Mente e comportamento

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ISSN OI 04-4443 Licenciado sob uma Licenзa Creative Commons Mente e comportamento Mind and behavior Joгo de Fernandes Teixeira Doutorado (PhD) em titular do Departame 1 Filosofia da Universid e p Carlos, SP – Brasil, e- jteixe@terra. com. br Resumo of Essex, professor os (UFSCar), Sгo O artigo analisa a concepзгo de comportamento na psicologia. Duas concepзхes de comportamento sгo apresentadas, a primeira segundo o behaviorismo metodolуgico (Watson) e a segunda na concepзгo desenvolvida pelo behaviorismo radical (Skinner).

Apontamos para a existкncia de uma grande diferenзa entre essas duas oncepзхes. Apontamos tambйm para uma nova possibilidade de compreensгo da Skinner’ s behaviorism is brought to light in his mature text of 1988. According to such a view behavior is mainly interpretation and not observable physical/muscular motion. This is a new view to radical behaviorism, one that distinguishes it from our folk psychological conception of behavior, which is also the conception implicit in methodological behaviorism. Keywords: Behavior. Skinner. Watson. Methodological behaviorism.

Radical behaviorism. Pode parecer estranho contribuir para uma ediзгo especial desta evista, dedicada а filosofia da mente, com um artigo sobre a noзгo de comportamento e nele discutir teorias behavioristas. Falar de comportamento nгo estб na moda. Esse tema pouco integra a pauta da filosofia da mente dos sйculos XX e XXI. Poucas filosofias da mente, como й o caso da de Dennett ([1 978] 1 999), fazem alguma referкncia explнcita ao comportamento. Mesmo assim, ele sу aparece colateralmente na sua teoria dos sistemas intencionais, pois Dennett rejeita todos os tipos de behaviorismo.

A desapariзгo de uma reflexгo sobre a natureza do comportamento e deve, em grande parte, а ascensгo do cognitivismo, que, segundo alguns, se fez por contraposiзгo aos behaviorismos, Jб exaustos a partir dos anos 1960. Nгo fosse pelo aparecimento da neurociкncia cognitiva na dйcada 21 mesmo tempo, algo que se apresenta como extremamente intuitivo e trivial. A ideia cotidiana derivada da psicologia popular (folk psychology) e tambйm adotada por alguns behavioristas metodolуgicos й que o comportamento pode ser identificado com movimento muscular observбvel.

Rev. Filos. , Aurora, Curitiba, v. 22, n. 30, p. 27-40, jan. /jun. 2010 29 Certamente, nгo й esse o conceito de comportamento que encontramos na obra de Skinner. Ele rompe com a visгo filosoficamente ingкnua que o concebe como movimento muscular observбvel e que era tнpica do behaviorismo metodolуgico, ou seja, do behaviorismo de Watson. Da perspectiva de Watson, o comportamento observбvel deveria ser o ponto de partida e o caminho privilegiado para o estudo da mente.

Watson define o comportamento em termos de estнmulos e respostas; as leis para a regulaзгo do comportamento sгo as leis de “ajustamento”, que ele conceitualizou como relaзхes entre respostas e estнmulos. Uma resposta abrange atos definidos em termos de categorias de aзгo (por exemplo: conversar, nadar) ou de aзгo dirigida a um fim, como ocorre quando se escreve uma carta. O mental nгo й observбvel, nem tampouco detectбvel, e, por isso, ele nгo poderia participar da ciкncia, a nгo ser indiretamente. A soluзгo dada por Watson para esse problema foi ex do discurso da psicologia experimental da ciкncia natural.

