O trabalho como ação para a vida e não apenas como necessidade de emprego e renda.
O trabalho como princípio educativo no projeto de educação integral de trabalhadores Gaudêncio Frigotto Doutor em Ciências Humanas (Educação), professor titular visitante da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e professor titular associado ao Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal Fluminense Swipe to r. t page Maria Ciavatta Doutora em Ciências associada ao Progra Mestrado e Doutora coordenadora do GT PAGF 1 or 68 m o de rofessora titular Educação — ral Fluminense, 002-2004) da Associação de Pesquisa e Pós-graduação em Educação (ANPEd) Marise Ramos
Doutora em Ciências Humanas (Educação), professora adjunta da Faculdade de Educação da UERJ e professora do CEFET-Qu(mica, em exercício de cooperação técnica na Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, da Fundação Oswaldo Cruz (EPSJV/ FIOCRUZ) Introdução Um dos temas complexos e de difícil compreensão para aqueles que vivem da venda de sua força de trabalho, ou fazem parte dos milhões de desempregados, subempregados ou com trabalho precário, é, sem dúvida, o do trabalho como princípio continente a abolir a escravidão.
Foram séculos de trabalho escravo, cujas marcas são ainda profundamente visíveis na ociedade. A mentalidade empresarial e das elites dominantes tem a marca cultural da relação escravocrata. O segundo aspecto é a visão moralizante do trabalho, trazida pela perspectiva de diferentes religiões. Trabalho como castigo, sofrimento e/ ou remissão do pecado. Ou, ainda, trabalho como forma de disciplinar e frear as paixões, os desejos ou os vícios da “carne”. Um dos critérios de contratação de trabalhadores, não raro, é a religião.
Por fim, muito freqüente é a perspectiva de se reduzir a dimensão educativa do trabalho à sua função instrumental didático-pedagógica, aprender fazendo Sem desconhecer essas dimensões, particularmente a dimensão didático-pedagógica que o trabalho possa vir a ter, o que demarca a dimensão mais profunda da concepção do trabalho como princípio educativo, como veremos num dos itens abaixo, é de ordem ontológica (inerente ao ser humano) e, consequentemente, ético-política (trabalho como direito e como dever).
Com efeito, ao fazer uma exegese da perspectiva de Marx sobre a relação trabalho e educação e o trabalho como princípio educativo, Manacorda (1975) mostra que estas relações não se reduzem à dimensão didático-pedagógica ou instrumental, e, esmo que estas dimensões não sejam excluídas, não são o seu fundamento.
De acordo com Marx, o trabalho transcende, de um modo necessário, toda a caracterização didático-pedagógica, seja como objetivo meramente profissional, seja como função didática, como instrumento de aquisição e comprovação das noções teóricas ou com fins morais de educação do caráter e de formação de uma atitude de respeito para com o t 68 ou com fins morais de educação do caráter e de formação de uma atitude de respeito para com o trabalho ou para quem trabalha, para se identificar com a própria essência do homem.
O trabalho como principo educativo vincula-se, então, à própria forma de ser dos seres humanos. Somos parte da natureza e dependemos dela para reproduzir a nossa vida. E é pela ação vital do trabalho que os seres humanos transformam a natureza em meios de vida. Se essa é uma condição imperativa, socializar o princ[pio do trabalho como produtor de valores de uso, para manter e reproduzir a vida, é crucial e “educativo”. Trata-se, como enfatiza Gramsci, de não socializar seres humanos como “mamíferos de luxo”. ? dentro desta perspectiva que Marx sinaliza a dimensão educativa do trabalho, mesmo quando o trabalho e dá sob a negatividade das relações de classe existentes no capitalismo. A própria forma de trabalho capitalista não é natural, mas produzida pelos seres humanos. A luta histórica é para superá-la. Na relação dos seres humanos para produzirem os meios de vida pelo trabalho, não significa apenas que, ao transformar a natureza, transformamos a nós mesmos, mas também que a atividade prática é o ponto de partida do conhecimento, da cultura e da conscientização.
