Religião e pós-modernidade

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Religião e Pós-Modernidade: a possibilidade da expressão dosagrado Jaci Maraschin As coisas não são como aparecem. Nem são de outra maneira. Lankavatara Sutra Nos primeiros vinte anos do século vinte o movimento artístico chamado “expressionismo” surgiu como reação à Escola de Paris e, mais especificamente, ao “impressionismo”. A nova tendência espalhou se rapidamente por diversos países europeus. Pintores como Max Pechstein, Kate Kollowitz, Edward Munch to vien e Emil Nolde, entre que estava na hora d obras, em lugar das atividades impressio da parte dos pintore OF17 S. p nent page ? conclusão de ação em suas s. para eles, as rta passividade ções voltadas para o mundo exterior. A mão de Monet, por exemplo, era comandada por esse impulso que lhe obrigava a passar para as telas as impressões que o mundo objetivo imprimia em sua visão. O mesmo processo estava sendo desenvolvidopor músicos como Debussy e Ravel. Neste caso, as impressões visuais eram transmudadas em sons. Os artistas expressionistas não acreditavam no valor desses procedimentos. Entendiam que a obra de arte começava a subir para novas dimensões da expressão.

Feininger estava convencido de que “cada bra individual expressava certo estado espiritual num determinado momento bem como a necessidade inevitável e exigente por libertação por meio do ato acadêmico criador: ritmo, forma, cor e qualidade na pintu qualidade na pintura. ” A palavra “expressão” vem do latim, expressio, expressionis, significando o ato de espremer no sentido de se obter resultados por meio de ações violentas. Os artistas expressionistas queriam retirar da realidade o seu “suco” como, por exemplo, fazemos quandoesprememos uma laranja.

Em outras palavras, queriam extrair da realidade o que lhes parecia ser a sua melhor parte. Ao espremer segmentos escolhidos da realidade pretendiam transformá-los. Assim, tudo o que produziram em suas diversas obras de arte (pintura, escultura, dança etc. ) acabou se transformando em erupções, expressões e explosões. Schiele disse certa vez que “arte é sempre a mesma coisa: arte”. Para ele, “o novo artista tinha que ser ele mesmo criativo sem precisar das reliquias tradicionais dopassado. Ele poderá descobrir em si mesmo a pedra fundamental para construir sobre ela a sua obra. Mas, onde buscavam seus temas? Já vimos que o tema de suas obras não vinhamdo mundo exterior, mas deles mesmos. Suas obras emanavam sempre do que se poderia chamar vida interior. Brotavam de suas imaginações sempre em ebulição. Não tinham modelos. Não havia, tampouco, ideais a buscar. Por isso, suas cores são fortes, primárias e perturbadoras. Pechstein sempre procurou expressar o desejo que tinha de experiências alegres. Disse, em certa ocasião, que “a arte é e continua a ser aquilo que traz alegria para a minha vida. Seus amarelos e vermelhos parecem estar dançando uma fantástica sarabanda cheia de febre dionisíaca. A arte de expressar era a arte de abrir o mundo para os sentidos do corpo. Hermenêutica é a ciên 20F abrir o mundo para os sentidos do corpo. Hermenêutica é a ciência dedicada a entender as coisas por meio do processo da interpretação. Que se exige para a realização dessa tarefa? Depende, naturalmente, de quem faz a exigência. A hermenêutica Ilda com expressões. As expressões que são seu objeto estão envolvidas sempre numa aura de mistério.

Que estaremos esperando quandodizemos que a linguagem, os sinais e os s[mbolos precisam se tornar claros? Experimentamos entre a coisa e sua expressão desconcertante hiato. Alguns escritores chegam mesmo a dizer que entre a oisa e sua expressão aprofunda-se imenso abismo. Conceitos como “tradução”, “representação”, “manifestação”, “narrativa” e “descrição” pertencem a esta rede de significação. No conhecido quadro de Munch, “O grito”, vemos estranha figura humana sobre imponderável ponte correndo para não se sabe onde com expressões de horror e pavor.

