Resenha documentario noticia de uma guerra particular

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Notícias de uma guerra: apontamentosl . Henrique Finc02 Programa de Pós-Graduaçao em Literatura da UFSC 1. Pequena introdução Aqui estão alguns apontamentos sobre um dos filmes mais importantes do cinema brasileiro contemporâneo, o N otícias de uma guerra particular, de João Moreira Sanes e Katia Lund, de Iggg_ Após uma breve resenha, será esboçada uma or16 discussão sobre a rel “o to view nut*ge documentários e filmes de ficção -es algumas estrat égias narrativas utilizadas no filme. . Uma resenha possível do filme racampo em filmes serão discutidas Inicialmente produzido para ser veiculado pela televisão 3, o ocumentário Notícias de uma guerra particular enfoca o tráfico de drogas no Rio de Janeiro, especialmente no que acontece c om sua ponta mais visível, que é o do varejo em larga escala enraizado em favelas e periferias, tendo sido filmado, em sua maior parte, no Morro Santa Marta, que na época tinha Marcinho VP como o gerente do tráfico.

A estrutura narrativa predominante no filme é a dos (traficantes, policiais e moradores) são destacados um ou dois entrevistados que aprofundam o ponto de vista daquele segmento. pelo lado dos traficantes, é Adriano quem faz este papel; pelos oradores, é principalmente o casal Janete e Adão; pelos policiais, são o capitão Comunicado apresentado no MO Simpósio Roa Bastos, em 09 de outubro de 2009, no Centro de Comunicação e Expressão da Universidade Federal de Santa Catanna (IJFSC), coordenado pela profa.

Dra. Alai Garcia Diniz. Aluno de Doutorado do Programa de Pós-Graduação em Literatura da IJFSC; Professor do Curso de anema da UFSC. in http://portalliteral. terra. com. br/artigos/contradicoes -e- pirataria. R odrigo Pimentel (do Batalhão de Operações Especiais – BOPE) e o então chefe da Pol[cia Civil do Rio de Janeiro, delegado Hélio Luz. Além destes, há depoimentos que situam e contam a história do tráfico de drogas no Rio de Janeiro e a gênese e formação do Comando Vermelho.

Quem traça um contorno histórico do tráfico são Paulo Lins, que mais tarde publicaria o livro C idade de Deus e s eria co-roteirista do filme de mesmo nome, e Carlos Gre ório, o Gordo, um dos fundadores do Comando It’s All True, em 2000. Este filme tem uma importância fundamental na cinematografia recente brasileira, pois pode-se dizer que foi uma base e referência para outros filmes importantes, como Ônibus 174, Cidade de Deus e Tropa de Elite.

R odrigo Pimentel, c apitão do BOPE que aparece em crise no filme Notícias de uma Guerra Particular, post eriormente participou do filme Ônibus 174, escreveu o livro Elite da tropa, no qual foi inspirado o filme Tropa de Elite, filme em que ele atuou como consultor e também como um de seus roteiristas. Sobre sua participação em Notícias de uma guerra particular, ele c onta4 que f oi escalado para acompanhar o filme, pelo comando do BOPE, como um espião e um censor: no filme, acabou por desabafar pub licamente seu descontentamento.

Oficial considerado modelo, tendo Sldo vánas vezes condecorado, a partir deste filme, passou a ser olhado com esconfiança pelos superiores e sua carreira no BOPE sofreu uma inflexão aguda, chegando ao ponto de ficar preso por oitenta dias 5. Paulo Lins, além de autor do livro Cidade Deus, foi co-roteirista do filme homônimo e Katia Lund, ao lado de Fernando Meireles, co-dirigiu C idade de Deus. Também considero importante o fato de que Katla Lund teve que se explicar ? policia devido a seu trânsito junto ao Marcinho VP 6.

João Moreira Salles, por sua vez, impressionado com a inteli ência e articulação de Marcinho VP, tentou aiudá- lo bolsa de estudos durante quatro meses . Por causa disto, foi condenado pela justiça, tendo como pena a brigatoriedade de 4 in http://www. webcine. com. br/notaspro/ngp. htm. Curioso é que este filme incomodou a polícia carioca, enquanto o filme ficcional Tropa de Elite, que tratava do mesmo tema, foi recebida por ela com aplausos. 6 in http://www. terra. com. br/istoe/1722/1722vermelhas_03. htm 2 trabalho voluntário, que ele conver teu em dar aulas em uma comunidade carente do Rio de Janeiro 7. 3.