A sua finalidade teуrica й a prev. sao e o controle do comportamento. A introspecзгo nгo constitui parte essencial dos seus mйtodos e o valor cient[fico dos seus dados гo depende do fato de se prestarem a uma fбcil interpretaзгo em termos de consciкncia (WATSON, 1913a, p. 158). Й preciso notar que, com tais declaraзхes, o behaviorismo metodolуgico acaba, paradoxalmente, abraзando uma visгo cartesiana. A exclusгo do mental separa radicalmente mente e corpo tanto quanto Descartes o fez. O mental nгo pode ser objeto de ciкncia. ? psicologia sу restaria falar do corpo, por ser ele a entidade observбvel que se movimenta. No seu manifesto, Watson (1913a) afirma que o comportamento humano possui, essencialmente, as mesmas caracterнsticas do omportamento de outros animais. Consequentemente, ambos poderiam ser estudados utilizando os mesmos mйtodos de investigaзгo. No entanto, o autor faz uma ressalva, ao reconhecer o importante papel da linguagem no estudo da percepзгo, e admite que os mйtodos por ele propostos poderiam ser insuficientes ao estudo de “formas mais complexas do comportamento, como a imaginaзгo (WATSON, 1913b, p. 73). De qualquer forma, continuou sustentando a afirmaзгo de que os processos responsбveis pelos hбbitos explнcitos sгo tambйm 30 4 21 efetivo, por exemplo, poderia ser visto como a daptaзгo de respostas privadas da laringe а demanda crescente da estimulaзгo ambiental. Contudo, as concepзхes do behaviorismo metodolуgico revelaramse Insuficientes para explicar comportamentos complexos como os dos seres humanos. Nem todos os comportamentos podiam ser descritos como resultando de uma trajetуria direta entre estнmulo e resposta, como queria Watson.

Havia comportamentos que nгo eram produzidos por estнmulos observбveis. E havia tambйm os comportamentos improvisados, cuja explicaзгo tambйm constituнa um grande problema para esse tipo de behaviorismo. As criticas mais contundentes ao behaviorismo metodolуgico vieram da filosofia. Foi Gilbert Ryle quem desfechou o ataque mais notбvel ao behaviorismo em geral. Ele nгo distinguia entre behaviorismo metodolуgico e radical, tomando-os como um bloco monolнtico.

Embora tenha sido contemporвneo de Skinner e um filуsofo da mente notбvel para sua йpoca, nгo parece ter havido contato entre os dois. Em sua obra The Concept of Mind, publicada em 1 949, Skinner й mencionado apenas uma vez. Ryle afirmava que, por critйrios behavioristas, nao podemos distinguir quando um palhaзo cai por acaso ou de propуsito. No ensaio The thinking of thoughts: what is ‘le penseur’ doing? ([1968]2009) ele descreve uma situaзгo peculiar. Ryle considera a situaзгo hipotйtica de dois garotos numa reuniгo de condomнnio.

Ambos iscam simultвnea e rapidamente um de seus Ora, vendo essa cena por meio de uma cвmera, ou seja, a partir de uma observaзгo fenomenalista, nгo poderнamos saber qual deles estava piscando por motivos conspiratуrios e qual por conta de um tique nervoso. O piscador voluntбrio estб se comunicando de uma forma precisa especial: a) b) c) d) e) deliberadamente; para alguйm em particular; ransmitindo uma mensagem especнfica; de acordo com um cуdigo socialmente estabelecido; sem o conhecimento dos demais companheiros. 1 Segundo Ryle, o piscador voluntбrio executa duas aзхes, contrair pбlpebra e piscar, enquanto o que tem tique nervoso executou apenas uma, ou seja, contraiu a pбlpebra. A diferenзa entre um tique nervoso e uma piscadela й grande. Poderia, ainda, ser o caso de que o piscador voluntбrio, que plsca para o outro em atitude cons iratуria esteja fazendo isso apenas para imitar imitaзгo de conspiraзгo feita apenas para debochar dos participantes da reuniгo. Certamente, essa й uma boa objeзгo ao behaviorismo metodolуgico.

Ou seja, nгo podemos conceber o comportamento apenas a partir da percepзгo do movimento muscular. Em sua concepзгo de comportamento, o behaviorismo metodolуgico sucumbe а do senso comum. Ryle mostra o quanto ela й insuficiente. para distinguir uma piscadela involuntбria de uma conspiratуria й preciso descrever o comportamento usando uma linguagem mentalista. Uma conspiraзгo exige a atribuiзгo de crenзas e intenзхes a alguйm; sem isso, nгo existe atitude conspiratуria e nem podemos descrevк-la.

Ao admitirmos a necessidade da descriзгo intencional – seja com “c” ou com “s” -, parece que chegamos ao limite de qualquer abordagem psicolуgica que reduza o mental ao comportamento. O mentalismo sempre entra pela porta dos fundos. Pior do que isso: mesmo que se mostre que esses eventos privados sгo materiais – como й o caso de Fodor, que diz poder conciliar o mentalismo com o materialismo —, ainda assim eles sгo essencialmente eventos internos privados que desafiam qualquer descriзгo periferallsta do comportamento.

