Multiculturalismo
nstituto de Desenvolvimento Educacional do Alto Uruguai – IDEAU Vol. 5 – NO 12 -Julho – Dezembro 2010 Semestral Artigo: A ESCOLA E SEUS OUTROS: A SURDEZ COMO PERSPECTIVA MULTICULTURAL E POSSIBILIDADE DE CONSTRUÇAO DE UM ESPAÇO EDUCACIONAL INCLUSIVO Autora: Patrícia Graffl Graduada em Educaç 1 p plena – pela Universidade Federal de Santa Mana, com especialização em Gestão Educacional pela mesma instituição. Mestranda do Programa de Pós -Graduação em Educação nas Ciências, pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do RIO Grande do Sul – UNIJUI, sob orientação da profr Dr. Anna Rosa Fontella Santiago. Educadora Especial da Escola Municipal de Ensino Fundamental Soares de Barros e interprete de LIBRAS na Escola Estadual de Ensino Fundamental Osvaldo Aranha, ambas em Ijuí-RS. Email- patigraff@yahoo. com. br Endereço: Rua Irmãos Person, 154 bloco E apto 204. Centro. 98700 -000 Ijuí/RS. Telefone: (55) 81388827 implicações do multiculturalismo no contexto educacional. Explorarei algumas das experimentações possíveis em nossos espaços escolares, principalmente aquelas que dizem das experiê ncias de alunos surdos, incluídos em turmas regulares de ensino.
Aliadas/misturadas a estas, trago xperiências minhas, leituras e idéias, que dizem do cotidiano em que estes sujeitos se encontram inseridos e de percepções acerca dele. Assim, este texto tr atará, sobre a cultura e a diversidade cultural existente em nossas escolas, levantando algumas questões, trazendo alguns apontamentos e deixando outras tantas i nquietações frente a um tema, um tanto, polêmico… Palavras-chave: Multiculturalismo; Educação; Inclusão; Surdez.
Abstract: This text is the result of discussions and readings in the classes of the discipline: Culture, Curriculum and Social Leadership, comng from the Master of Education in he Sciences by UNIJUI / RS. During classes, I was prompted to reflect on some points related to deaf education – the subject of my research – which Will be discussed throughout the text along with discussions about the presence and implications of multiculturalism in the educational context. Will explore some of our trials possible in school premises, especially those who say the experiences of deaf students included In regular education classes.
Allied / mixed with these, bring my experiences, readings and ideas, that tell of everyday life in which these s ubjects are part of and perceptions bout him. Thus, this text discusses, on culture and cultural diversity in our schools, raising some issues, bringing some notes and 21 cultural diversity in our schools, raising some issues, bringing some notes and leaving many other concerns facing an issue, somewhat, controversial Key-words: Multiculturalism; Education; Inclusion; Deafness. Presencia-se, nos dias atuais, uma fértil discussão sobre a presença do multiculturalismo, da ‘Variedade” cultural nas escolas.
De acordo com Candau, “não há educação que não esteja imersa nos processos culturais do contexto em que se situa” (2008, . 13). Considerando esta prerrogativa e as múltiplas possibilidades culturais, manifestadas diariamente em nossas escolas, tentarei problematizar, ao longo do texto, alguns pontos presentes em nosso cenário educacional, tomando como pressuposto inicial as experimentações vivenciadas por mim e por meus alunos no contexto de sala regular de ensino e sala de recursos multifuncional.
Aliada a estas experiências empiricas, trago como pano de fundo a temática multicultural, discutida nas aulas da disciplina: Cultura, Currículo e Protagonismo Social, oriunda do curso de Mestrado em Educação as Ciências pela UNIJUI – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul/RS -, a qual frequento.
Primeiramente, cabe contextualizar as realidades escolares que serão, ao longo do texto, referidas e que constituem o meu cotidiano como educadora especial e intérprete de 3 LIBRAS – Língua Brasileira de Sinais. Atuo em duas escolas das redes estadual e municipa modalidade EJA – Educação de Jovens e Adultos/noturno – e na segunda, assumo o papel de educadora especial em a uma sala de recursos multifuncional, oferecendo o atendimento educacional especializado a 13 alunos urdos, desde o maternal até a 8a série.
Tendo em vista as disparidades de idade e de experiências de vida de cada um destes alunos, tentarei problematizar alguns pontos emergentes das vivências trazidas ao palco das instituições escolares que estes alunos frequentam e das práticas que tal diversidade suscita no âmbito da escola e nos professores A fim de delinear o recorte desejado neste trabalho, trago algumas considerações iniciais acerca da concepção de cultura que julgo – neste contexto – mais adequada e de que me aproprio ao longo deste percurso descritivo.
