Reciclagem
F. de P. A. Lima et al. 131 Tecnologias Sociais da Reciclagem: Efetivando Políticas de Coleta Seletiva com Catadores Social Technologies of Recycling: Applying Policies of Selective Collection with the Waste Pickers Francisco de Paula Antunes Lima*; Cinthia Versianl Scott Varella*; Fabiana Goulart de Oliveira*+l; Gabriela Parreiras*t & Jacqueline *Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Brasil +Centro Universitário UNA, Belos Horizonte, Brasil Faculdade de Minas, Belo Horizonte, Brasil *Instituto Sustentar, Resumo O movimento social políticas públicas dire reciclagem.
Neste art 5 • . _ Ji u importantes rumentos de políticas socioamblentais relacionadas à reciclagem, são analisadas dificuldades operacionais enfrentadas pelas associações de catadores (ACs) para torná-los efetivos. A análise documental desses instrumentos evidencia contradições implícitas, tornadas aparentes quando se confrontam as políticas à experiência cotidiana dos catadores. Diante dessas contradições, nossa tese é que, para além da ação política, a atuação durável das ACs depende da sustentabilidade operacional dos empreendimentos.
Análises do ponto de vista operacional, realizadas por uma equipe técnica integrada à rede ocial de apoio à organização e gestão operacional das associações, identificam fragilidades a serem enfrentadas para dar sustentabilidade às ACs e à reciclagem como alternativa socioambiental de tratamento do lixo urbano. Mais que reforçar as politicas, enfatizamos a necessidade de articuladas em uma estratégia especifica, sob a orientação do movimento social dos catadores.
Palavras-chave: Catadores, Reciclagem, PNRS, Lixo, Gestão de RSU Abstract The waste pickers social movement has won important public policies to improve its activity and recycling. In this paper, after identifying social and environmental policy nstruments related to recycling, the difficulties faced by the waste pickers associations (WAs) to apply them are discussed. Documental analysis of these instruments reveals implicit contradictions, made apparent when these policies are confronted to the daily experiences of waste pickers.
Given these contradictions, our thesis is that in addition to political action, the durable performance ofWAs depends on the sustainability of operational processes. Analyses from an operational point of view, held by a technical group integrated in the social network that supports the organization and perational management of associations, identify weaknesses to be overcome to give sustainability to the WAS and recycling as a socio-environmental alternative treatment of urban waste.
More than reinforcing policies, we emphasize the need for coordinated actions organized in a specific strategy, under the governance of the waste pickers social movement. Keywords: Wastepicker, Recycling NPSW, Waste, RSU Management 1 Contato: fabiana. goulart@yahoo. com. br Gerais: Revista Interinstitucional de Psicologia, 4 (2), Ed. Especial, 2011, 131-146 Tecnologias Sociais da Reciclagem 132 Catadores, reciclagem e políticas socioambientais
A “questão do lixo”, problema típico da sociedade de consumo, é mais grave em países periféricos, nos quais coexistem formas de vida basea 20F baseadas em padrões de consumo do primeiro mundo com a exclusão social típica do terceiro mundo. Por isso, faz parte da cena urbana das grandes e médias cidades a figura do catador, que se constitui no encontro da exclusão social com a produção de lixo em grande escala. Paradoxalmente, na confluência de dois problemas, cria-se uma possível solução para o tratamento do lixo urbano.
Se, nas metrópoles, a falta de espaços para construir aterros sanitários agrava o problema, as pequenas cidades sobram espaços, mas faltam recursos para investir em aterros tecnicamente controlados. É comum, nas proximidades das pequenas cidades brasileiras, a poluição causada por sacos plásticos que se espalham, movidos pelo vento, em torno dos lixões improvisados, cenas que se repetem em favelas e periferias das grandes cidades não atendidas por serviços de coleta.
Além de complexa, a questão do lixo requer investimentos vultosos, cuja eficácia depende de soluções criativas se não se quer gerar mais desperdícios, dessa vez de recursos públicos. Portanto, o tratamento do lixo reclama politicas ocioambientais por várias razões, que se mesclam de maneira complexa: conflitos de interesses de grupos sociais envolvidos diretamente com a destinação do lixo, incluindo os catadores, oferta de um serviço público segundo critérios de qualidade e universalidade, controvérsias a respeito dos efeitos ambientais das alternativas tecnológicas (reciclagem, incineração… , mecanismos de incentivos, controle e organização da logística reversa etc. (Eigenheer, 2005 Em termos operacionais, a IS logística reversa etc. (Eigenheer, 2005). Em termos operacionais, as soluções atuais de destinação do lixo urbano tendem a combinar iversas alternativas organizadas em sistemas integrados de gestão, que podem assumir diversas configurações, inclusive reunindo municípios vizinhos na forma de consórcios, a fim de obter escala para otimizar os investimentos (Varella, 2011).
