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Esporte e sociedade ano 3, n. 9, jul. 200wout. 2008 A copa do Mundo de 1958 e os discursos raciais Silva A Copa do Mundo de 1958 e os discursos raciais: o caso pelél Ana Paula da Silva Recebimentomprovaçao: Artigo recebido em junho de 2008 e aprovado para publicação em julho de 2008 Resumo: Este artigo tem como objetivo mapear os discursos raciais na década de 50, particularmente, no ano da Copa de 1958 para entender quais as principais idéias em voga no momento em que Edson Arantes d astro nacional e inter suas declarações sob as Inscritas nos discurso acadêmicos e os mo rgiu como grande Argumento que 28
Brasil estão 0 pelos os meios a. Seu ascetismo profissional e sua crença no individuo como um valor positivo cultivado desde os tempos de juvenil na cidade de Bauru, interior paulista, foi reforçado pelos os discursos raciais dos anos 50, e, deu-lhe a certeza que as discriminações que pudesse encontrar por ser negro e de familia pobre, era possível de serem vencidas, por uma postura disciplinada e profissional.
Atualmente, tais idéias têm sido combatidas por alguns setores dos movimentos negros que argumentam ser as desigualdades entre bancos e negros intransponíveis, mesmo que os negros sejam ascéticos. Pelé, contudo, não mudou sua posição sobre o problema da discriminação do negro, este ainda acredita no profissionalismo e disciplina como saída possível para combater as desigualdades.
Palavras-chave: -lal Studia to vien Palavras-chave: Copa de 1958, Pelé, discursos raciais, movimentos negros, intelectuais. Abstract: The objective of the present article is to map out the racial discourses of the 1950s, particularly as these pertain to the 1958 Football World’s Cup, in order to better understand the main ideas about trace which were in vogue at the time when Edson Arantes do Nascimento (Pelé) became (inter)nationally famous as great sports star.
Here, argue that Pelé’s declarations regarding race and race relations in Brazil are informed by the discourses that were prevalent among academics and Brazil’s black activists during the 1950s. Pelé’s professional asceticism and his belief in individualism, cultivated during his youth in the city of Bauru, were further reinforced by the racial discourses ofthe ’50s. These views led him to believe that any discrimination which he might encounter due to his color and class could be overcome with a disciplined and professional attitude.
Today, th•s sort of ascetic iew of the world has been accused by certain segments of Brazil’s black movements as being insufficient to overcome the supposedly irresolvable inequalities which exist between Brazil’s black and white populations. Pelé, however, has not changed his position regarding anti-black discrimination, choosing to continue to salient professionalism and discipline as two formidable tools in the fight against racially-based discrimination and inequality. Key words: 1958 World’s Cup, Pelé, racial discourse, black movements, intellectuals.
Esporte e Sociedade ano 3, n. 9, Jul. 2008/0ut. 2008 A Copa do Mundo de 1958 e os 28 Sociedade ano 3, n. , Jul. 2008/Out. 2008 A Copa do Mundo de 1958 e os discursos raciais Silva 1- Introdução. Eu perguntava para o Zózimo e para o Didi: ‘Poxa, porque não tem negro nos outros times? Eu achava aquilo curioso, pois para mim era normal ver negros e brancos jogando futebol juntos aqui no Brasil. Hoje em dia, em praticamente todos os times do mundo, há negros. Aquela seleção também foi importante por Isso também. ara mostrar que brancos e negros podem conviver juntos normalmente – afirma. (Pelé, 2008)2 A frase proferida por Pelé em uma das inúmeras reportagens sobre a Copa de 1958, parece soar estranha nos dias de hoje, pois os dias atuais a luta de alguns setores dos movimentos negros é o de buscar demonstrar as desigualdades entre brancos e negros e que, portanto, tais desigualdades causaram profundos danos à população “afro-brasileira” no que condiz às oportunidades no seio da sociedade.
