Iso 14001 – um balanço da implementação de sistemas de gestão ambiental no brasil

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Economia de Empresas SISTEMAS DE GERENCIAMENTO AMBIENTAL, TECNOLOGIA LIMPA E CONSUMIDOR VERDE: a delicada relação empresa—meio ambiente no ecocapitalismo Philippe Pomier Layrargues Biólogo, Especialista em Educação e Planejamento Ambiental pela UFF, Comunidades e Ecol gia de Doutorando em Ciên s S’ Sv. içx to neZ*ge E-mail: layrargues@a RESUMO O texto sustenta o argumento de que a ISO 14000 não resolverá a complexa problemática ambiental brasileira.

Postulamos aqui que a sua incorporação na empresa não representa ainda uma mudança paradigmática em direção à sustentabilidade, as sim uma mudança da cultura empresarial provocada mais pelas transformações politico-econômicas mundiais do que por uma possível conscientização ambiental. Apesar de a tecnologia limpa ser apontada como a maior vantagem competitiva contemporânea no atual cenário de desregulamentação governamental, seu alcance ainda é limitado devido à sua intrínseca dependência da demanda de um significativo mercado verde.

ABSTRACT still limited to its intrinsic dependence on the demand of a significant green market. PALAVRAS-CHAVE Ambientalismo, ideologia, mercado, consumidor verde, tecnologia impa. WORDS Environmentalism, ideology, market, green consumer, Clean technology. 80 RAE – Revista de Administração de Empresas • Abr. /Jun. 2000 RAE • Paulo, •v. n. 2 n. 2 • p. 80-88 São v. 40 40 Abr. /Jun. 000 Sistemas de gerenciamento ambiental, tecnologia limpa e consumidor verde O AMBIENTALISMO E O QUESTIONAMENTO DA SOCIEDADE INDUSTRIAL DE CONSUMO O ambientalismo, movimento histórico originado a partir do recente reconhecimento dos assustadores efeitos negativos da intervenção antrópica na biosfera, em sua crítica ao modelo civilizatório ocidental, reprovou os paradigmas orteadores da sociedade industrializada de consumo.

Como alternativa, propôs que se efetuasse uma alteração no rumo das coisas, objetivando a elaboração dos pilares de uma nova era, pautada a partir de agora não mais no esgotamento da natureza mas na sustentabilidade a PAGF 93 continuidade da vida e mudar de rumo do que arriscar-se numa tarefa suicida.

Isso quer dizer que o modelo de desenvolvimento convencional – pautado no mercado como instância reguladora da vida social, em que a política de desenvolvimento cientifico-tecnológico ocorre sobretudo em função da demanda do mercado em aximizar o lucro — conduz-nos velozmente em direção ao precipício, ao mesmo tempo em que advoga que este mesmo padrão tecnológico convencional que nos colocou nessa situação será capaz de encontrar as soluções. ostula que sairemos da crise acentuando aquilo que nos trouxe a ela, apesar de o bom senso dizer que é mais prudente alterar todo o estado das coisas presentes na doutrina da economia neoclássica. O físico Fritjof Capra (1982) foi quem melhor traduziu o significado dessa proposta de transformação, ao postular a proximidade de a humanidade atingir um ponto de utação, no qual as forças competitivas cedenam lugar às forças cooperativas, o individualismo seria substituído pelo coletivismo, a visão de mundo reducionista cederia vez à sistêmica e o curto prazo seria suplantado pelo longo prazo.

Desencadeada por uma marcante presença de valores pós-materialistas, numa clara ruptura com a ordem instituída, a idéia básica que norteia o pensamento ambientalista original, intitulado de ambientalismo radical, incide na proposição da alteração de paradigmas, deslocando o eixo da racionalidade econômica para a A IDÉIA BÁSICA QUE NORTEIA O

PENSAMENTO AMBIENTALISTA ORIGINAL INCIDE NA PRO qual o mercado deixaria de ser considerado como a única e majoritária instância reguladora da sociedade e determinante da economia, cedendo espaço crescentemente à natureza, com seus princípios ecológicos para cumprir essa função em igualdade de condições. Em outras palavras: as leis da natureza encontrariam espaço na imposição de normas sociais na mesma medida em que as leis do mercado impõem as suas regras.

Com a superação do antagonismo verificado na relação entre desenvolvimento e proteção ambiental, teríamos assim a ubstituição do confronto pela compatibilização dos interesses entre economia e ecologia. SURGE O AMBIENTALISMO EMPRESARIAL E, então, o século XX, marcado na história da humanidade pela iminência de abrigar a maior catástrofe ecológica de origem antropogênica, parece ter chegado, no limiar do século XXI, a uma grande solução de seus problemas.