Nas grandes cidades, os sistemas de gestão integrada de resíduos sólidos (SIGRSU) se reconfiguram para responder à saturação dos aterros, ao aumento dos custos da gestão de resíduos e à crescente contestação social quanto aos locais de instalação de novos aterros. Recentemente, foi aprovada a lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), na qual, lém das destinações convencionais, prevê-se a incineração como forma de tratamento de resíduos urbanos, o que torna o cenário atual ainda mais complexo quanto às possibilidades de desenho desses sistemas integrados de gestão.
As combinações possíveis se multiplicam se considerarmos tanto as alternativas de tratamento do lixo que competem entre SI como a proporção com que podem ser combinadas. Nesse novo cenário que começa a se desenhar, os catadores, agentes tradicionais nos espaços urbanos e que já conquistaram um reconhecimento formal, podem e devem ter um lugar na organização e gestão de istemas integrados de resíduos sólidos.
O surgimento de alternativas, como a incineração, e a necessidade de se recorrer a técnicas de gestão mais elaboradas para atender às exigências rigorosas dos serviços de coleta de resíduos urbanos aparecem como idade dos 40F IS atividade dos catadores, mas podem também oferecer oportunidades para o desenvolvimento de sua atuação como atores determinantes para se equacionar o problema do lixo.
O bom desempenho da indústria de reciclagem no Brasil e em outros países não-desenvolvidos atualmente repousa sobre o esforço quase invis[vel dessa multidão de trabalhadores que ainda lutam elo reconhecimento social apesar dos inegáveis benefícios que trazem às cidades e ao meio ambiente. Desprovidos de recursos financeiros e de acessos a serviços básicos e com baixa escolaridade e qualificação, esses trabalhadores são submetidos à exploração de atravessadores, que pagam preços reduzidos pelos materiais recicláveis e muitas vezes os dominam pela coação, empréstimo do carrinho de coleta ou adiantamentos em dinheiro.
Para reverter essa situação, surgiram associações e cooperativas de catadores com o objetivo de promover a inclusão social dessas populações, restituindo-lhes a cidadania e a nserção social pela conquista de direitos, pelo trabalho e pela geração de renda advinda da comercialização coletiva dos materiais recolhidos (um quadro amplo da história e situação atual dos F. de p. A. Lima et al. 133 catadores pode ser visto em Kemp & Crivellari, 2008).
Essas organizações têm ampliado a capacidade de coleta de materiais recicláveis, tornando-se instrumento de preservação ambiental e de redução de custos públicos com o descarte dos resíduos urbanos. Por erem OF IS enfrentam vários empecilhos à melhoria da produtividade de suas associações, relacionados os processos de trabalho e de produção que utilizam, deparando-se com dificuldades para lidar com conhecimentos e tecnologias inerentes ? cadeia produtiva em que se inserem.
Tudo isso os impede de aumentar a renda auferida com a comercialização dos materiais, o que, por sua vez, compromete a sustentabilidade dos empreendimentos e, no longo prazo, pode corroer a legitimidade social para manter essa alternativa como política pública de res[duos sólidos e de inclusão social, tendo em vista a pressão de empresas privadas concorrentes e também as exigências de oferecer um serviço público universal de qualidade.
Apesar das dificuldades técnicas que são inegáveis e dos enormes desafios enfrentados pelos catadores, é necessário reconhecer o sucesso desses empreendimentos, nem sempre devidamente apreciados devido à má impressão causada pelas condições de trabalho precárias dos que trabalham com o lixo, seja em lixões ou em galpóes improvisados, que não oferecem condições adequadas de trabalho. No entanto, quem conhece ou acompanhou a trajetória dos catadores não pode deixar de reconhecer o mérito das associações e os benefícios sociais de sua atividade (Oliveira, 2010).
Esse reconhecimento foi expresso or Vik Muniz no filme Lixo Extraordinário. O impacto de encontrar pessoas trabalhando em meio ao lixo se transforma na medida em que a história de cada catador é revelada. Alguns catadores de Gramacho não se distinguem de outras pessoas da classe média senão pelos infortúnios que lhes impe ar a vida 6 OF de ganhar a vida em outras atividades profissionais e que os levaram a “escolher” o trabalho com o lixo. Dizemos escolher entre aspas porque essa parece uma escolha entre poucas opções.
Viver e trabalhar, quando “tudo na vida deu errado”, é a maior conquista dos catadores, ainda que seu trabalho ontinue sendo realizado em condições precárias. Constatar essa precariedade não lhes tira o mérito, mas coloca um novo ponto de partida para o desenvolvimento das associações: garantida a sobrevivência, como aumentar a eficiência da reciclagem e assegurar seu lugar como alternativa para o tratamento do lixo e, ao mesmo tempo, melhorar as condições de trabalho e de vida em geral dos catadores?
Eis o problema de fundo e o desafio que se coloca aos catadores: na conjuntura atual, já não basta ao catador retirar do lixo a sua sobrevivência, problema que deve ser resolvido em uma labuta repetida a cada dia. Ele tem que lidar com a complexa questão de qual é a melhor destinação do lixo, não apenas do ponto de vista dos catadores, mas da sociedade como um todo. As políticas públicas lhes abrem espaço ao mesmo tempo em que trazem novas exigências.
