Engenharia ambiental

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‘A multiplicação de carros no Brasil é uma bomba relógio ambiental de grandes proporções’. Entrevista com André Trigueiro “Não existe mais hora do rush e isso signTica perda de mobilidade”, constata Trigueiro, ao avaliar o trânsito caótico das cidades. Segundo ele, a engenharia de tráfico do país tem que mudar e, “em bom português”, diz que isso “significa que os investimentos públicos em transporte de massa eficiente, barato e rápido devem ser superiores, devem suplantar os investimentos públicos que abrem caminho para o transporte individual”.

De acordo com o jornalista, a maioria dos impostos agos pelos brasileiros ainda beneficia o transporte individual. “Isso é um desajuste, dos brasileiros não Em entrevista à IHIJ ideia de investir em t de pessoas, como o OFII Swtp view nent page o, porque a maioria igueiro defende a atendam centenas ro, é o meio mais indicado para solucionar problemas de tráfego e mobilidade urbana. “Chegamos a um ponto em que não é opção ter metrô; ele é fundamental, porque é o meio de transporte que irá reduzir, no longo prazo, a bomba relógio do crescimento desordenado das cidades e das suas frotas automobilísticas”.

André Trigueiro é jornalista, pós-graduado em Gestão Ambiental ela COOPE/UFRJ e professor do curso de Jornalismo Ambiental da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Na Globo News, apresenta o programa “Cidades e soluções”, tratando da questão do meio ambiente. É autor de M Swige to víew next page -lal Studia Mundo sustentável (São Paulo: Globo, 2005). IHU On-l_ine — Qual sua reação diante da notícia de que um motorista atropelou diversos ciclistas que participavam de manifestação em prol da consciência ambiental?

André Trigueiro – É evidente que houve um crime, houve dolo e é evidente, de acordo com as imagens, que houve a intenção eliberada de atropelar. Nesse sentido, não há defesa, não há justificativa. Por outro lado, o caso mostra que uma manifestação do gênero, evidentemente, haverá de requerer, em qualquer lugar, autorização prévia ao município para que os ciclistas sejam escoltados. Quer dizer, é muito arriscado realizar uma manifestação de bicicleta ou a pé, em uma avenida, contando com a boa vontade das pessoas. É importante que as manifestações sejam planejadas, que se avise a polícia e a guarda municipal.

Cada cidade tem o seu protocolo e não é preciso arriscar a vida dos ciclistas. Gostaria de fazer uma ressalva sobre o radicalismo, pois ele nunca é um aliado. Os movimentos extremistas, apaixonados, independente da causa, não agregam; pelo contrário, eles segregam. Não podem ser entendidos como uma ferramenta inteligente e, assim, não ganham musculatura e densidade. Em sendo verdade a hipótese de que um motorista estressado, querendo atravessar a via, justificou a agressividade de alguns manifestantes, isso também merece atenção.

A causa dos ciclistas é justa e nobre, é importante abrir espaços na cidade para a bicicleta, entendendo o veículo como meio de transporte onsagrado em vários países do mundo, reduzindo as emissões de gases estufa, o ruído, aumentando o nivel de conforto, de qualidade de vida das pes as emissões de gases estufa, o ruído, aumentando o nível de conforto, de qualidade de vida das pessoas. Agora, perder a cabeça por uma razão qualquer, ficar impaciente e partir para a agressão nao condiz com a nobreza da causa.

Há tantas outras maneiras de lidar com motorista impaciente, com pessoas que não atribuem importância ou consideram até uma ideia descabida uma manifestação do gênero. Não podemos impor aos outros a nossa visão de mundo, não podemos replicar ma visão monolitica do mundo e medi-lo conforme a nossa régua. O grande barato de viver em um país democrático como o Brasil é a possibilidade de organizar uma manifestação com ciclistas na rua, sem agravar o estresse que já existe e que confronta motoristas e ciclistas.

