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SERVIÇO SOCIAL PODER JUDICIÁRIO: UMA NOTA HISTÓRICA Maria Luiza Campos da Silva Valente* RESUMO Este artigo visa a reconstruir a história do Semço Social nos Tribunais para a Infância, relacionando-a com a fundação do aparato judiciário destinado às crianças. Identifica a longa tradição da profissão no campo jurídico e a importância que assumiu na fundação da Corte Juvenil de Chicago (1899) e no Juizado de Menores do Rio de Janeiro (1923).

Palavras-chave: serviço social, história dos tribunais juvenis, serviço social e sistema sociojuridico. INTRO A reflexão sobre o tr no campo hoje deno istória que remonta or37 Sv. içx to view next*ge s assistentes sociais e um recuo na e dos movimentos que a ela deram origem. Este artigo visa a realizar uma retrospectiva histórica do serviço social no Judiciário, nos Estados Unidos e no Brasil, tendo como referência a criação dos Tribunais Juvenis e o papel desempenhado pela profissão nascente.

Os Estados Unidos foram o primeiro pais a criar uma Corte Juvenil, no ano de 1899, em Chicago. No Brasil o primeiro Juizado de Menores fol fundado em 1923, no Rio de Janeiro, então capital federal. Nos dois países é possível identificar que os assistentes ociais desempenharam papel pioneiro na implantação e no desenvolvimento de um aparato judiciário destinado às crianças e adolescentes.

A literatura norte-americana (Trattner, 1979; Fox, 1996; Clapp, 1998; Roberts & Brownell, 1999) sob Swlpe to vlew next page sobre a história da fundação da Corte Juvenil de Chicago é extensa, relacionando-a com a história do serviço social e o papel desempenhado pelos pioneiros da Doutora em Serviço Social; professora auxiliar do departamento de Serviço Social da PUC/RJ; Assistente Social do Tribunal de justiça do Rio de Janeiro. Libertas, Juiz de Fora, v. , n. 2, p. 57 – 82, jan-jun / 2009 1980-8518 57 – ISSN profissão na criação e desenvolvimento dos tribunais juvenis.

No Brasil, a história do Juizado de Menores e a história do serviço social no judiciário, estão em fase de construção. As referências ao papel pioneiro dos assistentes sociais estão sempre presentes, quando se menciona a fundação dos Juizados de Menores no Brasil. Nas duas últimas décadas, com o crescimento da inserção do serviço social nos Tribunais e nas instituições que compõem o sistema sociojurídico, observa-se o esforço da categoria para efletir sobre seu passado, seu presente e as razões de sua permanência no campo em referência.

Os assistentes sociais demonstram, através das publicações veiculadas (Févero, 1999; Borges & Nascimento, 2001 ; Valente, 2001), ter conhecimento da longa tradição da profissão no Judiciário. Mas as referências ao pioneirismo dos assistentes sociais não retratam a real envergadura da profissão no campo jurídico. Neste artigo, não se pretende realizar um estudo comparativo da profissão, no contexto da fundação das Cortes de Chicago e do Rio de Janeiro, mas contribuir para construção da históna do servlço soclal o judiciário brasileiro.

Visando a contribuir para o resgate de um capltulo fundamental da história do serviço social no país, realizou-s PAGF 37 contribuir para o resgate de um capítulo fundamental da história do serviço social no pais, realizou-se um levantamento dos dados históricos disponíveis, relativos à inserção da profissão na Justiça de Menores, partlcularmente do Rio de Janeiro (RIZZINI & RIZZINI 2004; SILVA, 2004, MORELLI, 1999; PINHEIRO, 1985). or outro lado, iniciar a reconstrução histórica com os dados referentes ao contexto norte-americano deve-se ao fato da Corte e Chicago preceder todas as outras e por se dispor de ampla bibliografia sobre o tema. A fundação da Corte Juvenil de Chicago se confunde com a história do serviço social. A criação de um aparato judiciário para crianças revela a amplitude dos esforços dos pioneiros do serviço social em dois campos aparentemente opostos: o movimento de residência social e o movimento de organização da caridade, que deram origem à profissão.