Concordo com Hall, quando diz que “cultura não é nada mais do que a soma de diferentes sistemas de classificação e diferentes formaçõ es discursivas aos quais a lingua recorre a fim de dar sign•ficado as coisas” (1976, p. 29). Sendo aqui interpretada, como os mecanismos linguísticos, dos quais determinados sujeitos elou grupos se utilizam, a fim de atribuir e constituir sentidos para as coisas e para si mesmos, bem como comunicar.
Nesta perspectiva, a linguagem assume papel preponderante na constituição dos sujeitos e de suas percepções sobre si, sobre os outros e sobre o mundo a sua volta, (re) struturando/organizando aquilo que denominamos: cultura. A cultura passou a ser reconhecida como parte integrante do sistema educacional de ensino, por meio de sua referência nos Parâmetros Curriculares Nacionais, publicados em 1997, nos quais consta co 4 21 de sua referência nos Parâmetros Curriculares Nacionais, publicados em 1997, nos quais consta como tema transversal: pluralidade cultural.
Essa inserção no campo educacional vem se intensificando gradativamente com a ênfase da política educacional, ao propor a valorização da diversidade, que vem sendo, cada vez mais, debatida. Sabe-se, desde ntão, que tal proposta poderá se mostrar benéfica caso tais culturas possam assumir seu espaço dentro do contexto educacional e não sejam, mais uma vez, silenciadas.
Candau afirma que: A escola sempre teve dificuldade em lidar com a pluralidade e a diferença. Tende a silenciá-las. Sente-se mais confortável com a homogeneização e a padronização. No entanto, ab ir espaços para a diversidade, a diferença e para o cruzamento de culturas constitui o grande desafio que está chamada a enfrentar (2008, p. 16). Tem-se consciência de que este é um processo moroso, que exigirá tempo para ser evado a termo, tal como está proposto.
No entanto, esta tem se mostrado uma reviravolta paradigmática importante rumo a uma sociedade mais justa e igualitária, intentando um lugar 4 onde cada um possa se sentir importante tal como é, com suas particularidades e suas semelhanças, sem discriminação. Não que esta seja uma caminhada pacífica e sem lutas muito pelo contrário, cons toricidade das p. 23). Entretanto, este é um embate necessário, pois somente quando nos reconhecermos como parte integrante e importante do contexto em que estamos inseridos, a inclusão poderá assim ser chamada.
Há uma estreita relação entre cultura, multiculturalismo e inclusão de sujeitos marcados pelo déficit – qualquer seja ele – tendo em vista que as experiências vividas por cada um dos participantes do processo educativo, permeiam tais conceitos. Nesse sentido, e aprofundando mais a questão, Gadamer (1997) chama nossa atenção para o vinculo existente entre cultura e linguagem, ao propor esta última como constituinte do indivíduo, (trans) formando sua cultura e representando-a linguisticamente.
Diz este autor: A linguagem não é somente um dos dotes, de que se encontra apetrechado o homem, al como está no mundo, mas nela se baseia e representa o fato de que os homens simplesmente têm mundo. para o homem, o mundo está aí como mundo, numa forma sob a qual não têm existência para nenhum outro ser vivo, nele posto. Esta existência no mundo, porém, está constituída linguisticamente Não somente o mundo é mundo, apenas na medida em que vem à linguagem – a linguagem só tem a verdadeira existência no fato de que nela se representa o mundo (p. 43). Sendo assim – na visão deste autor -, não existe nada fora da linguagem e com a cultura não seria diferente. Também ela só existe nas relações stabelecidas por meio d que a linguagem assuma tal importância na vida de cada um nós, de que ela nos constitua – a nós e ao mundo -, podemos nos inquietar e nos interpelar sobre aqueles sujeitos atravessados por alguma deficiência ou dificuldade, que atravanque sua expressao, sua comunicaçao com as pessoas que os cercam.
Como se constitui o mu ndo, a cultura e o ser, quando a linguagem não é compreendida? Qual a importância destes apontamentos para a educação, em tempos de inclusão? Parto desta perspectiva, na tentativa de movimentar olhares rumo a estes “outros” (SKLIAZ 2003) que azem parte do atual sistema educacional brasileiro. Daqueles que por tanto tempo foram silenciados e que lentamente se movem rumo à construção de espaços plurais, onde possam ser o que são.
Eis que surge a questão: 5 Há disponível somente um único olhar para percorrer o mundo que possa ir das quantidades que nos manipulam obsenamente, do paraiso virtual que nos eleva a nenhuma parte, do politicamente correto que nos faz dizer coisas sem sentido , das exclusões dos outros, das promessas Integradores em direção aos outros? Existe portanto, uma mudança educativa que nos possibilite afirmar que e trata, desta vez, de outra coisa ou que não se trata somente de uma metáfora desgastada de nossa própria e egocêntrica mesmidade?
