Saúde

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1. Concepção de saúde-doença e o cuidado em saúde Marly Marques da Cruz O Capitulo 1 da Parte I compreende a abordagem dos aspectos teóricos conceituais de dois tópicos fundamentais, que estão intimamente interligados para a compreensão do campo da saúde: o primeiro se refere às concepções de saude-doença e do cuidado em saúde; o segundo diz respeito à determinação social da doença.

Este capitulo tem por objetivo apresentar as diferentes concepções sobre saúde-doença e cuidado, de forma a relacionar as necessidades em saúde com base nas características de uma população em um dado território; aracterizar a relação dinâmicas existentes ações e serviços de s de dos diferentes deter com base nas caract 6 nent page -doença e as ganização das e apoio; e tratar esso saúde-doença pulação.

Como o intuito deste capitulo é criar um ambiente de aprendizagem interativo e agradável, procuramos trabalhar com atividades que, na realidade, representam um convite para você começar a refletir sobre as temáticas centrais. A ideia é que você possa problematizar algum dos pontos sugeridos, fazer uma aproximação com os conceitos e, posteriormente, retornar a eles a leitura ou em alguma outra atividade de síntese. Por exemplo: como neste capitulo vamos tratar dos conceitos de saúde, doença e cuidado, convidamos você a iniciá-lo refletindo sobre as perguntas a seguir.

Essas questões podem até parecer muito óbvias, mas não são tan Sv. ‘ipe to View next page tanto assim. Vamos ver por quê! Q ualificação de G estores do sus Para refletir a) o que significa ter saúde? o que contribui para que as pessoas tenham saúde? b) o que significa estar doente? o que favorece o adoecimento das pessoas? c) o que você faz quando adoece? o ue significa para você ser cuidado? d) Como os trabalhadores de saúde interferem no processo saúdedoença das pessoas?

Diferentemente do que você fez, ao explorar bastante seu próprio conhecimento sobre esses tópicos, agora você vai levantar as concepções de outras pessoas, considerando a inserção social delas no âmbito da saude. Você quer saber como? Então vamos lá… para praticar Faça um levantamento com um gestor, um profissional de saúde e um usuário dos serviços de saúde, utilizando as mesmas questões sobre as quais você já refletiu. Formule um roteiro para egistrar as respostas dos entrevistados, procurando ser o mais fiel possível.

Esse registro pode ser feito num quadro como o exemplo a seguir: Entrevistados Entrevistado 1 Entrevistado 2 Entrevistado 3 Questão 1 Questão 2 Questão 3 Questão 4 Síntese é semelhante ao r corpora a crítica em 20F 16 do processo saúde-doença e do cuidado para entender como o assunto sobre o qual estamos nos debruçando se faz presente desde a Antiguidade. Além disso, vamos nos reportar aos modelos para apontar diferentes concepções que se complementam, buscando indicar, sempre que possível, s avanços e as limitações explicativas referentes a cada um deles.

De qualquer forma, esse panorama histórico vai ajudá-lo a entender proximidades e disparidades com as concepções de saúde, doença e cuidado da atualidade. Modelo mágico-religioso ou xamanístico A visão mágico-religiosa sobre a saúde e a doença e sobre como cuidar era a predominante na Antiguidade. Os povos da época concebiam as causas das doenças como derivadas tanto de elementos naturais como de espíritos sobrenaturais.

O adoecer era concebido como resultante de transgressões de natureza ndividual e coletiva, sendo requeridos, para reatar o enlace com as divindades, processos liderados pelos sacerdotes, feiticeiros ou xamãs (HerzlicH, 2004). As relações com o mundo natural se baseavam em uma cosmologia que envolvia deuses e espíritos bons e maus, e a religião, nesse caso, era o ponto de partida para a compreensão do mundo e de como organizar o cuidado. Modelo holístico As medicinas hindu e chinesa, também na Antiguidade, traziam uma nova forma de compreensão da doença.

A noção de equilibrio é que vai dar origem à medicina holística. Esta noção associa a ideia de “proporção justa ou adequada” com a saúde e a doença. A saúde era entendida como o equilíbrio entre os elementos e humores que compõem o organismo humano. Um desequilíbrio desses elementos permitiri 30F os elementos e humores que compõem o organismo humano. um desequilíbrio desses elementos permitiria o aparecimento da doença. 23 A medicina holística teve grandes contribuições de Alcmeon (século V a. C. , para quem o equilíbrio implicava duas forças ou fatores na etiologia da doença. Esse filósofo partilhava as ideias e Heráclito, para quem os opostos podiam existir em equilbrio dinâmico ou sucedendo-se uns aos outros (HerzlicH, 2004). A causa do desequilíbrio estava relacionada ao ambiente físico, tais como: os astros, o clima, os insetos etc. De acordo com tal visão, o cuidado deveria compreender o ajuste necessário para a obtenção do equilíbrio do corpo com o ambiente, corpo este tido como uma totalidade.