O universo do filme ou o campo, o extracampo e a diegese C onsiderando os filmes em si, como obras audiovisuais prontas a serem exibidas em uma tela, CAMPO é o que aparece na tela, o que o espectador vê oncretamente, e EXTRACAMPO 8 é o que, embora tenha relação com o que está sendo visto na tela, não é visto pelo espectador naquele exato momento. Portanto, quando se fala em extracampo, especialmente para filmes de ficção, fala -se de uma cenografia provável e, importante, de algo que a rigor faz parte da diegese 9 daquele filme específico; ou seja: embora não apareça, faz parte do “universo” onde a avião, um carro, etc. se dirige para uma das margens da tela, “desaparecendo”, podendo surgir em qualquer outro canto, em algum plano posterior. para os filmes de ficção, como regra geral isto é apenas lusão: o alguém a quem a personagem se dirige não está lé de fato, ou a paisagem (ou coisa) que pretensamente deveria estar localizada na direção do olhar da personagem, provavelmente não está lá, assim como o lugar para onde se dirige a personagem ou objeto também não corresponde a uma continuidade física do cenario que se ve projetado na tela.

Porém, como observa Aumont ( 1995, pp. 157), haveria elementos significantes utilizados em filmes e, portanto percebidos pelos espectadores e que influenciam o significado do está sendo projetado, que não fariam parte da diegese o filme, como é o caso, por exemplo, de uma musica de fundo que não tenha origem em nada do que está na tela, como um rádio, um cd plêier, etc. Mas aqui, temos um paradoxo lógico: se este elemento não está contido na narrativa, como explicar que ele faça parte da narrativa? 7 in http://www. criticos. com. r/new/artigos/crltica_interna. asp ? artigo=94 Um sinônimo de extracampo é fora de campo. Prefiro o primeiro termo por ser mais inclusivo. Para um aprofundamento , ver Aumont (1995). que abrange TODOS os elementos que compõem o relato audiovisual, aí inclu(dos a trilha sonora e o extracampo. O termo diegese (e seus derivados) tem sido utllizado no âmbito da análise de filmes de ficção – onde o espaço diegético, simplificadamente, seria o “mundo” criado por aquela narrativa em particular. Porém, poder-se- ia empregar este termo em filmes não-ficcionais?

Acredito que sim, uma vez que mesmo para a classe de filmes em que o extracampo é de fato uma continuação física e temporal do campo – a r eferência é a de filmes documentários de um gênero muito específico: os que dispensam reconstituições históricas ou simulações cenográficas e que pertencem ao que se ode chamar uma tradição do cinema direto e do c inéma vérité, onde o representado corresponde a um fragmento do real histórico – também há uma narrativa e uma histór ia, como também, não raro, há a representação (indivíduo ou indlviduos representando a si mesmos, ou à idéia que têm de si mesmos).

Transportando o que foi dito mais acima, sobre a relação entre o extracampo e o espaço diegético, podemos afirmar que, para esta classe e este gênero de filmes, o espaço que faz parte da realidade histórica na qual estão imersos tanto os produtores do filme quanto os protagonistas epresentados e os espectadores, é parte constituinte da diegese do filme – na verdade, de cada um dos filmes feitos com estas características, Ja que o que aparece na tela é apenas campo possível (e o que campo possível (e o que não aparece — tudo o que não aparece – é extracampo), a context ualização histórica e social do filme faz parte do filme e é fundamenta I ser levada em conta no momento de sua análise ou crítica. A diegese destes tipos de filmes, portanto, é o próprio mundo real. Portanto, como aqui se trata de uma breve análise do filme Notícias de uma guerra particular, é necessário apresentar, pelo menos arcialmente, o c ontexto em que este filme foi feito, o que poderia ser dito: é necessário apresentar e comentar seu “cenário”, para que possamos definir com mais clareza sua forma narrativa específica.