A interlocução do serviço social com o campo jurídico não deve limitar-se à idéia de uma “especialidade”. A história revela que a profissão, nascida no momento em que a questão social se omplexifica, vem atender às novas demandas que se colocam sobre populações vulneráveis e, conseqüentemente exerce papel essencial na fundação das cortes juvenis. Libertas, Juiz de Fora, v. 3, n. 2, p. 57 – 82, jan-jun / 2009 – ISSN 58 O CONTEXTO NORTE-AMERICANO Da metade do século XIX até as primeiras décadas do século XX um amplo movimento pelo bem estar da infância se espalhou pelos Estados Unidos.

O movimento, segundo Trattner (1 979), envolveu uma série de iniciativas, desde a remoção de crianças dependentes, negligenciadas e delinqüentes de instituições, que não eram a rianças dependentes, negligenciadas e delinqüentes de instituições, que não eram a elas destinadas, até a colocação em família substituta. Segundo Trattner (1979), não é difícil entender o que motivou o grande interesse pelas crianças. Numa época em que as famílias eram grandes, as crianças eram mais numerosas que os adultos, formando um dos maiores grupos entre os negligenciados e necessitados.

O sofrimento das crianças era mais revoltante; mesmo numa época em que a idéia dominante era separar os merecedores dos indignos de ajuda, era difícil argumentar que as crianças eram responsáveis por sua condição. Dentre os necessitados, as crianças eram as mais merecedoras. A convulsão social resultante da imigração em larga escala e do rápido crescimento Industrial e urbano foram penosos para as crianças. De acordo com Trattner (1979), acidentes na indústria frequentemente resultavam em privação, muitas vezes em tenra idade, de um ou até de ambas as figuras parentais.

Devido ? mobilidade e o anonimato resultante do veloz crescimento da sociedade urbano industrial, muitos dos jovens em situação de privação eram deixados em ambientes estranhos e às vezes hostis. Crianças cujas mães salam para trabalhar na indústria ram privadas da supervisão parental e de uma vida doméstica normal para os padrões da época resultando no crescimento alarmante da delinqüência juvenil. Segundo o Trattner (1 979, p. 4), “a crescente preocupação com o bem estar da população infantil resultou, acima de tudo, do fato de a sociedade passar a ver a criança como a chave do controle social”. Clapp (1998) afirma que as duas últimas décadas do século XIX viram o desenvolvim 7 social”. Clapp (1998) afirma que as duas últimas décadas do século XIX viram o desenvolvimento de novas idéias e atitudes sobre a natureza da infância e adolescência. Isto foi importante para os reformadores, particularmente as mulheres, buscarem novos métodos de lidar com as crianças Libertas, de Fora, v. , n. 2, p. 57 – 82, jan. jun / 2009 – ISSN 59 delinqüentes e dependentes. Tais idéias tiveram impacto mais profundo nas mulheres da classe médla que, no final do século XIX, eram reconhecidas como principais educadoras das crianças. O estudo da infância, influenciado pelas idéias do psicólogo Granville Stanley Hall, afetou as atitudes da classe média em relação às crianças. A infância deixou de ser vista apenas como um estágio do ciclo da vida, para ser compreendida como um eríodo que requer atenção especial, pois vai repercutir na vida adulta.

A educação das crianças tornou-se um exercício mais complexo, prescrevendo para a mãe, principal cuidadora, o conhecimento sobre as etapas do desenvolvimento infantil. O papel da mãe passou a ser investido de maior significado, pois sobre ele residia o futuro da nação. Ao examinar as origens da Corte Juvenil de Chicago, Clapp (1998) observa que o interesse pela infância influenciou as mulheres reformadoras, despertando- lhes a atenção para a necessidade da criação de um aparato judiciário destinado às crianças.