SKLIAR, 2003 p. 23). dedicadas as problematizações, aqui, intentadas: os surdos. Considerando a linguagem – qualquer seja ela – como constituinte do indivíduo, sendo por meio dela representada e (re) elaborada a cultura da qual este sujeito participa e onde se encontra inserido, pode-se pressupor que, no caso dos sujeitos surdos, há uma falha/brecha em sua constituição, já no período de aquisição de sua língua materna – a língua de sinais -, final, esta se encontra, significativamente, diversa da língua dos ouvintes – majoritária.
Nesta perspectiva, cabe considerar que, muitas vezes, nem mesmo eles – os surdos – conhecem e participam da cultura e da comunidade surda, em virtude de uma série de entraves, que impedem o acesso e o uso da língua de sinais, bem como atravancam a sua constituição como sujeitos — observando que tal constituição só será possível, por meio de uma língua que faça sentido para estes indivíduos, ou seja, a lingua de sinais.
Sabe-se que grande parte das pessoas surdas são oriundas de famílias constituídas por uvintes, o que dificulta o processo de aquisição da LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais), já que — em sua maioria – os membros destas famílias desconhecem tal língua.
Esta informação provém – para além das referências bibliográficas que a mencionam -, em maior parte, de minha experiência junto aos surdos, considerando que todos os 19 alunos surdos junto aos quais atuo – ou atuei – como professora, nas escolas em que trabalho, são provenientes de famílias não usuárias da língua de sinais, fato que se deve – em parte – ao desinteresse no aprendizado desta língua famílias. esinteresse no aprendizado desta língua por parte das famílias. Este contexto familiar provoca a aquisição tardia da língua – que ocorre prevalentemente após a entrada na escola.
Há uma séria de implicações ocasionadas em função deste atraso na aquisição da língua, no entanto aterei-me, aqui, apenas a relação comunicativa e sua influência na constituição do sujeito e da cultura, ressaltando a importância do uso de uma língua comum entre surdo e ouvinte que não pode ser outra, a não ser a LIBRAS. Ao adentrar os espaços escolares, muito do processo educativo, dos sujeitos surdos, ncontra-se em atraso, considerando que dificilmente estabeleceram – no seio familiar 6 trocas comunicativas capazes de assumir sentido idêntico entre seus membros.
Ou seja, a linguagem — entendida por Gadamer como “o meio em que se realiza o acordo dos interlocutores e o entendimento sobre a coisa” (1997, p. 560) – estabelecida entre eles, não se mostra compreensível — em seus sentidos originais – entre quem direciona a mensagem e quem a recebe, tornando defasada sua compreensão em seu sentido primeiro; mesmo sabendo que, na comunicação há a impossibilidade de uma unidade única, de um sentido totalmente ransparente, frente a todos os sujeitos que se comunicam.
Assim, parte considerável da tarefa educativa destes sujeitos é despejada sobre os ombros da escola, iá que como o espaço no qual espaços e pessoas com os quais poderão comunicar-se. Assim, a escola se constitui como a ponte entre a falta de comunicação e a possibilidade de diálogo. A diversidade linguística existente entre surdos e ouvintes pode ser comparada a tentativa de comunicação entre pessoas de nacionalidades diferentes, onde cada um tenta estabelecer diálogo em sua própria lingua, sem compreender a do outro.
Essa diferença de odalidade, oral e viso-gestual, das línguas portuguesa e de sinais, muitas vezes, obstrui o acesso – na escola e nos demais espaços – a cultura dos sujeitos surdos, permitindo-lhes, apenas e por algumas vezes, o acesso a cultura ouvinte e negligenciando todo um universo cultural, de que estes alunos, seus colegas e professores poderiam usufruir dentro dos espaços educativos. Vale salientar que, muitas são as situações em que, nem mesmo os surdos têm conhecimento da cultura surda, já que o acesso a ela depende de sua inserção na comunidade surda e de seu conhecimento acerca da língua.
Aqui, mais uma vez se encontra escancarada a importância da linguagem, das trocas lingü(sticas compreensíveis para a constituição dos sujeitos, pois somente ao fazer uso de uma língua acessível a ambos os interlocutores, será possível realizar acordos acerca de algum assunto. Cabe sublinhar que, muito antes dos desafios postos a estes sujeitos a fim de tomar contato com a cultura surda, surgem entraves que dificultam sua comunicação no selo familiar, no local de onde deveriam provir os consolos, as conversas, os desabafos, as iadas a diversão, onde deveria preendidos. Inquieta-me 0 DF 21