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Universidade de São Paulo Faculdade de Saúde Pública VOLUME 32 NÚMERO 4 JUNHO 1998 p. 299-316 Revista de Saúde Pública JOURNALOFPUBLICHEALTH Artigo Especial Saúde coletiva: uma “nova saúde pública” ou campo aberto a novos paradigmas? Collective health: a “new public health” or field open to new paradigms? OFS4 Swipe nentp Jairnilson S. Paim e N ma, , „ nstituto de Saúde C Salvador, BA – Brasil ederal da Bahia. PAIN, Jairnilson S. e Naomar de Almeida Filho, Saúde coletiva: uma “nova saúde pública” ou campo aberto a novos paradigmas?

Rev. saúde Pública, 32 1998 C Copyright Faculdade de Saúde Pública da USP. Proibida a reprodução mesmo que parcial sem a devida autorização do Editor Científico. Proibida a utilização de matérias para fins comerciais. All rights reserved. 32 Special Article Panamericana da Saúde para debater a teoria e a prática da saúde pública na região das Américas cotejando-os com as demandas emergentes no contexto econômico, politico e social dos países latino-americanos.

Neste particular, destaca-se a necessidade de construir uma agenda política comum, a partir da confluência de três temáticas – reforma setorial, “Renovação da Saúde para Todos” (RSPT) e “nova saúde pública”, contemplando os planos doutrinário, conceitual, metodológico e operativo. Apresenta-se uma breve sistematização do marco conceitual da saúde coletiva, em elaboração na América Latina, situando mais particularmente as suas potencialidades de construção de um conhecimento transdisciplinar.

Conclui-se que, apesar de em SI não constituir um paradigma, a saúde coletiva, enquanto movimento ideológico comprometido com a transformação social, apresenta possibilidades de articulação com novos paradigmas científicos capazes de abordar o objeto saúde- oença-cuidado respeitando sua historicidade e Integralidade. Saúde pública, tendências. Medicina social. Correspondência para/Correspondence to: Jairnilson S. Paim – Rua Padre Feijó, 29 – 40 andar – Canela – 40210-270 Salvador, BA – Brasil. E-mail: jairnil@ufba. br Recebido em 23. 1. 998. Reapresentado em 23. 4. 1998. Aprovado em 14. 5. 1998. 300 Rev. Saúde Pública, 32 (4), 1998 Saúde coletiva Paim, J. S. & Almeida Filho, N. Abstract The present essay is an exploratory study of the historical and institutional background of the so-called “Crisis in public health”, aimed at identifying the new trends and perspectives for the aradigmatic transforma tion of the health field in the context of the current international 2 4 the health field in the context ofthe current international panorama of economic and cultural globalization.

First, the rhetoric of health is analysed in historical perspective, briefly considering the main elements of the discourse of the ideological mov ements that historically built the social field of health. Medical Police, Social Medicine and Public Health are included as representative of such movements in 19 th century Western Europe.

After the Flexnerian turn, these movements were ollowed by Preventive Medicine, Community Health, Primary Health Care and Health Promotion, which dominated the scene particularly in the second half of the 20 th century. The authors also summarise recent concerted PAHO efforts to debate the theory and practice of Public Health in the Amencas, vis à vis the emerging demands ofthe economic, political and social context of Latin American countries.

In this regard, the need for a common political agenda is emphasized , with the convergence of three topics sectorial reform, “Renovation of Health for AII” and the “new public health”, cov ering the conceptual, methodological nd operative domains. Secondly, a brief systematic account of the conceptual landmarks of the Collective Health movement, as carried through in the two last decades in Latin Amenca, is presented, focusing more particularly on its potential for building up both a domain of transdisciplinary knowledge and a universe of practices.

As a field of knowledge, it contributes to the study of health-disease phenomena in populations as a social process, investigating the production and distribution of disease in society as an aspect of social reproduction, and analysing health practices as a labor 54 f disease in society as an aspect of social reproduction, and analysing health practices as a labor process integrated into the other social practices.

As a universe of practices, Collective Health focuses on its models or action guidelines four objects of intervention: policies (forms of power distribution); practices (behavior modification; culture; institutions; knowledge production; institutional, professional and relational practices); technologies (organization and regulation of productive resources and processes; bodies/environments), and instruments (means of production of interventions).

Finally, it is concluded that, although not being in itself a paradigm, Collective Health, as a movement committed to the social transfor mation of health, presents some possibilities of articulation with new sclentific paradigms capa ble of approaching the healthdisease-care object with due regard to its historicity and complexity. Public health, trends. Social medicine.

INTRODUÇÃO Nesta segunda metade do século XX, a humanidade tem experimentado rápidas e profundas transformações em todas as esferas da vida econômica, cultural, social e politica, talvez como nunca em sua história . A internacionalização da produção, distribuição e consumo, juntamente com o avanço das tecnologias da informação, tem como resultado a globalização da economia e suas consequências macroeconômicas: transnacionalização empresarial, desterritorialização da força de trabalho, desemprego estrutural, entre outras.

