pico de Hubbert), assim como a metodologia utilizada para estimar sua data de ocorrência. Apresentam-se ainda dois cenários para a produção futura de petróleo: o de um grupo de especialistas seguidores da metodologia de Hub norte-americanos.

ABSTRACT aos governamentais OF41 p O pico da produção de petróleo deverá ocorrer – se a hipótese presentada no artigo estiver correta — em poucos anos, tornando crucial a questão da sua substituição como fonte de energia. As perspectivas das diversas fontes alternativas com potencial para substituir parcialmente o petróleo são, portanto, examinadas sumariamente. O trabalho faz igualmente comentários a respeito da situação do Brasil em face de uma possível crise energética, concluindo que a posição do país é relativamente favorável.

This article aims to inform about the concept of the world Oil production’s peak (Hubbert’s Peak), as well as the methodology sed to estimate when it Will happen. Two scenarios are also developed regarding the Oil production in the future: one conceived by a group of experts who follow Hubbert’s peak of Oil production should occur – ifthe hypothesis presented in this article are correct in a few years, making it crucial the substitution of Oil as a source of energy. The prospects of various alternative sources as potential Oil substitute are, therefore, briefly examined.

This paper also makes comments about Brazil’s situation concerning a probable energy Crisis, concluding that the country’s position is relatively favorable. Respectivamente, gerente no Departamento de Bens de Consumo e Serviços e gerente no Departamento de Indústrias Químicas do BNDES. Os autores agradecem a colaboração de Luiz Sérgio de Figueiredo Macedo e Pedro Martins Simões, respectivamente assistente técnico e estagiário no Departamento de Bens de Consumo e Serviços do BNDES, assim como os comentários de Sergio Varella. 22 O PICO DE HUBBERT E o FUTURO DA PRODUÇÃO MUNDIAL DE PETROLEO 1.

Introdução o objetivo principal deste artigo é contribuir para a divulgação no Brasil do conceito de pico da produção mundial de petróleo Pico de Hubbert), ou seja, da concepção de que a sua produção segue, ao longo do tempo, uma curva aproximadamente normal. Trata-se de tema de grande importância, uma vez que há indícios de que o pico – correspondente ao ponto médio da curva – ocorrerá dentro de poucos anos. Caso essas previsões estejam corretas, a crise de oferta é iminente, e pouco poderá ser feito para amenizar seus efeitos danosos para a economia mundial.

Provavelmente, o ajuste inicial do mercado de petróleo seria feito por meio de uma fo 2 1 mundial. Provavelmente, o ajuste Inicial do mercado de petróleo eria feito por meio de uma forte retração da demanda, pressionada pelos preços elevados, o que se traduziria em uma forte e duradoura recessão mundial. Somando-se a isso, a substituição do petróleo por outras fontes de energia teria de ocorrer de forma abrupta e constante para manter estáveis os níveis de atividade econômica.

A parte central do artigo consiste na exposição do conceito de pico de produção, assim como da metodologia utilizada por um grupo de especialistas para estimar o momento em que ele será atingido. Como a metodologia exige a quantificação das reservas conhecidas de petróleo, erão apresentadas as estimativas do montante das reservas feitas por esses especialistas, que são muito diferentes dos valores geralmente aceitos. Em virtude da natureza controversa do assunto, essa parte do trabalho aborda, em contraposição, as projeções de longo prazo do governo norte-americano para a produção mundial de petróleo.

Além de breve exame dos aspectos relativos à distribuição geográfica das jazidas de petróleo e gás natural, será discutida a questão — decisiva – das fontes de energia alternativas ao petróleo. Finalmente, será analisada a situação do Brasil em face de uma eventual crise nergética, que seria muito diferente dos choques do petróleo ocorridos na década de 1970. 2. Situação Atual das Reservas de Petróleo e de 2. Gás Natural um fator crucial para a análise do mercado mundial de petróleo é a concentração das reservas no Oriente Médio.

Após a crise n 3 1 análise do mercado mundial de petróleo é a concentração das reservas no Oriente Médio. Após a crise na década de 23 1980, foram realizados enormes esforços para extração de reservas em países fora da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), o que diminuiu a sua participação na rodução mundial de 52% em 1974 para um mínimo de 29% em 1985. O investimento maciço em novas fronteiras de produção, em tecnologias de extração (inclusive em águas profundas) e no aproveitamento das reservas, diminuiu a poder de barganha da Opep ao longo das décadas de 1980 e 1990.

No entanto, a maior produção de petróleo fora do cartel levou diversos países a atingirem mais cedo o pico de produção, a qual voltou, assim, a se concentrar nos países do cartel. Em 2003, a Opep fo responsável por 30 milhões de barris/dia, ou cerca de 40% da produção mundial. Além disso, as reservas atuais de petróleo são a ordem de 1,1 trilhão de barris, com 77% desse total localizados em países da Opep. Nesse contexto, as projeções indicam uma participação crescente da produção de países da Opep no mercado mundial e queda nas demais regiões produtoras, com algumas poucas exceções, como é o caso do Brasil.