O projeto de ações afirmativas para as universidades é prova do pensamento atual destes movimentos negros. As declarações de Pelé sobre o que é ser negro sempre reverberaram de forma negativa em alguns setores dos movimentos negros, particularmente, estes que atualmente são favoráveis às chamadas “cotas raciais” que o acusavam de ão reconhecer que os negros não eram considerados cidadãos plenos na sociedade brasileira.
Pelé afirmou constantemente que o preconceito não é apenas com os negros, mas também de classe. Segundo o ex-atleta, os pobres no Brasil sofrem, tanto quanto, os negros. 3 Portanto, houve sempre um embate en ex-atleta, os pobres no Brasil sofrem, tanto quanto, os negros. 3 Portanto, houve sempre um embate entre suas declarações e alguns movimentos negros, principalmente a partir de meados dos anos 70 em que houve um ressurgimento e novos direcionamentos nestes movimentos que culminaram nas políticas atuais.
Neste sentido, cabe a pergunta: será que este embate entre Pelé e os movimentos negros em relação aos discursos raciais foram presentes desde o seu surgimento como Esporte e ídolo de futebol mundial a partir da Copa de 1 958? É esta questão que este artigo tem o objetivo de discutir: mapear os discursos raciais nos anos 50 nos meios acadêmicos e também em parte dos movimentos negros e demonstrar como a frase na epigrafe deste artigo tem fundamentos no contexto dos anos 50.
Este artigo discute a trajetória de Pelé até a sua chegada a seleção de 1958 e como os discursos raciais proferidos neste eríodo reforçaram a sua certeza de que a melhor maneira de lutar contra o preconceito é a crença no individuo competente, capaz e ascético profissionalmente. 2. Os discursos raciais na Copa de 1958. Os discursos raciais dos anos 50 não escaparam aos debates sobre o aprofundamento da industrialização na sociedade brasileira e, consequentemente, da entrada do Brasil ao hall dos países do Primeiro Mundo.
Não pretendo aqui remontar todo o debate dessa época, mas apontar as principais tendências. Segundo Fabiano Dias Monteiro (2003), que analisou a experiência do disque-racismo no Rio de Janeiro em Retratos em 4 28 Monteiro (2003), que analisou a experiência do disque-racismo no Rio de Janeiro em Retratos em branco e preto, retratos sem nenhuma cor: a experiência do disque-racismo da Secretaria de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro, os anos 50 foram importantes nas discussões sobre raça na sociedade brasileira.
Já em 1951 era aprovada a Lei Afonso Arinos, que coibia ações discriminatórias contra os negros. Também no início dessa década foi iniciado o projeto Unesco que, de acordo com Marcos Chor Maio (2004) em Demandas globais, respostas locais: a experiência da Unesco na periferia no pós-guerra, significou, em inhas gerais, um conjunto de estudos sobre as relações raciais no Brasil realizados por uma gama de pesquisadores de diversas áreas do conhecimento. Tais pesquisas foram impulsionadas Esporte e Sociedade ano 3, n. , Jul. 2008/Out. 2008 A Copa do pelos acontecimentos e em consequência dos discursos sobre a “pureza da raça” que eclodiram durante a Segunda Guerra Mundial e que provocaram a ascensão do nazismo e do fascismo na Europa. Para Marcos Chor Maio (idem), o Brasil foi visto, neste sentido, como um exemplo a ser seguido, por não viver as experiências de conflitos raciais presentes no cenário europeu. Portanto, tais estudos tinham como principal objetivo entender como isto se dava no Brasil.
Paralelamente, outro grupo importante consolidou-se através das discussões sobre raça no Brasil; era representado pelo sociólogo Alberto Guerreiro Ramos, militante de uma das vertentes dos movimentos negros na época. Junto com ele estava o artista p uma das vertentes dos movimentos negros na época. Junto com ele estava o artista plástico Abdias do Nascimento, fundador do Teatro Experimental do Negro (TEN), que tinha como um dos seus objetivos a criação de uma elite negra pensante que udesse acompanhar o processo industrial brasileiro, conforme as palavras de Fabiano Dias Monteiro (ibidem).