O ambientalismo empresarial, sobressaindo-se desde o início da década de 90 na comunidade ambientalista como o promotor do desenvolvimento sustentável, apresenta o que finalmente parece ser a solução do impasse ecológico: a ISO 4000, o grande avanço em direção ? produção industrial limpa e, conseqüentemente, ao 02 • 40 n. 2 • Abr. /jun. 2000 RAE000,v. RAE Revista de Administração de Empresas / EAESP / FGV, sao Paulo, Brasil. 81 equacionamento da problemática industrial relativa ao ambiente.

Parece que a indústria ent os eixos. 93 considerava a relação entre proteção ambiental e desenvolvimento como absolutamente antagônica, uma parte do setor empresarial assumiu uma postura proativa e inseriu-se na comunidade ambientalista em meados da década de 80 como um dos seus membros mais xpressivos, ganhando destaque no inicio da década de 90. Defensor incansável do modelo de desenvolvimento sustentável, advoga a total complementaridade entre a proteção ambiental e o desenvolvimento (Viola, 1992).

Acusado pelo ambientalismo radical num recente passado de ser irresponsável para com o meio ambiente por não adotar qualquer mecanismo de prevenção da poluição e dos possíveis acidentes ambientais, conhecido por todos como o vilão da ecologia, pois só assumia os constrangimentos ambientais compulsoriamente por imposição da legislação ambiental, hoje o setor empresarial possui membros onsiderados como os amigos do verde, dotados de elevado grau de responsabilidade ambiental, cuja adesão ao pacto ecológico ocorre de uma forma sobretudo voluntária, apontada por muitos como fruto do aumento da consciência ambiental (Souza, 1993; Tankersley, 1994; Fortes, 1992; Donaire, 1994; Maimon, 1992). Coerentemente apresentado, o discurso empresarial verde anuncia uma mudança do rumo proposto em relação ao estilo de desenvolvimento convencional, contornando a omissão das empresas num recente passado extremamente poluidor.

Sensibilizadas com a questão ambiental sinalizando o inicio de um processo de transição ideológica, teriam agregado os princípios ecológicos ao modus operandi da produção industrial, marcando o início de uma nova fase, baseada nos critérios da sustentabilidade ambiental. O Sistema de Gerenciamento Ambiental (SGA) implantado nas empresas torna-se, s 3 sustentabilidade ambiental. O Sistema de Gerenciamento Ambiental (SGA) implantado nas empresas torna-se, a partir de agora, o elemento-chave responsável pela adequação dos interesses empresariais privados ? manutenção da qualidade ambiental coletiva e permitirá um ignificativo avanço na relação entre empresa e meio ambiente.

O SGA representa a estratégia empresarial para a identificação, por meio de planos e programas de caráter preventivo, das possíveis melhorias a serem realizadas com o intuito de conciliar definitivamente a lucratividade em82 presanal com a proteção ambiental, versando tanto nos produtos como nos processos industriais. De mãos dadas com a criação do mercado verde, o estabelecimento de normas ambientais internacionais visa a homogeneizar conceitos, padrões e procedimentos industriais relativos ? questão ambiental, tendo em ista que, atualmente, o cenário comercial, além de globalizado e altamente competitivo, abriga empresas que abusam na autoconcessão de selos verdes, que nada mais são do que rótulos nas embalagens atestando qualidades ambientais muitas vezes questionáveis, iludindo o consumidor por meio de estratégias escusas de m arketing ecológico (Reis, 1995; Hurtado, 1996/7; Weiss, 1997).

Nesse contexto, a abertura dos mercados pela globalização da economa acaba por exigir a criação da ISO 14000, mecanismo capaz de atuar como um fator regulador da competição, normatizador das ráticas de marketing e limitador das barreiras comerciais no mercado. freqüentemente exige a concomitante instalação de tecnologias limpas, e, como estas se configuram no instrumento privilegiado de competitividade empresarial, ocorrerá naturalmente – independentemente da coerção governamental por meio de instrumentos de controle da poluição tradicionais – uma paulatina adesão empresarial para efeitos de incremento de competitividade, até que todas as empresas completem a transição em direção ? sustentabilidade.