Esse fato por si só já pode resultar em um aumento do preço do petróleo e provocar uma crise de proporções moderadas antes mesmo que o pico de produção mundial seja atingido. A evolução das reservas mundiais de petróleo pode ser observada na Tabela 1 As reservas de gás natural, po 4 41 eservas mundiais de petróleo pode ser observada na Tabela 1 . As reservas de gás natural, por sua vez, são mais abundantes que as de petróleo (ao nível de produção atual) e menos concentradas no Oriente Médio.

As maiores localizam-se na Rússia, no Ira e no Qatar, que detêm em conjunto 57% das reservas mundiais. Essa relativa abundância vem ampliando a participação do gás natural na matriz energética mundial, apesar das enormes dificuldades log[sticas que envolvem seu transporte e distribuição. O transporte pode ser feito por gasodutos ou, no caso de grandes distâncias, por navios-tanque criogênicos, que necessitam e terminais adaptados para carga e descarga, com elevados riscos ambientais e de acidentes.

Além disso, são necessários investimentos na malha de distribuição e na adaptação dos equipamentos para atender aos diversos consumidores residenciais, comerciais e industriais. Grandes investimentos em infra-estrutura de transporte e distribuição estão sendo realizados em todo o mundo, visando ampliar a utilização do gás natural. Esse movimento poderá aumentar o comércio mundial com diversos fornecedores alternativos de gás natural liquefeito (GNL), supridores dos sistemas de distribuição nacionais ou egionais.

A Implantação desses projetos é fundamental para absorver o impacto do pico de produção de petróleo sobre a economia, através da ampliação do consumo de gás natural em substituição aos derivados de petróleo. A evolução das reservas mundiais de gás natural pode ser observada na Tabela 2. 24 O PICO DE HUBBERT EO FUTU s 1 reservas mundiais de gás natural pode ser observada na Tabela 2. O PICO DE HUBBERT E O FUTURO DA PRODUÇÃO MUNDIAL DE Tabela 1 Petróleo: Reservas Provadas – 1983/2003 (Ern Bilhões de Barris) 1983 1993 2002 2003 % DO TOTAL RELAÇAO RESERVAS/

PRODUÇÃO ANUAL Estados Unidos Canadá México Total América do Norte Brasil Venezuela Total América Central e do Sul Cazaquistão Noruega Federação Russa Total Europa e Eurásia Irã Iraque Kuwait Qatar Arábia Saudita Emirados Árabes Unidos Total Oriente Médio Argélia Angola Líbia Nigéria Total África China Total Ásia-pacífico Total Mundo OCDE Opep Não-Opep Antiga União Soviética 35,6 49,9 95,2 2,1 25,9 33,7 n. d. 3,8 n. d. 100,1 55,3 65,0 67,0 3,3 168,8 32,3 396,9 9,2 1,7 21,8 16,6 58,2 18,2 39,0 110,3 475,3 162,9 84,8 30,2 10,0 50,8 91,0 64,4 79,1 n. d. n. d. 0,4 92,9 100,0 96,5 ,1 261,4 98,1 660,1 9,2 1,9 22,8 21 60,9 29,5 52,0 111,0 774,5 186,5 62,6 30,7 17,6 17,2 65,5 9,8 77,2 100,5 10,4 67,0 104,3 130,7 115,0 96,5 15,2 262,8 97,8 726,8 11,3 8,9 36,0 34,3 101,7 23,7 47,5 87,3 881 1 79,9 84,8 30,7 16,9 16,0 63,6 10,6 78,0 1022 g 0 10,1 69,1 88,2 130,7 115,0 96,5 15,2 262,7 97,8 726,6 34,3 101,8 23,7 47,7 85,8 6 1 88,1 16,7 27,5 66,3 43,1 33,2 19,1 16,6 41,0 11,1 79,5 13,6 22,7 723,0 1. 023,6 1. 146,3 1. 147,7 100,0 Fonte: British Petroleum (2004). Nota: Países selecionados, com reservas acima de 0,8% das reservas mundiais. a Mais de 100 anos. 5 Tabela 2 Gás Natural: Reservas provadas – 1983/2003 Em Trilhbes de m3) 1983 1993 2002 2003 % DO TOTAL RELAÇÃO RESERVAS/ Estados Unidos Canadá Total América do Norte Argentina BoliVia Brasilb Venezuela Total América Central e do Sul Azerbaijão Cazaquistão Holanda Noruega Federação Russa Turcomenistão Uzbequistão Total Europa e Eurásia Ira Iraque Kuwait Qatar Arábia saudita Emirados Árabes Unidos Total Oriente Médio Argélia Egito Nigéria Total África Austrália China Indonésia Malásia Total Ásia- Pacífico Total Mundo União Européia (15) OCDE Antiga União Soviética 5,23 5,61 4,55 5,23 3,0 1,66 2,61 2,23 1,66 10,40 8,75 7,32 7,31 ,2 0,66 0,68 0,52 0,66 0,81 0,13 0,12 0,81 0,25 0,10 0,19 0,24 4,15 1,56 3,69 4,18 2,4 3,18 5,54 7,22 7,19 4,1 1,37 n. d. n. d. 1,37 1,90 n. d. n. d. 1,90 1,67 1,94 1,88 1,57 2,46 0,47 1 2,12 1,4 n. d. n. d. 47,00 47,00 26,7 2,90 n. d. n. d. 2,90 1,85 n. d. n. d. ,85 1,1 40,48 63 62 61 86 62,30 35,4 14,05 20,70 26,69 26,69 15,2 3,11 082 1,56 1,04 1,49 1,56 41 26,38 44,43 71,69 71,72 40,8 4,52 3,53 3,70 4,52 1,76 0,20 0,60 1 5,00 1,37 3,68 5,00 6,29 10,01 13,68 13,78 2,55 0,50 0,56 2,55 1,4 1,82 0,75 1,03 1,75 1,0 2,56 1,19 1,82 2,56 1,5 2,41 1,40 1,83 2,48 1,4 5,95 8,73 13,38 13,47 7,7 92,68 141 75,15 175,78 100,0 2,88 3,44 3,24 2,79 15,23 14,70 15,05 15,48 36,00 57,80 56,40 56,40 32,1 9,5 9,2 16,2 24,3 60,6 aa aa 28,6 33,5 81,2 52,6 34,5 60,8 aa aa aa 54,6 70,4 97,5 76,9 53,4 35,2 45,0 43,4 67,1 14,1 14,2 78,0 reservas acima de 0,8% das reservas mundiais, ou localizados próximos ao Brasil. a Mais de 100 anos. b Não considera a nova descoberta de 70 bilhões de m3 na Bacia de Santos, anunciada recentemente pela Petrobras. 26 3.