Fica difнcil sustentar o metodolуgico. Mas, e quanto ao behaviorismo radical de Skinner, serб que ele ucumbe а critica de Ryle? Para Skinner, а diferenзa de Watson, estados mentais existem, embora sejam causalmente inoperantes. A situaзгo nгo parece mudar Filos. , Aurora, Curitiba, v. 22, n. 30, p. 27-40, jan. /jun. 2010 32 TEIXEIRA J. de F. Em 1937, Skinner criou a ideia de comportamento operante e, com isso, inaugurou o behaviorismo radical. No comportamento operante, o estнmulo pode ser inobservбvel.

E nele as consequкncias do podem retroagir sobre o organismo. Ao contrбrio do que acontece no comportamento reflexo ou no comportamento respondente (como й o analisado or Watson), no comportamento operante hб variбveis que tornam mais provбvel sua ocorrкncia e nгo simplesmente estabelecem uma relaзгo direta de causa e efeito. Primeiramente, hб o tipo de resposta que й eliciada por uma estimulaзгo especнfica, em que a correlaзгo entre a resposta e o estнmulo й um reflexo no sentido tradicional.

Irei classificar esse reflexo de respondente. Mas hб tambйm um tipo de resposta que ocorre espontaneamente na ausкncia de qualquer estimulaзгo com a qual ela possa estar especificamente correlacionada. Й da natureza desse tipo de comportamento ocorrer sem um stнmulo eliciador, embora estнmulos discriminativos sejam praticamente inevitбveis apуs o condicionamento. Nгo й necessбrio identificar unidades especнficas antes do condi as durante o respondentes previamente identificбveis ou estнmulos eliciadores especнficos (SKINNER, 1937/1961 a).

Na definiзгo do reflexo, a ъnica propriedade que devemos considerar й a prуpria relaзгo, isto й, a coincidкncia da ocorrкncia de um estimulo seguida da ocorrкncia de uma resposta. A resposta operante й essencialmente uma aзгo do organismo que produz efeitos no ambiente. As consequкncias, por sua vez, гo as modificaзхes geradas pela resposta do organismo. para Skinner, o organismo sempre estб inserido em um ambiente. No caso do respondente, os estimulos eliciadores sгo eventos ambientais responsбveis diretamente pela ocorrкncia da resposta reflexa.

Jб no operante, o ambiente й constituнdo por estimulos discriminativos. A diferenзa essencial й que, ao invйs de eliciarem a resposta, os estнmulos discriminativos constituem a ocasiгo em que uma dada resposta operante serб seguida da consequкncia reforзadora (SKINNER, [1945] 1961c, [1953] 1965, 1966c, 1967, 1975). Й importante ressaltar que, mbora nгo atue 33 diretamente como causa da resposta, tal como ocorre no respondente, o estimulo discriminativo й tambйm responsбvel pelo controle do comportamento no вmbito operante (SKINNER 1953 1965, 1966c, 1989).

Avalia- se o grau nunca й idкntica а ocorrкncia de outra. Й por isso que no behaviorismo radical fala-se de “classes de respostas” e “classes de estнmulos” e й justamente por isso, tambйm, que Skinner ([1935] 1961 a, [1 938] 1 966b, 1979, [1980] 1998) afirma que os estнmulos e as respostas sгo conceitos de natureza genйrica, passнveis de identificaзгo apenas or meio das relaзхes funcionais estabelecidas entre os eventos estudados. Contudo, se uma resposta nunca й idкntica а outra, como uma consequкncia poderia surtir qualquer efeito na resposta que jб ocorreu?

Ou seja, como seria possнvel o processo de condicionamento? De acordo com Skinner ([1 953] 1965, 1989), as consequкncias nгo alteram as respostas que jб ocorreram, mas sim a probabilidade de que respostas que pertencem а mesma classe possam ocorrer no futuro. Й nesse contexto que o termo “reforзo” faz sentido. Dizemos que um evento й reforзador quando ele fortalece a classe operante a qual faz parte no sentido de aumentar a probabilidade de que respostas que pertenзam а mesma classe ocorram (SKINNER, [1953] 1965, 1974).

Com essas novas ideias acerca do comportamento, Skinner teria dado um grande passo para alйm da psicologia estнmulo- resposta, comumente vista como mecanicista. O modelo de comportamento inspirado no operante tem raнzes adaptativas, darwinianas, por contraposiзгo ao proposto inicialmente por Watson (e antes dele, por Pavlov). No behaviorismo radical o dado experimental bбsico й a fre uкncia das respostas que, por sua vez, sгo funcionalmente c ntro de uma mesma 0 DF 21

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