Por outro lado, o papel destacado das reformadoras na fundação da Corte foi marcado pela consciência de gênero, influenciando a feição particular que a reforma social assumiria. A criação de um aparato judlciário para as crianças teve como fundamento a premissa ideal s 7 assumiria. A criação de um aparato judiciário para as crianças teve como fundamento a premissa idealista de que os jovens infratores deveriam ser mantidos separados dos adultos nas instituições; de que as crianças são diferentes dos adultos e mais acessíveis a tratamento e reabilitação.

Os jovens deveriam er tratados por uma justiça individualizada, visando às suas necessidades particulares, e não um sistema de sanções às infrações que os levou a este sistema. A fundação destas Cortes será relacionada aos dois movimentos que deram origem ao Serviço Social, nos Estados Unidos: o Movimento de Residência Social e o Movimento da Caridade Organizada. Trattner (1979) ressalta a diferença existente entre os dois movimentos: os agentes da Caridade Organizada colocavam toda a ênfase nas causas individuais e morais da pobreza, realizando uma distinção entre os merecedores e os indignos de ajuda.

Os integrantes do Movimento de Residência Social, de caráter progressista, enfatizavam as condições econômicas e sociais que causavam a pobreza. Enquanto a filosofia da Caridade Organizada baseava- se na caridade privada e na elevação espiritual, a filosofia das Residências Sociais fundamentava-se na crítica à realidade social e econômica. Libertas, de Fora, v. 3, n. 2, p. 57 – 82, jan-jun / 2009 – ISSN 60 Embora o Movimento da Caridade Organizada tenha precedido o Movimento de Residência Social, optou-se, no presente texto, por inverter a ordem em que são abordados.

Tal inversão deve- e a dois motivos: o Movimento de Residência Soclal teve especial relevância na implantação de um aparato judiciário destinado ? infância e juventud especial relevância na implantação de um aparato judiciário destinado à infância e juventude e o Movimento da Caridade Organizada fundou as bases para o processo de intervenção, enfatizando a importâncla da famllia, alvo privilegado dos sujeitos deste movimento.

A FUNDAÇÃO DAS CORTES JUVENIS: O MOVIMENTO DE RESIDCNCIA SOCIAL A tradição do Serviço Social no campo jurídico remonta aos pioneiros da profissão, conferindo aos assistentes sociais um ugar de destaque não apenas nos Tribunais, mas nas instituições que compõem o sistema de proteção à infância e juventude, ? família, às vítimas da violência e em todas as instituições que executam medidas emanadas do poder judiciário.

Segundo Roberts & Brownell (1999), os assistentes sociais forensest – terminologia não anteriormente utilizada – precisam reconhecer que este campo de prática é um desenvolvimento natural da liderança de Jane Addams e Julia Lathrop e outros proeminentes assistentes sociais do final do século XIX. Ativistas do Movimento por Reformas Sociais, Addams e Lathrop rabalharam influenciando leglsladores na aprovação de leis para proteger o trabalho infantil e exerceram papel destacado na criação dos Tribunais Juvenis nos Estados Unidos.

Segundo Sanford Fox (1996), Addams chamou a atenção para o fato de muitas das crianças levadas ao Tribunal padecerem de males psíquicos, exigindo atendimento qualificado. Em 1908 liderou um movimento voluntário de mulheres, para levantar fundos, visando à contratação de um médico para realizar a investigação cientifica” dos delinqüentes. 61 PAGF 7 37 51 Julia Lathrop, membro do Illinois Board of Charities, reagiu ontra a presença de crianças amontoadas nas poorhouses e nas prisões daquele Estado.

Suas posições influenciaram as relatórios que a instituição apresentava ao governo de Illinois a cada dois anos. Segundo Clapp (1998), no relatório de 1 894 o comitê apontou para inexistência de uma lei que impedisse a colocação de crianças em poorhouses. Para Lathrop, esta prática era nociva não apenas às crianças, mas também ? sociedade em geral. Segundo o entendimento dominante, crianças e adolescentes criados em ambientes considerados “nocivos” para os padrões vigentes poderiam tornar-se uma meaça à ordem social.