As cores dramáticas representam o céu agonizante. A mistura de tintas e traços expressam a aura de certo mistério tremendo e selvagem. Que estaria Munch pretendendo expressar com esse obra? Será que essa pergunta é importante? Será que a apreciação e tão enigmático quadro depende de nossa resposta? Estaria ele, e seus amigos expressionistas esperando, talvez, pela manifestação do sagrado? Ernst Barlach, outro pintor dessa corrente, confessava que “a observação mítica” era para ele a base de toda arte. “A capacidade de criar a partir de Visões é arte divina… uito melhor do que a arte doreal. Ter visões , – concluía, – é ter a capacidade de observações sensoriais”. Max Beckmann estava interessado em desenvolver o es é ter a capacidade de observações sensoriais”. Max Beckmann estava interessado em desenvolver o estilo contrário ? decoração exterior”. Queria alcançar o que chamava de “alma das coisas”. Confessava: “Que podemos fazer, nós pobres seres humanos, se não estivermos preparados para evocar a terra, o amor, a arte e a religião, para conseguir cobrir um pouco este buraco escuro que é a vida humana?

Este é o sentimento de quem se encontra abandonado para sempre pela eternidade. Isto é o que chamo de solidão. ” Haverá alguma relação entre o ‘buraco escuro” da vida humana e o que chamamos de “sagrado”? Poderia o sagrado ser expresso por meio da arte? Haverá alguma afinidade entre as cores e o numinoso? Lembro- me neste momento das agonizantes pinturas do católico Georges Rouault cheias de traços dramáticos e de cores fortes para desenhar a figura de Cristo. Pergunto-me se esse tipo de arte poderia representar o sinal dessa possibilidade. Paul Tillich entende que “a palavra ‘expressão’ requer alguma consideração.

Em primeiro lugar, – diz ele, – é óbvio que se alguma coisa expressa alguma outra coisa — como, por exemplo, a linguagem expressa o pensamento, – essas duas coisas não são idênticas. Há um hiato entre aquilo que expressa e o que é expressado”. Ele entende que o ato da expressão “revela e oculta ao mesmo tempo”. A expressão envolveria dois pólos. Temos de um lado o emissor ou fonte da expressão e, de outro, o receptor. Para Tillich trata-se da manifestação de “algo oculto” mesmo se a pessoa que recebe essa manifestação “seja capaz de distinguir entre a expressão e aquilo que está sendo expresso”.

Ele contin 40F manifestação “seja capaz de distinguir entre a expressão e aquilo que está sendo expresso”. Ele continua afirmando que há três tipos de expressão dosagrado (que ele denomina “realidade suprema”) : filosofia, arte e religião. Os primeiros dois tipos seriam expressões indiretas do sagrado, e a religião a sua expressão direta. Na religião “o sagrado se manifesta por meio de experiências extáticas de caráter revelatório concreto e se expressa por meio de símbolos e mitos” [1] Neste ponto Tillich torna-se seletivo e tendencioso.

Muitosdos antigos filósofos gregos reconheciam a ocorrência de experiências de êxtase relacionadas com a contemplação das idéias puras. O mesmo se poderia dizer a respeito de certas experiências de natureza estética. Será possivel e suficiente dizer que as experiências ilosóficas e artísticas limitam-se apenas a experiências indiretas do sagrado? Quero apenas relembrar especificamente o caráter concreto das manifestações estéticas. Voltarei a Tillich mais adiante. Neste momento, porém, quero considerar a maneira como as experiências religiosas bem como todas as demais expressões culturais pertencem ? nossa humanidade.

Pertencem ao ser humanona sua totalidade. Já mencionamos a existência de certa distância entre a expressão e a coisa expressa. Que tipo de distância será essa? Parece óbvio que a coisa expressa sempre depende para essa expressão a nossa capacidade para expressá-la. Mas há certa distância – poderíamos dizer, “diferença”- entre uma coisa e outra. A transição de um pólo para o outro , entre a coisa e sua expressão, torna a situação mais problemática. Quero assinalar outro , entre a coisa e sua expressão, torna a situação mais problemática.