Tendo como horizonte de análise a perspectiva que acabamos de assinalar, buscamos neste texto desenvolver cinco aspectos obre o tema, como subsídios de estudo e debate para aqueles que se dedicam ao trabalho educativo e de qualificação na perspectiva dos interesses da classe trabalhadora . No primeiro aspecto, buscamos explicitar a forma que assume o trabalho sob o capitalismo e, como assinalamos acima, a dificuldade de percebermos, nestas condições, as dimens capitalismo e, como assinalamos acima, a dificuldade de percebermos, nestas condições, as dimensões educativas no trabalho.
Em seguida, porém, no item dois, buscamos expor a compreensão ontológica ou ontocriativa do trabalho. Nesta imensão é que se situa o núcleo central da compreensão do trabalho como principio educativo. por outro lado, num contexto em que se afirma o fim do trabalho, a perspectiva ontológica nos permite ver o quanto é infundada esta afirmação e como ela confunde a forma histórica do trabalho assalariado, sob o capitalismo, com toda a atividade humana.
Os outros três aspectos buscam extrair algumas consequências relativas aos temas mais específicos para o PROESQ (Projeto Especlal de Qualificação profissional para o Desenvolvimento de Metodologias e Tecnologias de Qualificação Social e Profissional) a CUT. Um dos pontos centrais do projeto é não desarticular a educação profissional da educação básica como direito social e subjetivo. Por isso, no item três, discutimos o trabalho como princ[pio educativo na integração da educação básica com a formação profissional . A direção que assume a relação trabalho e educação nos processos formativos não é inocente.
Traz a marca dos embates que se efetivam no âmbito do conjunto das relações socials. Trata-se de uma relação que é parte da luta hegemônica entre capital e trabalho. Tratamos deste aspecto no item quatro. Trata- e de um ponto que, especialmente no Brasil, assume uma grande importância pelo fato de que, diferente de muitos outros parses, entregamos, unilateralmente, a gestão da formação profissional aos homens de negócio, ou seja, ao capital. Os embates da Constituinte de 1988 mostraram o quanto este aspecto está arraigado, já que capital.
Os embates da Constituinte de 1988 mostraram o quanto este aspecto está arraigado, já que sequer a gestão tripartite ganhou a adesão da sociedade. Como último aspecto, trataremos dos itinerários formatlvos de forma indicativa por ser, entre nós, um tema cuja elaboração inda está em processo, tanto como experiência vivida, quanto como reflexão crítica sobre suas contradições e possibilidades. Buscamos mostrar que, se de um lado, estes itinerários são necessários, os mesmos se forjam num terreno contraditório, porque é mais um aspecto da luta hegemônica entre capital e trabalho. O trabalho na sociedade capitalista Gostaríamos de iniciar esta reflexão pensando sobre nossos próprios trabalhos na vida familiar, na vida profissional, enfim, no nosso cotidiano. Pensar sobre as ações que executamos nesses trabalhos, o que pensamos e o que sentimos em relação a cada m desses trabalhos: cuidar da casa, cuidar dos filhos, da roupa, da comida; cuidar da terra, dos animais, trabalhar nas fábricas, nas mlnas, em informática, executar serviços administrativos, de transporte e tantos outros; preparar reuniões, escrever textos, criar místicas e tudo mais que nos cabe em diferentes situações.
Porque cada um de nós assume diferentes papéis e continua sendo o mesmo, mas, ao mesmo tempo, não sendo o mesmo ? medida que essas diferentes ações são executadas; porque nos aborrecemos ou nos entusiasmamos, nos embrutecemos ou nos aperfeiçoamos, aprendemos alguma coisa, temos novas idéias. Os versos de Milton Nascimento, “porque o trem da chegada é o mesmo trem da partida”, certamente, sem nenhuma intenção filosófica, expressam a dialética que é um fato permanente no mundo natural e em nossas vidas. intenção filosófica, expressam a dialética que é um fato permanente no mundo natural e em nossas vidas.