Ao mesmo tempo, verifica-se aumento das desigualdades entre os povos e os grupos sociais, a eclosão de movimentos nacionalistas, a exacerbação dos conflitos étnicos, a agressão ao meio ambiente, a 4 54 movimentos nacionalistas, a exacerbação dos conflitos étnicos, agressão ao meio ambiente, a deterioração do espaço urbano, a intensificação da violência e o desrespeito aos direitos humanos46.

No caso da saúde, o debate sobre as suas relações com o desenvolvimento econômico e social que marcou a década de sessenta amplia-se, nos anos setenta, para uma discussão sobre a extensão de cobertura dos serviços. O reconhecimento do direito à saúde e a responsabilidade da sociedade em garantir os cuidados básicos de saúde possibilitam o estabelecimento do célebre lema “Saúde para Todos saúde coletiva paim, J. s. & Almeida Filho, N. 301 no Ano 2000” (SPT-2000)85.

Entretanto, enquanto a estratégia da atenção primária à saúde se difunde a partir da Conferência de Alma-Ata, os centros hegemônicos da economia mundial revalorizam o mercado como mecanismo privilegiado para a alocação de recursos e questionam a responsabilidade estatal na provisão de bens e serviços para o atendimento de necessidades sociais, inclusive saúde. A “nova ordem mundial” que se instaura na década de oitenta, inspirada no neoliberalismo, provoca uma marcante fragilização dos esforços para o enfrentamento coletivo dos problemas de saúde.

Particularmente, nos países e economia capitalista dependente, a opção pelo “estado mínimo” e o corte nos gastos públicos como resposta à chamada “crise fiscal do estado” em muito comprometem o âmbito Institucional conhecido como saúde pública. Com base nesse quadro, constata-se uma “crise da saúde pública”, percebida de modo diferente pelos distintos sujeitos atuantes neste campo . para a superação dessa crise, vários aportes têm si s 4 sujeitos atuantes neste campo socia128,33,39,46,60 .

Para a superação dessa crise, vários aportes têm sido propostos, cada um deles apontando para a necessidade de novos paradigmas no campo da saúde pública”l . * Neste esforço, pode-se incluir desde as iniciativas da Organização Panamericana da Saúde (OPS) de reavaliar a “teoria e prática da saúde pública”65, até a proposição de uma Nova Saúde Pública como parte do movimento de renovação da estratégia “saúde para todos”33,86, e ainda a Iniciativa do Banco Mundial de debater as “prioridades na pesquisa & desenvolvimento em saúde”87.

Nesse contexto, faz- se necessário e urgente discutir a questão da saude no âmbito públicocoletivo-social e as propostas de ação subseqüentes. No caso específico da América Latina, a emergência nos ltimos vinte anos de um campo que se designou como Saúde Coletiva61 permite a identificação de pontos de encontro com os movimentos de renovação da saúde pública institucionalizada, seja como campo científico, seja como âmbito de práticas, e mesmo como atividade profissional.

Nessa perspectiva, as propostas de consolidação do campo da saúde como forma de superação da chamada “crise da saúde pública” podem significar uma oportunidade para efetivamente incorporar o complexo “promoçãosaude-doença-cuidado” em uma nova perspectiva paradigmática, aumentando assim a viabilidade das metas de Saúde Para Todos mediante politicas públicas saudáveis, através de maior e mais efetiva participação da sociedade nas questões da vida, saúde, sofrimento e morte.

Em pauta, encontra-se a necessidade de construção de um marco teórico-conceitual capaz de reconfigurar o campo social da saúde, atualizando-o face às evidências de esgotamen 6 54 evidências de esgotamento do paradigma científico que sustenta as suas práticas. No presente texto, buscou-se compreender esse marco conceitual enquanto corpo doutrinário estruturador de um dado campo científico (e seu paradigma dominante) e um âmbito de práticas. Trata-se de um estudo exploratório da retórica paradigmática do campo da saúde, consubstanciada nas redes produtoras e difusoras dos seus elementos ideológicos.

Para realizá-lo, em primeiro lugar, analisa-se resumidamente os principais elementos de discurso dos movimentos ideológicos que historicamente construíram o campo social da saude da Guerra Mundial até a conjuntura atual, em que se almeja uma renovação das bases da saúde pública. Em seguida, apresenta- se uma tentativa de sistematização do marco conceitual da saúde coletiva, em construção na América Latina, situando mais articularmente as suas potencialidades de constituição de um conhecimento transdisciplinar.

Em conclusão, pretende-se propor que este movimento ideológico pode melhor se articular a novos paradigmas científicos capazes de abordar o objeto complexo saúde-doença-cuidado respeitando sua historicidade e integralidade. MOVIMENTOS NO CAMPO SOCIAL DA SAÚDE Terns (1992)81 atualiza a clássica definição de saúde pública elaborada por Winslow, na década de vinte, nos seguintes termos: “a arte e a ciência de prevenir a doença e a incapacidade, prolongar a vida e promover a saúde fisica e mental mediante os esforços rganizados da comunidade”.