A discussão sobre a viabilidade técnica das alternativas de tratamento do lixo, que envolve questões como balanço energético, poluição e eficiência ambiental de processos técnicos, não é, de fato, decisiva para estabelecer critérios de escolha, pois deixa de lado aspectos determinantes da viabilidade econômica, em especial o sistema operacional e logístico de coleta e triagem, ecessário para efetivar o potencial técnico de reciclabilidade de materiai materiais do lixo até sua transformação em matérias-primas e novos produtos.
Potencialmente, todos os materiais do lixo são recicláveis e já existem tecnologias em nivel experimental ou industrial para seu reaproveitamento. O que deve ser discutido, para além da viabilidade técnica da reciclagem, são as condições (mobilização social, equipamentos, logística reversa… ) exigidas para viabilizar economicamente a reciclagem desse ou daquele material, desde seu descarte até sua transformação, passando pela coleta, triagem e comercializaçãol .
A definição das condições de efetividade da coleta 1 Evidentemente, não assumimos a produção atual do lixo como algo dado ou necessário, mas como resultante da subordinação do consumo à produção de valor, em um modo de produção cuja eventual transformação mudaria completamente os termos do problema. Nas condições atuais, o lema dos 3Rs (Redução, Reutilização e Reciclagem) é, na prática, reduzido à reciclagem, pois a quantidade de lixo aumenta continuamente. A redução do lixo não é uma estratégia viável para transformar o metabolismo homem-natureza quando consumo e produção servem ao processo e valorização.
Para uma análise critica da Ideologia da reciclagem, ver Layrargues (201 1), e sobre como o descartável alimenta a produção de valor, Mészàros (1995). Tecnologias Sociais da Reciclagem 134 seletiva – ainda que se trate apenas de uma etapa da cadeia da reciclagem – tem repercussões sobre toda a cadeia produtiva, sendo fundamental para orientar o debate mais amplo sobre alternativas de tratamento do lixo e sua c sistemas 80F sobre alternativas de tratamento do lixo e sua composição em sistemas integrados de gestão. Os critérios de viabilidade ou sustentabilidade econômica também devem ser vistos com cuidado.
De modo geral, quando se tende a universalizar uma dada forma de tratamento do lixo, os rendimentos decrescentes reduzem as margens da sustentabilidade econômica. Pode-se dizer, portanto, que isoladamente nenhuma opção é economicamente sustentável. Isso quer dizer que uma parte do tratamento do lixo, desde que se pretenda universalizar o serviço, é sempre deficitária e, portanto, constitui um serviço que deve ser remunerado por tarifas, taxas ou impostos definidos por pol[ticas públicas, e não por preços formados pelo mercado.
Projetar sistemas integrados, com um mix de opções, pode reduzir o usto ao permitir que cada opção funcione nas faixas de maior eficiência. Mas essa combinação, como veremos no “Politicas e Instrumentais e sustentabilidade da reciclagem”, não depende apenas de parâmetros técnicos: a fixação de metas de reciclagem (assim como o que se entende por material reciclad02) é resultado de lutas e contradições sociais que se traduzem em diretrizes políticas.
Outra determinação é de natureza histórica: a questão do lixo e as alternativas que hoje se apresentam não se resolvem apenas em cálculos econômicos com base nas condições atuais. mplicam problemas práticos, como o esenvolvimento e Implementação de sistemas de logística reversa eficientes. Nesse sentido, tanto pela história como pelas com etências técnicas acumuladas, os catadores I estratégico determinante na definição dos rumos da gestão integrada dos resíduos urbanos, contribuindo e participando do desenho de suas configurações, de sua organização e de sua gestão (Lima & Oliveira, 2008).
Este texto, apesar de estar centrado em uma dimensão específica – o projeto operacional da reciclagem -, contribui para esclarecer essa posição 2 Na Europa, discute-se, por exemplo, se as cinzas resultantes da ncineração, aproveitadas em obras civis, devem ser contabilizadas nas metas de reciclagem. estratégica dos catadores e como deve ser organizada a coleta seletiva, de modo a fortalecê-la como opção sustentável.
Diretrizes e instrumentos de políticas socioambientais para a reciclagem Países periféricos, ditos em desenvolvimento ou emergentes, caracterizam-se por um desenvolvimento desigual, que reproduz internamente a clivagem centro-periferia (ou Norte-Sul, como alguns preferem). Sua estrutura social comporta duas faces que parecem opostas: a riqueza concentrada em classes sociais elativamente reduzidas ao lado de uma larga proporção da população “excluída” do mercado de trabalho e de consumo.
A expressão “Belíndia” foi cunhada para apreender essa realidade contraditória do Brasil, onde poucos têm um padrão de Vida equiparável ao da Bélgica, enquanto muitos estão no nível dos indianos. O termo de “exclusão”, no entanto, pode levar a análises equivocadas se se considera que as classes sociais desfavorecidas pelo desenvolvimento econômico estão, ipso facto, excluídas da economia. Mostra-o, por exemplo, a importância da economia informal nos estados do Sul, que, mais de 0 DF