Diferente da metafísica clássica, onde o ser é concebido na sua máxima generalidade, como idéia, como “o ser é e o não ser não é”, a concepção dialética, que tem por princípio o movimento de transformação de todas as coisas, afirma que “o ser é e não é ao esmo tempo”, porque se transforma. O trem da chegada é o mesmo trem da partida.. Estas breves reflexões iniciais são importantes para se pensar em que medida o trabalho é princípio educativo. Partimos da idéia de que o trabalho pode ser educativo e pode não ser educativo, dependendo das condições em que se processa, como veremos mais adiante.
Uma outra reflexão preliminar importante é ver como o trabalho vem sendo debatido nas últimas décadas no mundo ocidental. Desde meados do decênio de 1980, a sociologia pôs em questão a centralidade da categoria trabalho para as análises sociais OFFE, 1989). Mas esta não era apenas uma questão das ciências sociais. Já no final da década, acompanhando a evidência da crise de emprego que se anunciava na Europa Ocidental e a desintegração do mundo socialista, um alto funcionário do Estado norte-americano (FUKIJYAMA. 1992), proclama o “fim da históna”.
Mais recentemente, o grupo Krisis (GRUPO, 2003) lançou um manifesto contra o “fim do trabalho”. No entanto, toda evidência do mundo vivido por nós deixa claro que a sobrevivência do ser humano depende de meios de vida obtidos mediante o trabalho ou algum tipo de ação obre os recursos naturais, sobre o ambiente em que vivemos. Nesse intercâmbio com a natureza, o ser humano produz os bens de que necessita para viver, aperfeiçoa a si mesmo, gera conhecmen humano produz os bens de que necessita para viver, aperfeiçoa a si mesmo, gera conhecimentos, padrões culturais, relaciona-se com os demais e constitui a vida social.
Onde estana o “fim do trabalho” senão na sua identificação com o emprego assalariado característico da sociedade capitalista? Sem nos alongarmos sobre a história do trabalho, sobre as formas de escravidão, de servidão e de trabalho assalariado a sociedade burguesa, queremos dizer que o trabalho como atividade fundamental da vida humana existirá enquanto existirmos. O que muda é a natureza do trabalho, as formas de trabalhar, os instrumentos de trabalho, as formas de apropriação do produto do trabalho, as relações de trabalho e de produção que se constituem de modo diverso ao longo da historia da humanidade.
Quando falamos em trabalho como princípio educativo, não podemos deixar de pensar na relação do trabalho com a educação, principalmente das crianças e dos adolescentes trabalhadores, que buscam os meios de sobrevivência no rabalho precoce, mas não apenas deles, porque também o adulto se educa pelo trabalho. A primeira pergunta que se coloca é: de que trabalho e de que trabalhador estamos falando? O que implica em pensar qual a natureza especfica do trabalho nesta sociedade, a sociedade capitalista . A questão pede também uma reflexão sobre “a perda da inocência” (IANNI, 1984).
Não a inocência moral de muitos de nossos meninos e meninas de rua, mas a perda da inocência intelectual. Isto é, devemos procurar ver a realidade do trabalho posta sobre os próprios pés, e não vê-la invertida, explicada, irecionada por idéias e soluções que vêm de cabeças até bem- intencionadas, mas que não explicam todos os problemas do vêm de cabeças até bem-intencionadas, mas que não explicam todos os problemas do trabalho. Senão, vejamos: partimos da tese de que é inocência pensar que o trabalho é sempre bom. Mas, em certas condições, ele é sempre bom.
E quais são estas condições? São aquelas que estão além das aparências dos fenômenos, das relações imediatas, visíveis. Devemos buscar as bases, os fundamentos dos fenômenos que estão conduzindo, precocemente, cada vez mais rianças aos mundos do trabalho e, simultaneamente, gerando subempregados e desempregados desamparados pela sociedade e pelo Estado. É possfiu’el identificar, pelo menos, duas vertentes contraditórias sobre o que pensamos, sentimos e vivenciamos, mesmo que inconscientemente, em relação ao trabalho, pois são concepções que fazem parte do ideário cultural de nossa sociedade.
