Relatorio final

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455 PROJETO VIOLENCIA E ARTE-EDUCAÇAO PARA A CIDADANIA Carmem Silvia Sanches JIJSTOI Resumo: Em face da crescente participação do jovem na criminalidade, e considerando a escola como um dos cenários privilegiados para se traçar estratégias de prevenção e enfrentamento dessa problemática, desenvolvemos o projeto Violência e arteeducaçào para a cidadania, em duas escolas de ensino médio, em Marilia- projeto consistiu na realização de grupos de discussão, debates de filmes e leitura de imagens fotográficas com pais e professores; aplicação da enquete Raio X para oventa alunos, visando levantar suas sugestões e críticas sobre problemas emergentes na escola, bairro, cidade e pais. O trabalho realizado demonstrou o êxito de propostas artístico-educativas capazes de articular pais, professores e alunos na reflexão sobre a violência na sociedade contemporânea e no empreendimento de ações visando a melhoria do ambiente escolar. Palavras-chave: ensino médio; violência; arte-educaçao; articulação escola-comunidade. INTRODUÇÃO O espaço escolar é o principal lugar de atuação e socialização do adolescente, lugar privilegiado para a difusão do conhecimento, expansão ntelectual e afetiva do aluno.

Na sociedade atual, globalizada, capitalista e cada vez mais -lal Studia agentes sociais -educadores, pais e alunos – valorizando a participação e a coresponsabilidade como instrumentos importantes à efetiva consolidação da democracia em nosso país e para construir uma escola cidadã, que seja um antídoto eficaz no combate ao desinteresse dos alunos pelos assuntos escolares, à indisciplina e à violência emergente nas escolas e na sociedade, de maneira geral. Nos dias de hoje é imprescindível buscar estratégias de prevençao, pois ao bservarmos os números sobre a violência é fácil concluir que medidas de enfrentamento devem ser tomadas sob o risco de nós, ou de nossos familiares, sermos os próximos a engrossar as estatísticas sobre o fenômeno da criminalidade. Ainda mais desalentador é perceber que a participação do jovem nas ocorrências criminais tem crescido nitidamente.

Dados comparativos de pesquisa conduzida em Marília/SP, cidade de aproximadamente duzentos mil habitantes, apontaram que em 1 996, 58% dos envolvidos em ocorrências criminais 1 Faculdade de Filosofia e Ciências – UNES? – campus de Marília 456 inham até 25 anos; em 2001 esse número saltou para 71%, sem considerar os atos infracionais cometidos por menores de 18 anos (Félix, 2002). Não é tarefa fácil identificar as causas da violência, mesmo reconhecendo que inúmeros pesquisadores, de diferentes áreas de estudo, como costa (1988, 1997), zaluar (1994), Monn (1998), Castro (2001), entre outros, têm ampliado as reflexões sobre o assunto.

Em suas análises, que muito contribuíram no aporte teórico do projeto Violência e arteed 21 como a pobreza, má distribuição de renda, desemprego, poder crescente do narcotráfico, escola ineficiente e alta de políticas públicas preventivas direcionadas ao segmento infanto-juvenil da população são ingredientes importantes para o aumento da violência, embora nenhum deles sozinho faça crescer a participação do jovem na criminalidade. Os fatores subjetivos, intrafamiliares e culturais Interagem na determinação desse avassalador problema da violência, que se estende para cidades brasileiras de médio porte, atingindo, sobretudo os Jovens.

Por tratar-se de um fenômeno bastante complexo e multicausal, seu enfrentamento depende da percepção tanto de fatores estruturais, ou seja, igados ao empobrecimento de parcelas cada vez maiores da população, como de ingredientes subjetivos fermentados no caldo de uma cultura marcada pela exclusão e intolerância às diferenças. Vivemos tempos de velozes mudanças tecnológicas e grande apelo ao consumo voraz, entretanto, os níveis de desemprego sobem assustadores, e a sociedade cresce em adversidade e não no respeito à diversidade de pensamento e culturas. Com a crescente onda de desemprego, como faz notar Sevcenko (1998), assistimos a uma seleção cada vez mais rigorosa das pessoas que passam a ter o direito de cesso ao mercado e, portanto, participação direta no consumo, que agora são as instituições balizadoras da sociedade. São poucos os jovens qualificados que têm a chance do emprego.

A maioria fica fora do mercado de trabal ra, a mercê de uma prejudiciais ao bem-estar coletivo e a sua subjetividade: rebeldia, atitudes violentas, autodesvalorização acompanhada de crises depressivas ou maníacas (“tô nem ar’, “o mundo é que se exploda”) são algumas delas. Além disso, o adjetivo “qualificados” já pressupõe um critério de exclusão para os jovens, porque os mais qualificados são os que iveram boa escola, casa, comida, família, garantia de saúde etc. Na lógica de mercado, uma vez que a “oferta jovem” (infelizmente, nessa lógica perversa, pessoas são equiparadas à mercadoria) é maior que a procura, as esferas do processo de seleção social ampliam-se e passam a cercar de todos os lados. Dessa forma, se 457 há muitos jovens e somente uns poucos para pertencer ? sociedade, escolhem-se aqueles que falam certo.