Cuidado, em última instância, significa a busca pela saúde que, nesse caso, está relacionada à busca do equilbrio do corpo com os elementos internos e externos. Modelo empírico-racional (hipocrático) A explicação empírico-racional tem seus primórdios no Egito (3000 a. C. ). A tentativa dos primeiros filósofos (século VI a. C. ) era encontrar explicações não sobrenaturais para as origens do universo e da vida, bem como para a saude e a doença. Hipócrates (século VI a. C. estabeleceu a relação homem/meio com o desenvolvimento d os Humores, teoria a 4 16 humores; a doença é resultante do desequilíbrio deles, e o cuidado depende de uma compreensão desses desequilíbrios para buscar atingir o equilíbrio. Modelo de medicina científica ocidental (biomédico) O modelo de medicina científica ocidental ou biomédica, predominante na atualidade, tem suas raízes vinculadas ao contexto do Renascimento e de toda a Revolução Artístico- Cultural, que ocorreram a partir do século XVI.

O Método de Descartes (séculos XVI e XVII) definiu as regras que constituem os fundamentos do seu enfoque sobre o conhecimento: não se deve aceitar como verdade nada que não possa ser identificado como tal; separar cada dificuldade a ser examinada em tantas partes quanto sejam possíveis e que sejam requeridas para solucioná- las; condução do pensamento de forma ordenada, partindo do imples ao mais complexo; necessidade de efetuar uma revisão exaustiva dos diversos componentes de um argumento. 4 Concepção de saúde-doença e o cuidado em saúde O conceito biomédico da doença é definido como desajuste ou falha nos mecanismos de adaptação do organismo ou ausência de reação aos estimulos a cuja ação está exposto processo que conduz a uma perturbação da estrutura ou da função de um órgão, de um sistema ou de todo o organismo ou de suas funções vitais (Jenicek; cléroux, 1982 apud HerzlicH, 2004).

O modelo biomédico focou-se, cada vez mais, na explicação da oença e passou a tratar o corpo em partes cada vez menores, reduzindo a saúde a um funcionamento mecânico (Barros, 2002). Numa perspectiva crítica, Fritjof Capra (1982) destaca a concepção fragmentária do modelo biomédico perspectiva crítica, Fritjof Capra (1982) destaca a concepção fragmentária do modelo biomédico ao defender que este consiste num tipo de modelo da teoria mecanicista, em que o homem é visto como corpo-máquina; o médico, como mecânico; e a doença, o defeito da máquina.

A percepção do homem como máquina é datada historicamente com o advento do capitalismo. Foi também no Renascimento que a explicação para as doenças começou a ser relacionada às situações ambientais; a causa das doenças passava a estar num fator externo ao organismo, e o homem era o receptáculo da doença. Destas elaborações teóricas sobre o contágio firmou-se a teoria dos miasmas, que foi a primeira proposta de explicação, dentro dos parâmetros da ciência, da associação entre o surgimento de epidemias e as condições do ambiente. s miasmas seriam gases decorrentes da putrefação da matéria orgânica que produziam doenças quando absorvidos pelos seres ivos. Com a descoberta dos microrganismos (teoria microbiana) como causa das doenças, a teoria dos miasmas perdeu força explicativa e abriu espaço para a primeira revolução sanitária, com o inicio das pesquisas sobre as relações entre organização social, pobreza e frequência de doenças. A teoria microbiana propunha que cada doença teria por agente causal um organismo específico, que poderia ser identificado, isolado e ter suas características estudadas.

A intervenção de cuidado é baseada numa visão reducionista e mecanicista, em que o médico especialista é o mecânico que ratará da parte do corpo-máquina defeituosa ou do ambiente para o controle das possíveis causas de epidemias. O cuidado, 6 OF corpo-máquina defeituosa ou do ambiente para o controle das possíveis causas de epidemias. O cuidado, na concepção biomédica, está focado, segundo Foucault (1979), no controle do espaço social, no controle dos corpos. 5 Q ualificaçao Modelo sistêmico Para uma compreensão mais abrangente do processo saúde- doença, no final da década de 1970 começou a ganhar força a concepção deste como um processo sistêmico que parte do conceito de sistema. O sistema, neste caso, e entendido como “um conjunto de elementos, de tal forma relacionados, que uma mudança no estado de qualquer elemento provoca mudança no estado dos demais elementos” (roBerts, 1 g78 apud almeida FilHo; rouquayrol, 2002).