O Pico de Hubbert Na literatura referente à produção de petróleo, assim como na cobertura jornalística sobre o assunto, é muito freqüente a utilização da relação rese uando se discute o 8 1 preocupação da opinião pública com o suprimento de petróleo a médio e longo prazo, pressupõem que a evolução da produção segue um dos perfis abaixo: • aumento até um certo patamar, que se mantém por vários anos, seguido de rápido declínio; e • aumento constante até um pico, seguido de declino muito rápido. A curda habitual da produção de um determinado campo de petróleo, entretanto, não obedece a nenhum desses dois padrões. Como se trata de aspecto crucial para os objetivos deste trabalho, é conveniente fazer uma breve digressão a propósito os mecanismos da extração de petróleo.

O petróleo – assim como o gás natural — se origina, como é amplamente conhecido, de alterações químicas sofridas por sedimentos orgânicos ao longo de milhões de anos. 1 0 material orgânico inicialmente sólido transforma-se em uma mistura de hidrocarbonetos líquida – ou gasosa – que preenche os interstícios de uma camada rochosa. Ocorre que esses hidrocarbonetos, em virtude de serem menos densos que o material orgânico original, estão submetidos a considerável pressão por parte das rochas que os contêm [Campbell (1997)]. Ao se perfurar um poço, a pressão nos poros a camada rochosa faz com que o petróleo ou o gás subam até à superfície. O papel da pressão da jazida explica o perfil de extração normalmente encontrado em poços de petróleo (Gráfico 1).

Após uma rápida expansão até um pico, a extração decresce gradativamente, à medida que cai a pressão da jazida e o fluxo do petróleo em seu interior é dificultado pela tensão superficial dos poros [Campbell (1 997 o fluxo do petróleo em seu interior é dificultado pela tensão superficial dos poros [Campbell (1997)]. 1 Existe uma teoria alternativa, com muito poucos seguidores, ue atribui origem inorgânica ao petróleo e ao gás natural [Gold (1993). REVISTA DO BNDES, RIO DE JANEIRO, V. 11, N. 22, P. 21-49, DEZ. 27 Gráfico 1 Curva Natural de Extração Produção Tempo Fonte: Campbell (1997). A queda da pressão e o fluxo de petróleo são influenciados por diversos fatores, cuja análise detalhada está fora do escopo deste trabalho. O importante, para os nossos fins, é observar que a curva de exaustão de um poço de petróleo diverge da sugerida pela relação reservas/produção.

O que se aplica a um poço individual é válido, em linhas gerais, para uma jazida ou uma província petrolífera. A única – e crucial — diferença é que, em face da otimização da produção de diversos poços, a produção de uma provincia petrolífera segue, aproximadamente, uma cuwa normal [Campbell e Laherrére (1 998)] (Gráfico 2). Caso o poder de mercado da empresa proprietária da jazida seja suficientemente grande para controlar a taxa de extração, é possível que se verifique um patamar, e não um pico, embora sem modificações nos períodos de crescimento e declínio [Campbell (1997)]. Baseando-se nos perfis de extra ão ex ostos acima, o renomado geólogo M. King Hubbert 6, que a produção de 0 DF 41

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