Sou a favor da paz e penso que o movimento ambientalista não combina com guerra. Ele é muito criativo quando quer chamar atenção da opinião pública, da mídia, defendendo causas nobres e não consigo imaginar que a nossa estratégia seja outra, senão a de usar a criatividade, o bom senso, sem violência. IHU On-l_ine — Muitas pessoas alegam que é complicado se locomover de bicicleta em função da engenharia das cidades. O que poderia mudar nesse sentido? André Trigueiro – A engenharia de tráfico das cidades tem que mudar, temos que mudar o paradigma, o modelo.

Isso, em bom português, significa que os investimentos públicos em transporte de massa eficiente, barato e rápido devem ser superiores, devem suplantar os investimentos públicos que abrem caminho para o transporte individual. Um estudo feito recentemente por um pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IJFRJ) apontou que a maior ecentemente por um pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) apontou que a maior parte dos impostos pagos pelos brasileiros é aplicada na área de transporte, mas beneficiam o transporte individual.

Isso é um desajuste, um desacerto e é injusto, porque a maioria dos brasileiros não tem carro. Além disso, não se podem utilizar recursos públicos majoritariamente para abrir caminho para o transporte privado. É preciso promover nao apenas a possibilidade de a bicicleta interligar domicilio a trabalho, ou seja, criar corredores, fluxo de bicicleta, demarcar no asfalto ou na calçada o espaço da ciclovia, as ter uma sinalização eficiente, fiscalização presente, educação ostensiva para motoristas e ciclistas e punição severa e exemplar para quem não respeita as regras.

Na Europa, o motorista tem medo de “encostar” em ciclista porque sabe que é encrenca. No Brasil, o pedestre é soberano, ninguém pode encostar nele, mesmo que esteja atravessando a rua fora da faixa de segurança, ou esteja em uma situação de risco. É dever do motorista parar o carro. É fundamental entendermos que a bicicleta pode entrar como um elemento importante que interliga modais de transporte. A pessoa pode sair de casa usando a bicicleta, parar em uma grande estação de trem, de ônibus ou de metrô, onde haja bicicletário e, de lá, seguir para outros lugares da cidade. ? preciso investir em lugares referenciais, onde o fluxo de ciclistas eventualmente seja grande. Poderiam criar um banheiro público e cobrar R$l, RSI ,50, R$2 pela utilização. Os ciclistas poderiam tomar banho pagando uma taxa simbólica. Seria uma forma de facilitar a vid 40F ciclistas poderiam tomar banho pagando uma taxa simbólica. Seria uma forma de facilitar a vida deles. No metro, por exemplo, um vagão poderia ser destinado aos iclistas. Essas seriam alternativas para reduzir a emissão de C02, diminuir o ruído das cidades e melhorar a mobilidade urbana.

A frota nacional de veículos cresceu mais de 100% em uma década, quer dizer, é um crescimento em progressão geométrica e as artérias das cidades nao crescem na mesma proporção. Não existe mais hora do rush e isso significa perda de mobilidade. IHU On-l_ine — O senhor escreveu no Twitter que há quatro anos comprou uma bicicleta para ir à PUC-Rio lecionar e acabou desistindo em função dos riscos que corria. Refere-se ao desrespeito dos carros? Como foi essa experiência? André Trigueiro – Eu moro no bairro Laranjeiras e levo, de carro, cerca de dez minutos para chegar até a PUC, onde leciono.

Atravesso um túnel, onde nao é possível andar de bicicleta naturalmente. Quando opto por ir de bicicleta, faço um trajeto alternativo, saindo de Laranjeiras, pegando o bairro de Botafogo, Humaitá, Lagoa e Gávea, onde é a PUC. Parte desse percurso é coberto por ciclovia, outra parte não, justamente atravessando Laranjeiras e Botafogo. Nesse trecho, tenho que dividir a calçada e o asfalto com pedestres e motoristas. As pessoas não têm a cultura do respeito ao ciclista, specialmente se a via nao está demarcada. Senti-me exposto.