Além de militante, Guerreiro Ramos fez parte do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB) que, segundo caio Navarro de Toledo (2005) em Intelectuais e politica no Brasil: a experiência do ISEB, representou a reunião de intelectuais, em sua maioria não-acadêmicos, de diferentes correntes de pensamento, voltados a encontrar soluções para os problemas brasileiros. Este instituto estava atrelado às políticas de Estado e, apesar de certa independência sobre o que pensar em relação ao poder estatal, não fugia dos deais do “nacional-desenvolvimentismo” pregado pelo governo.
Para Fabiano Dias Monteiro (ibidem), as pesquisas do Projeto Unesco e os estudos de Guerreiro Ramos apontaram para idéias diversas do modo de pensar o problema do negro por estes intelectuais. Os pesquisadores ligados direta e indiretamente ao Projeto Unesco, e influenciados por seus estudos nos anos 50, atestaram que a sociedade brasileira produzia desigualdades entre bancos e negros, Esporte e Sociedade ano 3, n. 9, Jul. 2008/ Out. 008 A Copa do Mundo de 1958 e os discursos raciais Silva aprofundadas pelo processo de industrialização em curso no aís. Consequentemente, a precária instalação das relações de classe colocava o negro em desvantagem diante do branco. Já Guerreiro Ramos, segundo 6 das relações de classe colocava o negro em desvantagem diante do branco. Já Guerreiro Ramos, segundo o autor, enxergava a diminuição das desigualdades entre negros e brancos a partir da construção de uma “identidade negra” fortalecida.
Por esta razão, o Teatro Experimental do Negro (TEN) tinha papel importante nessa empreitada, pois proporcionaria a auto-estima aos negros e produziria uma visão positivada a seu respeito no imaginário social. O TEN possuía esta função, ou seja, criar a consciência das desigualdades entre brancos e negros e fortalecer a identidade negra no imaginário social através das técnicas do psicodrama e da psicologia social, instrumentos estes capazes de valorizar uma identidade negra.
Transcrevo a seguir trechos da aula inaugural de Guerreiro Ramos quando da abertura das sessões de grupoterapia do TEN, publicada no jornal Quilomb04 em 1950: [… ] A psicanálise representa o in[cio da fase científica da sociatria. Entretanto, a deformação profissional do seu criador o induziu a erros graves, o principal dos quais é a confusão ntre o biológico e o social, confusão que só recentemente foi inteiramente desfeita e especialmente graças aos esforços do médico e sociólogo austríaco Jacob Moreno, criador da sociometria.
Quando Auguste Comte disse que os mortos dirigem cada vez mais os vivos, pôs o dedo nesse problema da automutilação que cada homem se impõe a fim de encaixar-se no sistema social. A educação é em boa parte um treinamento que objetiva “reduzir a independência e a liberdade do indivíduo até o nível necessário à existência social”. Reiner Maria Riker disse que ela cons individuo até o nível necessário à existência social”. Reiner Maria Riker disse que ela consiste em substituir os dons por lugares comuns.