Uma dessas vertentes tem origem no pensamento religioso, segundo o qual o trabalho dignifica, valoriza e enobrece o homem, ao mesmo tempo que disciplina o corpo e eleva o espírito. De outra parte, no Brasil, temos a experiência, diríamos, ecente da escravidão e da rejeição do trabalho como forma de opressão, de aviltamento, de rebaixamento social, de separação das pessoas, das raças e das classes socials, de discriminação do trabalho manual e de preconceito racial.
Ao lado disso, temos o reconhecimento das condições de trabalho de milhões de trabalhadores, condições que são de privação na vida pessoal, na vida familiar e nas demais instâncias da vida social. São condições advindas das relações de exploração do trabalhador, de alienação ou de expropriação de seus meios de vida, de seu salário, da terra onde vive e de suas possibilidades e conhecimento e de controle do processo do próprio terra onde vive e de suas possibilidades de conhecimento e de controle do processo do próprio trabalho.
Vemos ainda que a sociedade capitalista, em relação ao trabalho infanto juvenil, aponta para uma dlmensão importante: ela busca incorporar o trabalho humano desde a infância. E aí o trabalho se apresenta como uma dupla preocupação: como atividade propriamente produtiva e como atividade educativa. Ocorre que isto é, por si só, nesta sociedade, uma contradição.
Dado que as condições do trabalho são de exploração, em vez e ser, para a criança e o jovem, uma atividade formativa, uma relação de construção humana, fundamental, o trabalho também se torna uma forma de exploração, um flagelo de vida, uma estratégia de ampliação da mals valia. Assim, quando se fala no trabalho como um princípio educativo, é preciso parar e se perguntar em que medida, em que situações o trabalho é educativo. O que quer dizer que não podemos pensá-lo abstratamente, “inocentemente”, fora das condições de sua produção. O que é o trabalho?
O trabalho humano efetiva-se, concretiza- se, em coisas, objetos, formas, gestos, palavras, cores, sons, em ealizações materiais e espirituais. O ser humano cria e recria os elementos da natureza que estão ao seu redor e lhes confere novas formas, novas cores, novos significados, novos tons, novas ondulações. De modo que o trabalho é o fundamento da produção material e espiritual do ser humano para sua sobrevivência e reprodução (IANNI, ibida). O trabalho ou as atividades a que as pessoas se dedicam são formas de satisfazer as suas necessidades que, por sua vez, são os fundamentos dos direitos estabelecidos na vida em sociedade.
Que direitos são estes? São os direitos de toda pessoa ireitos estabelecidos na vida em sociedade. Que direitos são estes? São os direitos de toda pessoa e alguns especiais, das crianças e dos jovens — direitos pelos quais os trabalhadores vêm lutando duramente nos últimos séculos. São os direitos civis ou individuais: direito à liberdade pessoal e ? integridade física, à liberdade de palavra e de pensamento, direito à propriedade, ao trabalho e à justiça. São os direitos políticos, como o direito de participar do exercício do poder político como membro investido da autoridade política ou como eleitor.
São s direitos sociais, como o direito ao bem estar econômico, ao trabalho, à moradia, à alimentação, ao vestuário, à saúde, ? participação social e cultural, à educação e aos serviços sociais. Ora, o que presenclamos em nossa sociedade não é o compromisso básico e fundamental com esses direitos, não é o compromisso com o homem ou com a criança. Ou, em outros termos, o sujeito das relações sociais, em uma sociedade capitalista, não é o homem ou a criança. O sujeito é o mercado, é o capital. O grande sujeito é a acumulação do capital.
O que nos permite entender as condições de extrema desigualdade ocial e de distribuição da riqueza, com as quais convivemos secularmente no Brasil. Como entender um quadro como este do ponto de vista da criança, do jovem e do adulto trabalhador? O capital, e o Estado associado ao capital, não vão se interessar pela criança, pela criança pobre, trabalhadora, nao do ponto de vista de sua formação mais global, de sua humanização – no sentido de fazer- se homem -, mas apenas enquanto uma mercadoria especial, uma força de trabalho que tem uma especificidade. É a criança ou o adulto que vão ter uma formação restrita, parci PAGF