Técnica dietética

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Educação alimentar Alimentos funcionais: quando a boa nutrição melhora a nossa saúde CARLOS KUSANO B. FERRARI ELIZABETH A. F. S. TORRES em foco O texto discute o pa das doenças, enfatiza Também se descreve componentes alimen 1. Introdução OFII Swip page ais na prevenção nea e oriental. ais papéis de alguns Não foi por acaso que no século XV Pedro Álvares Cabral e outros bravos navegadores portugueses deram início às grandes navegações e, portanto, ao processo de globalização.

Um dos grandes objectivos era chegar até às Indias para obter as cobiçadas especiarias ou condimentos, como o timo, a sálvia, o oentro e Carlos Kusano B. Ferrari é doutorando em Saúde Pública do Departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública da USP e membro da Society for Experimental Biology and Medicine. Elizabeth A F. S. Torres é professora associada do Departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP). astecas e maias a partir do cacau (Theobroma cacau) e servido quente na forma de bebida.

O cacau e o chocolate também contêm substâncias com diversas propriedades funcionais, sendo úteis no tratamento auxiliar do mal de Parkinson, de mastites, e hepatopatias, de impotência sexual, febre, cistites, resfriados, queimaduras, asma e bronquites, diabetes e obesidade (Duke, 2000). As principais substâncias funcionais compreendem a quercetina (também presente na cebola e no alho), a rutina, os ácidos ferúlico, cafeico e cumárico (entre outros), as catequinas (também presentes nos chás verde e preto do Oriente), as metilxantinas (teofilina, teobromina, cafeina, etc. , vários polifenólicos e flavonóides (Ramasarma, 2000; Rowland, 1999). Nativo das Américas, o Brasil é um dos maiores produtores mundiais de cacau. Pode definir-se como limento funcional aquele que apresenta efeitos fisiológicos benéficos à saúde do homem, tanto para prevenir quanto para tratar doenças (Machado e Santiago, 2001). Mas esta definição, incluindo o tratamento de doenças, está longe de conseguir um consenso a nível internacional (EUA e Europa).

Vários alimentos funcionais muito importantes são consumidos nas diversas dietas dos povos da região do Mediterrâneo, compreendendo, pois, a Espanha, a França, a Grécia, a Itália e Portugal, entre outros (James, Duthie e Wahle, 1989; Trichopoulou e Vasilopoulou, 2000). VOL. 20, N. 2 — JULHO/DEZEMBRO 2002 31 20F peixe e os frutos do mar, entre outros, constituem importantes alimentos funcionais que ajudam a prevenir ou mesmo servem como tratamento paliativo para doenças (Machado e Santiago, 2001; Ferrari e Torres, 2002). . A importância da alimentação controlada em calorias e gorduras, mas rica em alimentos vegetais Diversos estudos epidemiológicos e laboratoriais (tanto in vitro quanto in vivo) têm demonstrado que dietas ricas em calorias e lipídios estão associadas a maior risco de doenças cárdio- vasculares, diabetes e certos tipos de câncer (Willet, 1994; Ferrari, 2001).

Os principais mecanismos fisiopatológicos são constituídos pelas reacções de peroxidação de lipídios e do ADN provocadas por espécies reactivas do oxigénio e do nitrogénio (Djuric et al. , 1998; Ferrari, 2001; Halliwell, 1999). Ao contrário, existem associações inversas ou negativas entre o consumo de alimentos vegetais e os riscos de câncer, diabetes, obesidade e diversos tipos de câncer (Djuric et al. , 1998; Ferrari, 2001; Halliwel, 1999; Weisburger, 2000).

A influência das dietas orientais e mediterrâneas sobre o perfil de morbi-mortalidade por doenças árdio-vasculares e câncer é notável, visto que, apesar de o consumo per capita de bebidas alcoólicas no Oriente e no Mediterrâneo ser maior do que o do Ocidente (Estados Unidos, diga-se), o consumo de frutas e verduras é maior naqueles países e menor nos Estados Unidos, país em que a ingestão calórica e lipídica por habitante é muito superior, comparado com os parses das regiões supracitadas.