Quero assinalar aqui o termo “transição”. Tanto os antigos gregos como os medievais entendiam que nossos discursos eram pontes entre a coisa e, digamos, nós, os produtoresdo discurso. Se conseguíssemos encontrar a palavra adequada para situar a coisa na razão, as palavras e as coisas cabavam participandoda mesma substância. Diríamos em outras palavras que a distância e a diferença eram superadas pelo poder de nossa fala. Os escolásticos acreditavam que não havia nadana razão que não tivesse passado, antes, pela sensibilidade.

Essa maneira de encarar a realidade seria expandida, mais tarde, pelos empiristas ingleses. Permanecia a questão seguinte: seria a mesma realidade a coisa em nossa razão e a mesma coisa em nossa sensibilidade? Parece-nos claro, hoje, que esses dois tipos de coisas não eram a coisa em si. Esses dois tipos seriam a coisa em nossa razão e a coisa em ossa sensibilidade. A fenomenologia nos ensina que a coisa em si não é importante uma vez que jamais se dá a nós como tal. Só temos acesso a ela à medida que nossa possibilidade de apreensão o permite.

Dessa forma reconhecemos existir nacoisa certo elemento escorregadio, cuja função consistiria em se esconder de nós sempre que procuramos nos aproximar dele. É o que estamos acostumados a chamar de “mistério”. Paradoxalmente, esse elemento torna-se perceptivel e aparece, por assim dizer, enquanto não aparece. Trata-se de um não-aparecimento. Assim, estamos tratando da presença de algo que permanece ausente. Mas essa ausência não se constitui em objeto porque escap presença de algo que permanece ausente. Mas essa ausência não se constitui em objeto porque escapa das nossas categorias ordinárias de apreensão.

Em outras palavras, não se objetifica. O ato do aparecimento da coisa em nossa consciência tem a forma da representação. A coisa presente na consciência transforma-sena própria consciência. Quero dizer que a consciência não é uma outra entidade que se constituiria fora dela. A consciência é precisamente o resultado desse encontro da minha sensibilidade com a coisa e da sua transposição para razão. Poderíamos, no entanto, insistir com a questão: que é a coisana consciência? A resposta seria esta: ela é a consciência da coisa.

Em outras palavras, acontece nesse processo a estranha alquimia da transformação do que Descartes chamou de res extensa no que ele entendia por res cogitans. A coisa, na verdade, deixa de existir em si, como tal. Ou, olhado de outro ângulo, a existência dela em si já não nos interessa porque não conseguimos mais alcançá-la. O que nos interessa agora é a consciência da coisa. A consciência, assim constituída, abre-se para o mundo por meio da representação. E a representação opera por meio de palavras, sinais, símbolos, mitos e artes.

Rainer Maria Rilke expressou-se a respeito da seguinte maneira: “Não estaremos aqui, talvez, para dizer, casa, fonte, portão, moringa, árvore frutífera, janela, – possivelmente, Pilar, torre? Mas para dizer essas coisas, relembremos, 0h, para pronunciá-las de tal maneira que elas mesmas, as coisas, jamais pudessem imaginar ser com tamanha intensidade” [2] A modernidade assimilou convenientemente os ac pudessem imaginar ser com tamanha intensidade” [2] . A modernidade assimilou convenientemente os achados de René Descartes a respeito da constituição da realidade.

Para ele, os seres humanos eram sujeitos sem objeto, voltados sobre si mesmos e jogados num mundo sem sujeito. O conceito de res extensa está nabase do desenvolvimento da ciência moderna e da tecnologia que conhecemos. Tanto a ciência como a tecnologia tratam das coisas como se fossem seres independentes. Quando o ser humano foi reduzido à res cogitans (Husserl algum tempo depois corrigiria Descartes transformando a res cogitans em res cogitans cogitatum), flutuando no vazio, tendo que se relacionar com a res extensa , comandado pela atividade mágica a res divina, tudo se transformou em objeto.