Apesar de reconhecer a Importância da bicicleta como modal de transporte, não posso ser irresponsável; tenho de priorizar a vida. Não adianta ter capacete, eventualmente uma roupa mais chamativa, fosforescente, aquela Ian adianta ter capacete, eventualmente uma roupa mais chamativa, fosforescente, aquela lanterninha piscando atrás do banco da bicicleta, pedal com olho de gato: a bicicleta é absolutamente frágil. Não se pode ter uma visão de que a bicicleta é maravilhosa, que todos devem usá-la, porque cada cidade tem a sua realidade. Além de usar a bicicleta, podemos procurar alternativas para reduzir as emissões de gases estufa.

A pecuária, por exemplo, é um dos maiores contribuintes para a emissão de gases estufa. Eu já reduzi drasticamente o consumo de carne. Procuro abrir espaço na universidade para esse debate, nas redes. IHU On-Line – Algumas pessoas alegam que preferem se locomover de carro porque o transporte público é ineficiente. Será só isso mesmo, ou no Brasil o uso do carro já faz parte da cultura brasileira? André Trigueiro – No Rio de Janeiro há um volume de investimento muito expressivo para preparar a cidade tanto para Copa do Mundo em 2014 quanto para as Olimpíadas de 2016.

O Rio de Janeiro tem uma oportunidade ímpar de promover, como nunca fez, o transporte público de massa. Há uma pressão enorme, o nivel de consciência da população é muito grande, ou muito maior do que já foi. A tendência é que esse nível de pressão e de consciência cresça e que os tomadores de decisão percebam, como já percebem, que não há alternativa: nao se consegue governar uma cidade colapsada na capacidade de promover o deslocamento das pessoas, as cidades são dinâmicas por vício de origem, as cidades são grandes formigueiros.

Então, têm que ter fluxos de movimentação livres. Estudos mostram que o deslocamento do centro da cidade até movimentação livres. um determinado da periferia demorava 20 minutos há 10 anos e, agora, demora 45 minutos. Nos próximos dez anos, faremos esse percurso em quanto tempo? Há um problema de gerenciamento, pois os mandatos de prefeitos e governadores são de quatro anos e as mudanças feitas não resolvem o problema. Respondendo objetivamente à pergunta, tem um pouco de tudo e cada região do Brasil tem a sua singularidade.

Via de regra, existe certo comodismo, além da publicidade enganosa, que ostra o carro em comercial de televisão sempre andando sem engarrafamento. O carro também está cada vez mais confortável, oferece kits de conveniência. Não é normal perder até quatro horas da vida em engarrafamentos, todos os dias. Mas a loucura do automóvel também é a de tentar emprestar sentido ? permanência no engarrafamento desde que seja em um carro Pop. Há uma Inversão de valores.

IHU On-l_ine — Segundo informações do Ipea, com a ascensão das classes C e D, deverá aumentar a aquisição de automóveis no país. O sonho de muitas pessoas é possuir um carro próprio. Como lidar com esse paradoxo: ascensão econômica x sustentabilidade? André Trigueiro — Em primeiro lugar, a multiplicação de carros no Brasil é uma bomba relógio ambiental de grandes proporções. O governo tem, nos impostos arrecadados, não apenas com a venda de automoveis, mas de todos os componentes, uma importantíssima fonte de arrecadação.

Certa vez foi feita uma conta: se fosse possível somar todas as montadoras de ve[culos do mundo e toda a receita auferida pelo setor automotivo e isso fosse transformado em um n veículos do mundo e toda a receita auferida pelo setor utomotivo e isso fosse transformado em um número, esse numero equivaleria ao sexto maior PIB do planeta, ou seja, em um ranking de países, o setor automotivo seria o sexto país mais rico do mundo. Outro ponto importante é que não se faz omelete sem quebras os ovos. É duro ter que dizer isso.

Preciso ter cuidado ao explicar isso para nao ter uma visão elitista, mas o fato é que não é possível todo o brasileiro ter carro, como não é possivel todo indiano, todo chinês ter carro. Simplesmente não dá, não é uma questão de justiça, é uma questão física. 83% dos brasileiros ivem em cidades segundo o IBGE. Se todos esses tiverem um carro, a vida se tornará absolutamente insustentável, intolerável. O estudo do Ipea indica que, possivelmente, o Brasil terá que replicar experiências que já acontecem em alguns países do mundo, que são restritivas ao automóvel.