Há palavras ou modos de falar que não caem bem, assim como certas roupas também; há jovens que fazem um som que diz coisas (violência, racismo etc) não multo certas, onforme o gosto do mercado; assim como há jovens com certo tom de pele e os de famílias certas. A história mostra que esse processo de exclusão social, que reproduz cada vez mais contingentes de subcidadãos condenados a viver na invisibilidade, a maior punição para qualquer habitante da nossa cultura narcisista (Lasch, 1979), cujo valor maior é a imagem, não é assistido passivamente pelos jovens, podendo gerar reações individuais e organizadas, políticas e culturais, pacíficas e violentas.

Exemplos que podem ser citados, entre outros, são os movimentos de jovens alemães e holandeses, no final dos nos 70, de ocupação de c 4 21 aguardando valorização imobiliária, conforme sublinha Sevcenko (1998); e mais recentemente o movimento rap, sigla americana que significa rhythm and poetry, de grande repercussão no Brasil. Estes versos, da música Senhas, de Adriana Calcanhoto, parecem bem expressar a repulsão juvenil ao esteticismo das atuais relações “de aparência”: “eu não gosto do bom gosto/ eu não gosto de bom senso/ não/ não gosto dos bons modos/ não gosto/ eu gosto dos que têm fome/ dos que morrem de vontade/ dos que secam de desejo/ dos que ardem” DESENVOLVIMENTO DO PROJETO

Quero pertencer para minha força não ser inútil. Clarice Lispector O pensamento acima traduz o desejo dos milhões de jovens, principalmente dos mais vitimados pela exclusão econômica e social, nessa sociedade que dissemina muitos símbolos de riqueza, mas cujo desfrute é reservado a poucos. Os projetos articulados ao Núcleo de Ensino da UNESP/Campus de Marma — SP têm tentado promover este pertencimento reclamado pelos jovens, conseguindo neutralizar algumas de suas atitudes agressivas, principalmente na escola, tais como brigas entre pares, depredação de prédios ou de equipamentos, desrespeito aos uncionários, professores e colegas.

Conforme sublinha Mendonça (2002), indisciplina e violência são problemas que atingem não só os níveis mais altos do ensino, mas também estão alcançando as primeiras séries do ensino fundamental. Su erá-los, ou pelo menos atenuar sua emergência, ocorrerá vivem, reconhecendo a necessidade de pertencer, que todos temos, de sentir a escola e os demais espaços por nós habitados (palavra que alude ? internalização de hábitos) como lugares que ajudamos a construir e podemos transformar. Concordamos com Castro (2001), que “tornar-se cidadão não se onstitui uma tarefa apenas baseada na aprendizagem diligente e racional de idéias e valores, mas na projeção afetiva do eu aos espaços onde a vida humana se constrói, através do convívio com o outro” (P. 1 16).

Alguns estudos por nós conduzidos anteriormente, (Justo, 2000, 2003), ao lado dos realizados por Abramovay (2001 ), Castro (2001) têm demonstrado que atividades “além da lousa” realizadas na escola, como, por exemplo, oficinas de grafite e fotografia, discussão de filmes ou de contos literários, entre outras, são importantes para dar visibilidade aos interesses xpressivos do jovem, mantê-lo afastado de situações de risco, ou até mesmo para resgatá-lo de uma condição violenta para uma outra, em que possa re- significar suas experiências de vida, afirmando sua identidade e avançando na compreensão de si mesmo, dos outros e da cultura.

Trata-se de oferecer aos jovens algumas atividades de cunho artístico que preencham o vazio de oportunidades lúdicas e educativas, sobretudo para os confinados na periferia da cidade, e os aproxime do cinema, da literatura etc, ativando seu imaginário, provocando um campo múltiplo de devires humanos e possibilidades de invenção da vida. A narrativa fflmica, ao contrá didáticos ou teóricos, suposta verdade, favorecendo a interlocução livre do rigor ideológico ou científico. A literatura, como bem diz um dos ensaios de Antonio Cândido (1992), e o mesmo poderia ser dito em relação às demais manifestações artísticas, “desenvolve em nós a quota de humanidade necessária, na medida em que nos torna mais compreensíveis e abertos para a natureza, a sociedade, o semelhante” (p. 19). 59 DESAFIOS E ATIVIDADES Não basta ter queijo e faca, precisa ter fome. Adélia Prado Nosso principal sujeito de análise e intervenção do Projeto ara a cidadania, desenvolvido em duas escolas públicas de Marília-SP, era o próprio aluno de ensino médio, mas se fez necessário, também, um trabalho que envolvesse toda a comunidade escolar, diante do desafio de ajudarmos construir uma outra escola, menos burocrática e nada aparentada a um “cemitério de vivos” (Tragtemberg, 1 974), tentando encontrar caminhos que possam nos levar a um futuro mais promissor, com oportunidades de emprego, justiça social, melhor distribuição de riquezas e de poder na sociedade brasileira.