Ou seja, essa noção de sistema incorpora a ideia de todo, de contribuição de diferentes elementos do ecossistema no processo saúde-doença, fazendo assim um contraponto à visão unidimensional e fragmentária do modelo biomédico. Segundo essa concepção, a estrutura geral de um problema de saúde é entendida como uma função sistêmica, a qual um sistema epidemiológico se constitui num equilíbrio dinâmico.

Ou seja, cada vez que um dos seus componentes sofre alguma alteração, esta repercute e atinge as demais partes, num processo em que o sistema busca novo equilíbrio. Figura 1 – Sinergismo mult terminação das doenças 6 entende-se o conjunto formado por agente suscetível e pelo ambiente, dotado de uma organização interna que regula as interações determinantes da produção da doença, juntamente com os fatores vinculados a cada um dos elementos do sistema (almeida FilHo; rouquayrol, 2002, p. 49).

Essa definição de sistema epidemiológico aproxima-se da ideia de necessidade de um sistema de saúde complexo, que contemple um conjunto de ações e serviços de saúde capaz de identificar as interações dos determinantes da produção e reprodução das doenças e de atuar de forma efetiva no enfrentamento destes. Modelo da História Natural das Doenças (modelo processual) A busca por explicações causais do processo saúde-doença resultou na configuração da História Natural das Doenças (HND), conhecido como modelo processual dos fenômenos patológicos. Os principais sistematizadores desse modelo foram Leavell e

Clark, no ano de 1976, quando definiram história natural da doença como o conjunto de processos interativos que cria o estimulo patológico no melo ambiente ou em qualquer outro lugar, passando da resposta do homem ao estímulo, até as alterações que levam a um defeito, invalidez, recuperação ou morte (leavell; clark, 1976 apud almeida FilHo; rouquayrol, 2002). O modelo da HND Visa ao acompanhamento do processo saúde- doença em sua regularidade, compreendendo as inter-relações do agente causador da doença, do hospedeiro da doença e do meio ambiente e o processo de desenvolvimento de uma doença

Esta forma de sistematização ajuda a compreender os diferentes métodos de prevenção e controle das doenças. O sistema de história na 80F compreender os diferentes métodos de prevenção e controle das doenças. O sistema de história natural das doenças apresenta uma dimensão basicamente qualitativa de todo o ciclo, dividindo em dois momentos sequenciais o desenvolvimento do processo saúde-doença: o pré-patogênlco e o patogênico. O primeiro, também considerado período epidemiológico, diz respeito ? interação entre os fatores do agente, do hospedeiro e do meio ambiente.

O segundo corresponde ao momento quando o homem interage com um estímulo externo, apresenta sinais e sintomas e submete-se a um tratamento. De acordo com o apresentado na Figura 2, o período pré-patogênico permite ações de promoção da saúde e a proteção espec[fica, enquanto o período patogênico envolve a prevenção secundária e a prevenção terciária. 27 Figura 2 — Modelo da História Natural da Doença História natural da doença o modelo explicativo de determinação do processo saude-doença é destacado no filme nacional Ilha das Flores, de 1989, dirigido or Jorge Furtado, e disponivel em: http://www. ortacurtas. com. o documentário mostra a crise de civilização em que a sociedade “moderna” e globalizada está inserida. é um ácido e div a mecânica da sociedade Filho e rouquayrol (2002). A sistematização sugerida no modelo da HND orientou a organização do cuidado por diferentes níveis de complexidade, em termos de recursos e ações. Ao considerar a possibilidade de evitar a morte, são trazidas com este modelo diferentes possibilidades de prevenção e promoção da saúde, como interromper a transmissão, evitar o caso e promover vida com qualidade.

Determinação do processo saúde-doença Pelo que pudemos ver até aqui, o processo saúde-doença se configura como um processo dinâmico, complexo e multidimensional por englobar dimensões biológicas, psicológicas, socioculturais, econômicas, ambientais, políticas, enfim, pode-se identificar uma complexa interrelaçao quando se trata de saúde e doença de uma pessoa, de um grupo social ou de sociedades. A abordagem de Castellanos (1990) se coloca como um esforço de operacionalização, do ponto de vista analítico, do processo saúde-doença, tendo em vista os diferentes niVeis de organização da vida. O processo saúde-doença é um conceito central da proposta de epidemiologia social, que procura caracterizar a saúde e a doença como componentes integrados de modo dinâmico nas condições concretas de vida das pessoas e dos diversos grupos sociais; cada situação de saúde específica, individual ou coletiva, é o resultado, em dado momento, de um conjunto de determinantes históricos, sociais, econômicos, culturais e biológicos. A ênfase, nesse caso, está no estudo da estrutura socioeconômica, a fim de explicar o processo saúde-doença de maneira histórica, mais abrangente, t 0 DF 16

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