O cenário é o Rio de Janeiro e, mais especificamen te, o ambiente das f avelas cariocas, que comparece através da favela do Morro Santa Marta, local onde há intenso comércio varejista de drogas ilícitas e local alvo também de volentos confrontos armados entre traficantes e policiais. Como o próprio filme a dverte, logo em seu início: as favelas não são os únicos lugares onde há tráfico e drogas, mas são os mais visados pela repressão policial. Mesmo porque, como diz um dos entrevistados no filme, o delegado Hélio Luz, os “donos” do t ráfico nos morros não passam de gerentes de um comércio varejista. Presume-se que algum grande atacadista de drogas (e certamente também de armas) os abastece, provavelmente sobre o tráfico de drogas no Rio de Janeiro, sem virar porta- voz de uma parte ou outra, e sem o enfoque sensacionalista (ou alarmista) da midia tradicional? ara isto, os realizadores deste filme criaram uma estratégia narrativa, que acabará por s er elemento constituinte e um a diegese própria do filme. 4. Estratégias narrativas D entro do que autores como Bill Nichols (1994, 2005), do ponto de vista formal, ou seja: narrativo e estético, classificam os filmes documentários, o filme Notícias de uma guerra particular apresenta quase todos os traços de um filme documentário tradicional. Não há nenhuma ousadia formal, nenhuma nova proposta estética. Longe de ser uma “ingenuidade”, isto é uma estratégia discutirei aqui, e certamente tam bém é reflexo de uma confiança por parte dos diretores na objetividade do real, ou pelo menos daquela realidade flagrada.

C omo nos documentários classificados como “a voz de Deus” 1 1, este filme começa com uma viatura da polícia civil carioca adentrando o po rtão de um depósito de sucata, tendo como fundo sonoro a voz over de um locutor, que nos dlz: Na primeira terça-feira de cada mês, um camburão escoltado por três carros da polícia civil, deixa a Avenida suburbana no Rio de Janeiro, sede da Delegacia de Repressão ao Entorpecente e vem para este Ferro Velho no Ca•u. O comboio transporta toda a droga PAGF quatro toneladas. Em duas horas, tudo será incinerado em um forno de alta temperatura… 10 Como mostra, entre tantos exemplos, a reportagem Devassa na Justiça, publicada na revista Carta Capital, edição no 565, de 30 de setembro de 2009. Para esta classificação, ver, por exemplo, Nichols (1 994 e 2005). Enquanto o locutor fala, as imagens mostram a droga sendo descarregada e um forno sendo aceso.

A voz over c ontinua apresentando dados e estatísticas, como a relação entre tráfico e homicídios, etc. Depois de relatar que na época o tráfico de drogas empregava 100 mil pessoas, o mesmo número de funcionários da Prefeitura do Rio de Janeiro, a voz nos informa que ( este programa, odado ao longo de 97 e 98 ouviu as pessoas mais diretamente envolvidas neste conflito: o policial, o traficante e, no m eio do fogo cruzado, o morador. Quando o locutor começa a comparação entre o número de empregados no tráfico e o de funcionários da prefeitura, a imagem, que até então era a da droga sendo incinerada, passa a ser a da vista aérea de uma favela — provavelmente a do Morro Santa Marta. com o ruído de um helicóptero ao fundo.

Este primeiro bloco do filme é encerrado exatamente após o locutor pronunciar , com o ruído semelhante particular, vazado em letras brancas com uma fonte tipográfica emelhante a das manchetes de jornais diários 12. Em segulda, o ruido se repete, como na passagem para um novo eslaide, e o que se segue é um outro fundo preto, onde está escrito . com a mesma família tipográfica do texto anterior), vazado em branco : O policial. N ovamente o ruído da passagem para um novo eslaide e aparece um jovem p olicial fardado, arrumando seus apetrechos de ofício. Ao fundo se ouve ruídos típicos de um quartel militar. Um letreiro em duas linhas, sobreposto à imagem, informa o seguinte: Capitão Pimentel/Batalhão de Operações Especiais – BOPE.

Em seguida, o Capitão Pimentel (Rodrigo Pimentel), dá um depoimento sobre o que sente e suas motivações como policial. Ouve-se, então, a voz do documentarista: Vou fazer uma pergunta: você gostaria de ter participado de uma guerra ? Na sequência, aparece o capitão Pimentel entr ando no campo de treinamento do BOPE, com imagem tremida, feita com câmera na mão. Ouve-se disparos de armas de fogo ao fundo, enquanto, em off, ele responde à pergunta: O lha, eu estou participando de uma guerra. Acontece que estou voltando para casa todo o dia. É a única diferença. Com a f ala, este bloco se encerra e o próximo inicia com uma nova simulação de eslaide, 12

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