Como garantir vida digna à malona das famílias des-esperadas, em perspectiva de melhoria? ; O que fazer para dar visibilidade ao talento e interesse de gente jovem “que não quer só comida, mas diversão e arte”? , como é o lema de uma das músicas bastante popular dos Titãs; O que fazer para ue crian as e os jovens tenham os direitos respeitados, e ao orçamento participativo, a atuação das APMs e dos Grêmios Estudantis? ; Como recuperar a confiança na educação, elevar a auto-estima dos educadores, vilipendiados com baixos salários; O que fazer para reverter a falta de interesse de grande parcela dos pais pelos assuntos escolares e sociais mais amplos?

Ao se ter clareza desses desafios, não obstante a consciência dos limites de nossa compreensão e das ações do projeto em pauta, questões menores como: ausência de quadra de esportes coberta para realizar oficinas de arte- educação com os alunos ou debates de filmes, desafetos entre alguns professores ou destes com a direção da escola, pouca responsividade dos pais aos chamados para discussões sobre o andamento do projeto, gradativamente foram deixadas de lado e substituídas pelo interesse estratégico de se buscar os melhores momentos e espaços para o projeto ir se consolidando em suas diversas frentes: unto aos alunos, aos pais e aos professores. Assim, ocupamos espaço nas reuniões de planejamento, no início do ano letivo; outras vezes, participamos da idealização de Semanas Culturais; aproveitando, também, aulas vagas para envolver alunos no debate de filmes; oferecendo oficinas de fotografia abertas ? comunidade nos finais de semana, ou no período em que os alunos não freqüentavam as aulas regulares.. 460 Realizamos com os alunos oficinas de dança de rua e flamenca, importante para devolver a eles auto-estim o do próprio corpo; protagonismo juvenil e acolhendo os interesses dos jovens.

Trabalhamos com os pais, os professores e também com os alunos, em grupos de discussão, debates de filmes etc, com o propósito de identificar a representação de cada um deles a respeito da violência, na escola e nos espaços sociais mais amplos e levantar suas propostas para melhoria do ambiente escolar, do bairro e da cidade. Dessa forma, tentou-se provocar a curiosidade dos alunos, de seus pais e a fome dos professores de transgredir os métodos e conteúdos oficiais de ensino, pois como aludem os versos que tomamos como epígrafe, não bastam os “queijos e as facas”. PROFESSORES E PAIS O que era jovem, novo, hoje é antigo e precisamos todos rejuvenescer.

Belchior Na análise dos problemas emergentes nas escolas participantes da pesquisa, partimos do pressuposto que, se há algo errado com os alunos que, em geral, são apáticos ou rebeldes, deve também haver algo errado com os professores, pois uns refletem as atitudes dos outros, daí a Importância de se trabalhar com os dois segmentos. Em um primeiro momento, os professores demonstraram uma certa dificuldade para reconhecer que poderia haver algo errado em suas práticas. Sua profissão é vista sem crédito ou restígio, sua atuação em sala de aula é questionada, e todo esse clima de insegurança poderá reforçar nele um sentimento de desamparo, gerar sensações de fracasso e impotência. O professor, talvez, por se sentir acuado, sobrecarregado e mal-assessorado, não consiga criar o estímulo devido para os al aprendizagem é prejudicado.

Na visão de alguns docentes, as chamadas manifestações de violência na escola são comumente explicadas pela conduta do “aluno-problema”, indisciplinado e que apresenta baixo aproveitamento das aulas, constituindo um obstáculo para a realização das atividades do professor. Responsabilizar unicamente o aluno ou empurrar a culpa para fora da escola é um equívoco ético desses professores que, embora comprometidos com a transmissão de valores e a elaboração dos saberes socialmente constru[dos, se eximem da função primeira e muitas vezes não se consideram co-responsáveis pela crise na educação escolar, sucumbindo ? desvalorização da própria categoria profissional e reforçando involuntariamente atitudes agressivas e de descrédito dos alunos. 61 Nas discussões empreendidas com professores e pais, percebe- se que familia e escola medem suas forças num jogo de empurra-empurra em ue ninguém quer tomar para si a responsabilidade de educar a criança e o jovem para o exerc[cio da cidadania, tornando-os cônscios de seus direitos e deveres. Criticam-se mutuamente pela crise em que mergulha a educação e a escola, sem reconhecer que ambas têm responsabilidades e que, embora sejam entidades distintas, família e escola devem cooperar entre si na difícil tarefa de formar cidadãos detentores dos saberes historicamente construídos, autônomos e críticos perante a sociedade em que estão inseridos. No processo educacional, alunos rofessores, direção e demais instâncias 0 DF 21

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