Nestas condições cada ser humano socialmente ajustado, por mais perfeita que seja a sociedade em que se encontre, é vitima de um déficit de espontaneidade. Na verdade o homem é um Esporte e Sociedade ano 3, n. 9, Jul. 2008/Out. 2008 A Copa do Mundo de 1958 e os discursos raciais Silva grande consumidor de “conservas naturais”. Quase todo o seu comportamento é uma reprodução de moldes ou respostas conservadas de moldes ou respostas que ele não elaborou livremente, que lhe foram negados pelos mortos, como insinuava Auguste Comte. [… A investigação da patologia da normalidade ou da “conserva cultural”, como quer J. L. Moreno, indica a necessidade de descobrir um processo que torne possível a integração social do homem com o mínimo possível de economia de sua espontaneidade, e ainda, naqueles que a perderam. [… ] A grupoterapia lança suas raízes nesta tradição. Ela é a cultura da espontaneidade, um processo sociológico de purgação de conservas culturais (:6). Para se entender melhor o que Guerreiro Ramos argumenta em sua aula inaugural, é preciso remeter ao artigo de Marcos
Chor Maio (1995) em “A questão racial em Guerreiro Ramos”, no qual o autor indicou que o TEN tinha como um dos seus objetivos principais construir uma positivação da imagem do negro na sociedade e, portanto, “purgar as conservas culturais” era a possibilidade de se edificar uma nova consciência e a valorização de uma identidade negra que há muito era vista como negativa e inferior no imaginário s valorização de uma identidade negra que há muito era vista como negativa e inferior no imaginário social. Segundo Fabiano Dias Monteiro (opus cit. , este discurso racial entrou em confronto com o mainstream da intelectualidade rasileira da época que, em sua maioria, acreditava na miscigenação racial como uma saída para os possíveis problemas inerentes ao “tipo nacional”. Segundo o autor, naquele momento surgiram no campo intelectual e político os discursos “pró- negro” e a intensificação do que Monteiro definiu como a “cisão racial”, a noção de que existia uma diferença intransponível entre brancos e negros. Tais discursos iriam aprofundar-se na década de 70. Farei uma discussão mais detalhada deste tema no quinto capitulo. Esporte e Sociedade ano 3, n. , Jul. 2008/Out. 2008 A Copa do Mundo de 1958 e os discursos raciais Silva Por outro lado, sociólogos como Florestan Fernandes e Luiz de Aguiar Costa Pinto, segundo Monteiro (idem), intelectuais com os quais Guerreiro Ramos colidiu frontalmente por acreditar que eles construíam o negro como um problema que deveria desaparecer da vida social brasileira, ao analisarem a discriminação racial existente no país como temporária, pois à medida que este elemento fosse Inserido no processo de industrialização da sociedade brasileira, ele seria plenamente incorporado ao sistema social brasileiro.
Para estes intelectuais, o preconceito racial estava ligado às novas tendências do mercado partir da industrialização da sociedade, e a incorporação dos não-brancos dependia de uma reorganização das elites brasileiras aos ajustes que a industrialização produziria na or dependia de uma reorganização das elites brasileiras aos ajustes que a industrialização produziria na ordenação da nova sociedade.
Desde então, a noção de classe seria aquela de fato importante na forma como a sociedade deveria se organizar, e não a que se baseava nos modos tradicionais de manutenção do poder. Guerreiro Ramos argumentava que as explicações de Costa Pinto e Florestan Fernandes estavam pautadas na noção de que negro era tido como um problema que deveria ser extirpado da sociedade, o que gerou conflitos.
Lucia Lippi Oliveira (1995), em A Sociologia do Guerreiro Ramos, afirmou que o sociólogo em questão se dizia mais próximo às idéias de Oliveira Vianna e Nina Rodrigues em relação às condições especificas do negro do que às idéias de Gilberto Freyre, por exemplo. O intelectual pernambucano formulava o discurso da não-diferença do negro, portanto, sua incorporação dar-se-ia a partir dos processos culturais da sociedade. Estas eram as tendências dos discursos raciais nos anos 50.
Enquanto os discursos raciais das primeiras décadas – como descrevi no capítulo anterior – eram pautados numa discussão marcante das origens e da formação do “tipo nacional”, os anos 50 produziram um aprofundamento de tais questões, pois a intensificação da industrialização no Brasil gerou exposições que evidenciavam as diferenças e as Esporte e Sociedade ano 3, n. 9, Jul. 2008/Out. 2008 A Copa do Mundo de 1958 e os discursos raciais Silva desigualdades entre brancos e negros. Dessa forma, era preciso pensar saídas possíveis para a inserção desse “tipo nacional”. O fim da Segunda Grande Guerra e 0 DF 28