Há um elevado nível de otimismo perante as expectativas do SGA onsiderando que, apesar do caráter voluntário, virtualmente, todas as corporações empresariais de qualquer porte serão envolvidas nesse processo, simplesmente por se considerar a tecnologia limpa como a vantagem competitiva no cenário comercial contemporâneo. Vários autores (Reis, 1995; Maimon, 1996; gadue, Maimon e Singer, 1996; MiRAE • v. 40 • n. 2 • Abr. / jun. 2000 neiro, 1996; Nahuz, 1995; D’Avignon, 1994) afirmam que o componente ambiental chegou para ficar e que a empresa moderna, indistintamente de seu porte, estrutura ou setor, tem de adaptar-se aplicando os princípios de erenciamento ambiental para não perder espaço na competitividade empresarial. Caso contrário, a saida do mercado ou a própria falência parece ser o destino mais provável para quem ficar de fora do processo. Uma nota divulgada no periódico Senac e Educação Ambiental (Senac 1 996 . 3) afirma que: “de acordo co cnico 207, a certificação PAGF 7 93 exigências do sistema de qualidade ambiental, já que elas serão determinantes na competitividade dos produtos e serviços nacionais no mercado mundial. ” Como consequência da sedutora potencialidade de a ISO 14000 transformar-se no elemento da antagem competitiva atual, vários manuais têm sido produzidos com o intuito de divulgar amplamente os princ[pios do gerenciamento ambiental (Maimon, 1996; Reis, 1995; Cajazeira, 1997; Do Valle, 1997; Jóhr, 1994; 1994; Binet e LiVi0, 1993; Elkington, 1991 Nessa perspectiva, a poluição industrial, com todas as suas mazelas, teria, a partir de agora, seus dias contados.

Simpatizantes da causa ecológica, ambientalistas em geral e consumidores verdes em particular, todos saúdam essa iniciativa e, aliviados, respiram esperançosos com a proximidade da resolução da crise ambiental no âmbito industrial. MUDANÇAS QUE CONFUNDEM: POR UMA NOVA INTERPRETAÇAO DE COMO E POR QUE SURGIU O AMBIENTALISMO EMPRESARIAL Diz um ditado popular que as aparências enganam, pois o hábito não faz o monge. Portanto, deixando de lado as aparências e mergulhando na essência da questão, vislumbramos a face oculta da ISO 14000, em sua apologia retórica, que advoga o nascimento de uma nova era. É necessário, então, esclarecer algumas questões mal colocadas quando se afirma que estamos presenciando um período de mudança paradigmática. RAE v. 40. n. 2 Abr. /Jun. 2000 PAGF 8 3 transformação paradigmática. ?? verdade que ocorreu um grande avanço em relação à cultura empresarial típica da década de 70; todavia, esse argumento não se encerra em si só e muito menos pode ser apresentado como uma meta cumprida, cujo objetivo COM A ISO 14000, O CONTROLE AMBIENTAL PASSA PARA O ÂMBITO DA SOCIEDADE, QUE TERIA NO CONSUMIDOR VERDE O EFEITO REGULADOR DA MAO INVISIVEL FUNCIONANDO POR MEIO DA LEI DA OFERTA E PROCURA. tenha sido plenamente atingido. A incorporação do constrangimento ambiental na indústria por meio da ISO 14000 representa uma etapa de um longo processo que caminha em direção a uma era de As palavras que vêm sendo utilizadas para verbalizar a dinâmica das transformações que ocorrem na questão ambiental são carregadas de cargas ideológicas indissociadas das estruturas ideológicas de quem as formula.

Por exemplo, o próprio titulo do livro considerado a biblia do ambientalismo empresarial, M udando o rumo (Schmidheiny, 1992), sugere que, na metáfora utilizada por Soffiati, o veiculo que segue em direção ao precipício teria alterado a sua rota de colisão. É a partir dessa simples enunciação que ocorre a manipulação discursiva cujo intuito reside na inculação da reestruturação empresarial em função da nova realidade econômica – fenômeno extremamente bem esclarecido por Peter Drucker (1993) – aos princípios enunciados pelo ambientalismo radical. Uma análise de conjuntura sistêmica enfocando tanto a relação usualment a respeito para a constatação de que a incorporação da variável ambiental nas empresas par83 tiu sobretudo de uma sensibilização econômica, e não ecológica, como vem sendo comumente apontado.

Essa percepção já sinaliza que tal óptica não corresponde propriamente a um processo de transformação paradigmática, ou seja, uma transição deológica da racionalidade econômica para a ecológica (Layrargues, 1996). O pano de fundo dessa questão advoga que o setor empresarial vem promovendo uma mudança desde o início da década de 90, quando assumiu uma atitude positiva para com o meio ambiente, mas não mais compulsoriamente, por causa da rigidez da legislação ambiental, e sim voluntariamente, por vislumbrar oportunidades de negócio, ao agregar a variável ambiental na dimensão empresarial. Da postura reativa, passou para a atitude proativa.

E, assim, antecipar-se à legislação ambiental não significaria mais apenas manter ações reventivas para evitar acidentes e riscos ambientais, mas sobretudo obter uma vantagem competitiva no mercado, localizada na variavel ecológica. Percebeu-se que o que era considerado um dejeto poderia muitas vezes tornar-se um recurso e, nesse sentido, o primeiro passo em direção à sustentabilidade correspondeu ? economia de recursos naturais e energéticos, diminuindo, como consequência, o desperdício e a poluição. Em paralelo, no bojo das alterações, o setor empresarial – representado sobretudo pelas transnacionais – procura promover mudanças no arranjo institucional interno, em q ovotista

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