No fundo da questão que estamos considerando, encontra-se a questão da referência. Segundo Descartes não poderia haver qualquer conexão natural entre a razão e a matéria. Estaria querendo dizer que o ser humano, reduzido à razão, será uma entidade sem referência? Naturalmente, providenciou engenhosa ponte mística para fazer andar a sua metodologia. E Deus foi essa explicação. Talvez “ponte” não seja a melhor imagem para esse tipo de explicação metafísica. Seria melhor atribuir ao Deus cartesiano as imagens de “hiato” ou “distância”.

O reino de Deus eria o abismo intransponível que separava a razão da matéria. Não estou muito certo de que Descartes concordaria com esta interpretação de sua res divina. Sua visão de mundo não estava preparada para enfrentar abismos e diferenças. Tratava-se de um mundoedificado sobre a infalibilidade da razão e gove 80F abismos e diferenças. Tratava-se de um mundoedlficado sobre a infalibilidade da razão e governado pela ordem, pela unidade e pelo sentido. Para que alguma coisa fosse expressa era preciso partir da coisa a ser expressa.

Tal princ[pio tornava- se problemático quandoaplicado ao tema que estamos onsiderando, a saber, o sagrado. É que o sagrado não é uma coisa dada ao nosso conhecimento sensível. Não se trata de objeto detectável pelos nossos sentidos. O sagrado caracteriza- se sempre pela ausência. De que maneira, então, será possiVel considerá-lo elemento da “realidade” mesmo se essa for “a realidade suprema”? Tillich, como já vimos, acreditava que o sagrado era a manifestação de algo oculto (talvez escondido no abismo? ) e entendia que a pessoa experimentando osagrado era capaz de fazer distinção entre a expressão e a coisa expressa.

Percebemos no fundamento desta afirmação a presença da ilosofia realista. Em outras palavras, pressupunha-se que a realidade poderia ser, finalmente, não apenas entendida mas também apreendida. Entretanto, grande partedos pensadores pós-modernos não demonstram essa mesma predisposição. Quando Derrida, por exemplo, procura desconstruir expressões literárias e põe todas as manifestações das coisas “escondidas” sous rature [3] ele se situa muito além do que os filósofos da religião têm entendido por hierofania, por exemplo.

Mircea Eliade acredita que “embora não possamos descrever o elemento numinoso como tal, podemos, pelo menos, descrever como ele e manifesta” [4] . Sob ângulo mais cético poderíamos perguntar a Eliade como é que ele sabe que as manifestações “a” ou “b” sejam cético poderíamos perguntar a Eliade como é que ele sabe que as manifestações “a” ou ‘b” sejam, verdadeiramente, manifestações do sagrado? O mesmo Eliade tem consciência das dificuldades enfrentadas pelo que chama de “homem moderno” para discernir sobre esse tipo de manifestação.

Desconfio que ele mesmo se inclua na categoria de “homem moderno’ mesmo quando se dá conta de que o sagrado sobrevive sepultado na escuridão de seu inconsciente. Paul Ricoeur parece situar o que chama de experiência do sagrado no “nível estético da experiência em vez do verbal”, e utiliza a palavra “estético” no “sentido kantiano de articulação no tempo e espaço”. Tem consciência da necessidade do conceito de “imaginação” para poder permanecer nessa esfera [5] .

Na Crítica da faculdade do juizo Kant entende a imaginação como a capacidade da razão para apresentar as idéias por meio de imagens. Não me parece muito difícil pular dai para a arte pós-moderna. Yve-Alain Bois entende que as formas da arte pós-modernapretendem “suplantar a orça legislativa doconteúdo referencial por meio da afirmação material do contexto cuja realidade a representação sempre quis reprimir” [6] .

Mesmo quando tentamos separar o discurso e o sagrado, o mito e o ritual ainda precisamos da palavra falada ou escrita. Ricoeur afirma que “atualmente lemos os mitos, transformando- os em literatura, muito embora no passado os tenhamos separado do ato da recitação que garantia a sua ligação com a ação ritual” [7] . Ricoeur, enquanto cristão professo, não hesita em reconhecer por detrásdo mito, aquilo que torna possível a articulação lingüística, “o elemento ant 0 DF

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