O Tribunal Juvenil de Chicago, fundado em 1899 pela Lei que regulou o tratamento e o controle das crianças dependentes, negligenciadas ou delinqüentes, foi o resultado de uma longa campanha empreendida pelos reformadores sociais. Seus esforços focalizaram, segundo Fox (1 996), a melhoria da qualidade das prisões, assegurando a reforma institucional. A cruzada foi encaminhada em torno do papel da iniciativa privada na atenção à criança negligenciada, a segregação religiosa institucional, a legitimidade da colocação de crianças por intermediários e a melhoria das condições das nstituições.

Infelizmente, segundo Fox (1 996), há pouco, ou quase nada, na literatura, para indicar que a agenda desenvolvida pelos reformadores, na década de 1890, incluiu significativa preocupação na melhoria dos procedimentos e práticas judiciais. A lei que criou o Tribunal Juvenil de Illinols não estabeleceu uma PAGF 8 7 práticas judiciais. A lei que criou o Tribunal Juvenil de Illinois não estabeleceu uma nova estrutura judicial do Estado.

Em vez disto, articulou leis a serem seguidas pela jurisdição quando estavam em questão crianças, conforme a leglslação vigente. A primeira ei fundadora do Tribunal Juvenil nos EUA foi promulgada em 1 de julho de 1899, quando a Corte Juvenil de Chicago abriu suas portas para o público. Esta não foi a invenção de um único reformador, mas o resultado da agitação de dois grupos de mulheres reformadoras, durante a década de 1890. Estes dois grupos – o Chicago Woman’s Club e a Hull House Community trabalharam juntos, mas suas preocupações não eram idênticas.

As líderes do Clube de Mulheres de Chicago eram movidas por suas identificações como mães e pelas percepções da vida em família e da infância que produziram. Eram comprometidas com seus ideais de maternidade e domesticidade que a sociedade do final do século XIX ditou 62 para a classe média. Acreditavam que estes ideais requeriam- lhes estender seu instinto maternal para além dos próprios lares e aplicar seus valores domésticos à sociedade.

O maternalismo impulsionou-as em direção à esfera pública da reforma para trabalhar pelos dependentes da sociedade, especialmente mulheres e crianças. O Clube das Mulheres de Chicago foi fundado em fevereiro de 1876, por Caroline Brown, de Boston, e muitos de seus amigos. Segundo Clapp (1998), foi uma rganização de mulheres da elite e tendeu a refletir as idéias que prevaleciam sobre o papel da mulher. Muitas das integrantes eram conservadora as idéias que prevaleciam sobre o papel da mulher.

Muitas das integrantes eram conservadoras em suas Idéias sociais e refletiam suas preocupações de classe. A Hull-House Community foi uma das mais destacadas residências sociais que surgiram na década de 1890 nos Estados Unidos, na esteira de um movimento que colocou ênfase na prevenção dos “males sociais”. O Movimento de Residência Social iniciou na década de 1 880, em Londres, como resposta aos problemas criados pela urbanização, ndustrialização e imigração.

A idéia espalhou-se para outros países industrializados, atraindo educadores — homens e mulheres de classe média e alta – conhecidos por se tornarem residentes de áreas urbanas pobres. O marco do Movimento de Residência Social foi o ano de 1 884, quando o Cônego Samuel Barnett, provavelmente inspirado nas idéias do amigo Arnold Toynbee, fundou num subúrbio de Londres a primeira Residência Social, que passou a ser conhecida como Toynbee Hall. A influência de Toynbee Hall estendeu-se além mar, através da iniciativa de Jane Addams. Em setembro 1 889, com a ajuda de

Ellen Gates Starr e de Mary Keyser, ela fundou em Chicago a Hull- House, que se tornaria a mais famosa das Residências Sociais americanas. As três mulheres mudaram-se para uma casa quase em ruinas que fora construída por Charles Hull, no Southwest Side, um bairro pobre de Chicago, densamente povoado por imigrantes italianos, irlandeses, alemães, gregos, e judeus russos e poloneses. Os fundadores das Residências Sociais eram jovens de formação universitária que se mudaram para as comunidades pobres, para conhecer suas reais condições e melhor ajudá-las a superar suas dificuldades.

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