A partir dessa concepção, esse autor prescreve quatro tarefas básicas para a teoria e a prática de uma “Nova Saúde Pública”: prevenção das doenças nao infecciosas, básicas para a teoria e a prática de uma “Nova Saúde Pública”: prevenção das doenças não infecciosas, Observa-se cada vez mais uma ampliação do uso do termo paradigma para tratar de qualquer tipo de conhecimento humano e, de um modo ainda mais alargado, para referir-se a práticas sociais de qualquer natureza.

Atualmente, pode-se encontrar desde uma equivalência do paradigma ao conceito amplo de ampo disciplinar, como na noção de “paradigma da saúde pública”, 1 até um tratamento mais regionalizado de paradigma no sentido da mera atitude perante uma instituição como, por exemplo, nos múltiplos usos que o termo vem adquirindo no campo das ciências da gestão 77.

Em nível intermediário, no próprio campo da saúde, documentos oficiais de construção doutrinária têm feito uso do termo na conotação de modelo ou abordagem como, por exemplo, a noção de “paradigma da atenção primária à saúde” 54. Como mencionado em outra oportunidade6, trata-se de utilização indevida de uma categoria ujo sentido técnico encontra-se razoavelmente estabelecido no campo teórico da filosofia da ciência, particularmente na abordagem de critica histórica de Thomas Kuhn 41 . 02 Rev. saúde Pública, 32 (4), 1998 prevenção das doenças infecciosas, promoção da saúde, melhoria da atenção médica e da reabilitação. Frenk 33 (1992) considera como campo de aplicação da “Nova Saúde Pública” as condições e respostas assentadas nas bases científicas das ciências biológicas, sociais e comportamentais, tendo como áreas de aplicação populações, problemas e programas. ara melhor delimitar o ovo campo científico, esse autor desenvolve uma tipologia da investigação em saúde, d 8 4 novo campo cientifico, esse autor desenvolve uma tipologia da investigação em saúde, distinguindo os níveis de atuação individual e subindividual, onde se concentram a pesquisa biomédica e a pesquisa cl[nica, em relação ao nível populacional que toma como objetos de análise as condições (pesquisa epidemiológica) e as respostas sociais frente aos problemas de saúde (pesquisa em sistemas de saúde – politicas de saúde, organização de sistemas de saúde, investigação em serviços e recursos de saúde).

Testa 83 (1 992), ao analisar as respostas sociais no campo da saúde pública, denomina “atenção primitiva à saúde” aquela adotada nos países que dispõem de serviços diferenciados para distintos grupos sociais e que estão preocupados, fundamentalmente, em reduzir os gastos em saúde organizando serviços de segunda categoria para uma população considerada inferior. A partir de uma reflexão sobre as políticas sociais 82, e buscando o redimensionamento teórico da saúde como “campo de força” e de aplicação da ciência, esse autor reconhece a saúde pública enquanto uma prática social, uma onstrução histórica, portanto.

A importante contribuição das abordagens etnográficas contemporâneas da prática científica, especialmente no contexto da chamada “virada hermenêutica” 13, indica que os âmbitos da prática humana não se configuram a partir de uma estrutura racional de base normativa ou prescritiva, nem pela vertente doxológica (da doutrina), com o estabelecimento de objetivos hetero-regulados, nem pelo viés epistemológico formal.

Em outras palavras, nem definições mesmo aquelas exaustivas e objetivas como por exemplo a definição WinslowTerris, nem estruturas lógicas descritivas – omo a classificação de Frenk são exemplo a definição WinslowTerns, nem estruturas lógicas descritivas – como a classificação de Frenk são capazes de dar conta do essencial dos campos científicos e seus respectivos âmbitos de prática.

Mas se as proposições das politicas de saúde e as prescrições da saúde pública são contextualizadas num “campo de força” como pode-se apreender a partir da crítica histórica de Testa, outros sentidos e significados podem ser extraídos dessa retórica. Por isso, antes de analisar os elementos discursivos das novas propostas, é necessário uma ontextualização das práticas e dos discursos que, nos últimos cinquenta anos, vêm constituindo o campo social da saúde bem como seus efeitos sobre a estruturação dos discursos oficiais nacionais e internacionais.

Antes ainda, serão repassadas brevemente as raízes históricas dos elementos discursivos e pragmáticos dos movimentos ideológicos do campo social da saúde. Aérea da saúde, inevitavelmente referida ao âmbito coletivo-público-social, tem passado historicamente por sucessivos movimentos de recomposição das práticas sanitárias decorrentes das distintas rticulações entre sociedade e Estado que definem, em cada conjuntura, as respostas sociais as necessidades e aos problemas de saúde.

As bases doutrinárias dos discursos sociais sobre a saúde emergem na segunda metade do século XVIII, na Europa Ocidental, em um processo histórico de disciplinamento dos corpos e constituição das interdenções sobre os sujeitos 31 ,32. Por um lado, a higiene, enquanto conjunto de normatizações e preceitos a serem seguidos e aplicados em âmbito individual, produz um discurso sobre a boa saúde francamente circunscrito ? esfera moral. por outro lado, as propostas de uma 0 DF

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