Em Cingapura, as pessoas completam 18 anos e tiram a carteira de motorista se houver disponibilidade, pois o governo estabeleceu uma cota. Eles têm um número definido de licenças de motoristas. Uma medida possível talvez seja restringir o número de carteiras de habilitação, não é qualquer um que pode ser motorista, é só uem pode, e o governo vai dizer isso em termos estritamente numéricos, pois tem um limite, uma capacidade de suporte. Outra opção é sobretaxar o veículo, como fizemos com cigarros e bebidas. Na Califórnia, existem corredores, faixas de rolamento exclusivas para motoristas que estejam acompanhados.

A maioria das pessoas, no Brasil, andam sozinhas e não poderiam pegar a faixa seletiva. Toda a sobre taxa q Toda a sobre taxa que o governo poderá criar para o transporte individual deverá ser canalizada diretamente para o transporte público. Para onde vai o dinheiro do pedágio urbano de Londres? ara melhorias do transporte público de massa do cidadão londrino. Não tem desvio de dinheiro e isso faz a diferença. O motorista, em lugares onde a cidadania é valorizada, pode até ficar chateado por precisar ir ao centro de carro, já que está sempre pagando seu imposto.

Confesso a você que eu teria um cuidado maior na propaganda de automóveis, como se tem em relação à bebida. Quando encerra um comercial de bebida aparece a frase: “beba com moderação”. Poderíamos pensar o mesmo para a propaganda de veículos, uma mensagem que vá ao encontro do uso sustentável. Hoje em dia ter carro é muito diferente de 20, 30 anos atrás. Por isso, a publicidade tem de lembrar, a quem queira comprar carro, que é preciso ter cuidado, uma visão mais encorpada de mundo.

Além dessas possibilidades, penso que o principal seja aderir ? certificação energética, como se fosse um selo Procel, com letra A, B, C, D e E. A letra A representa o carro mais eficiente do ponto de vista do consumo do combustível. As montadoras tinham de ser obrigadas a terem prazos e metas de eficiência e de cinco em cinco anos, os carros deveriam superar a eficiência. IHU On-Line – O curioso é que essas montadoras são raticamente as mesmas, aqui e lá fora, e lá elas têm um padrão de automóvel que não polui ou polui menos.

André Trigueiro – Porque lá fora há regulação, aqui não. Não podemos ser nocentes, polui menos. podemos ser inocentes, quer dizer, no Brasil a tributação do setor automotivo é importante, pois gera contribuição fiscal, do setor automotivo, dos componentes, autopeças, lubrificantes, combustíveis. Se fizermos a conta, isso dá um lastro para as contas públicas. Não por acaso, o presidente da República, quando o mundo estava deprimido economicamente, aconselhou o brasileiro a comprar tudo. Essa situação ajudou o Brasil a não sofrer tanto.

Contudo, manter esse período de consumo é perigoso, temerário, porque não é sustentável. Não dá para imaginar essa progressão geométrica do crescimento das vendas de veículos nas ruas e avenidas de um pais onde 83% dos brasileiros vivem em cidades. Todas as pessoas têm direito a ter carro se assim desejarem, só que o mundo mudou e para pior em relação à mobilidade. O carro é o grande vilão. IHU On-l_ine — Em que consistiria um sistema integrado e inteligente de transporte? André Trigueiro – Através de um bom mapeamento dos ercursos, dos trajetos, corredores de deslocamentos na cidade. ? preciso entender como a população está distribuída e onde há maior demanda de deslocamento. Segundo, um planejamento em resposta ao diagnóstico, ou seja, como melhorar os meios de transporte onde eles se fazem mais necessários. Penso que o ideal é priorizar, sempre, o transporte público de massa. O que é transporte público de massa? Não é ônibus, é metrô, trem, barca. Os modais de transporte precisam aparecer em um grande mapa que esteja na sala do gestor público, para que ele visualize a deficiência de transporte em determin 0 DF 11

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