Assim, estas dietas menos calóricas e lipídicas e muito mais ricas em vitaminas e fibras têm sido uma das explicações do porquê a mortalidade por doenças cárdio- vasculares é muito menor nos país asculares é muito menor nos países do Mediterrâneo e Oriente em relação aos Estados Unidos (James, Duthie e Wahle, 1989; Nacif et al. , 1998; Trichopoulou e vasilopoulou, 2000; Weisburger, 2000; Willett, 1994). Neste sentido, Djuric et al. 1998) demonstraram existir uma associação positiva entre o consumo de carnes e danos oxidativos ao ADN; também houve uma associação inversa entre consumo de vegetais e danos oxidativos ao ADN, principal biomarcador de risco de câncer (Halliwell, 1999). O elevado consumo de carnes e de lacticínios nos Estados Unidos constitui um importante factor de risco ara doenças cárdio-vasculares e certos tipos de cânceres (Kushi, Lenart e Willett, 1995; Ferrari, 2001; Weisburger, 2000).

Na China, a suplementação dietética com vitaminas diminuiu o risco de câncer gastroesofágico (Yang, 2000). É importante considerar que o moderado consumo de leite e seus derivados, uma das características da dieta mediterrânea (Nacif et al. , 1998; Trichopoulou e Vasilopoulou, 2000), traz benefícios à saúde, pois produtos lácteos fermentados melhoram a digestão e regulam a microbiota intestinal, impedindo a proliferação de microrganismos patogénicos (Sgarbieri e Pacheco, 2000).

O consumo de vinho na região mediterrânea reduz o risco de mor- talidade por doenças cárdio-vasculares (James, Duthie e Wahle, 1989; Kushi, L enart e Willett, 1995). Sabe-se que os vinhos, principalmente os tintos, apresentam elevados teores de polifenólicos (como resveratrole, anticarcinogénico e as cianidinas e antocianinas que são antioxidantes e diminuem a agregação de plaquetária) (Ferrari e Torres, 2002; Kushl, Lenart e Willett, 1995; Machado e Santiago, 200 40F plaquetária) (Ferrari e Torres, 2002; Kushl, Lenart e Willett, 1995; Machado e Santiago, 2001).

O consumo de suco de uva arece resultar nos mesmos efeitos benéficos dos vinhos, sem os efeitos prejudiciais do álcool (Sgarbieri e Pacheco, 1999). No Extremo Oriente o consumo de chás, especialmente o verde, constitui um importante factor de protecção contra doenças cárdio-vasculares e o câncer devido à presença de catequinas antioxidantes e antitumorais (Ramasarma, 2000; Sgarbieri e Pacheco, 1 g99; Rowland, 1999).

Outros alimentos funcionais importantes e que necessitam de ser consumidos diariamente são as frutas, hortaliças, legumes e grãos, que, de modo geral, propiciam ao organismo um elevado aporte de vitaminas, inerais, fitoquímicos (antioxidantes e anticarcinogénlcos) e fibras essencial para o bom funcionamento do organismo e para a manutenção da saúde (Pacheco e Sgarbieri, 1999; Rowland, 1999). 3.

As dietas ocidentais vêm adoptando elevados teores de calorias, gorduras e açúcares refinados e baixas quantidades de alimentos saudáveis ou funcionais Ao discutir padrões alimentares pouco saudáveis, quase sempre se tem pensado na dieta dos Estados Unidos e de países europeus com elevado índice de desenvolvimento. Porém, outros países, mesmo em desenvolvimento, têm adoptado práticas dietéticas indesejáveis. REVISTA PORTUGUESA DE SAUDE PUBLICA Num estudo sobre consumo alimentar com a participação de 548 habitantes do município de Cotia, no Estado de São Paulo (Brasil), cujas idades variavam de 20 a 88 anos, observou-se inadequado consumo de vitamina A e ao foi verificado em verificado em relação à vitamina C (Velásquez-Melendez et al. , 1997).

Avaliando as mudanças na composição da dieta familiar em áreas metropolitanas do Brasil (1988 x 1996), observou-se crescimento da participação de carnes e derivados (10,8% para 13,2%), leite e latic(nios (8,0 para 8,2%) e açúcares refinados refrigerantes (13,2% para 13,7%), fenómeno extremamente negativo para a saúde colectiva (Monteiro, Mondini e Costa, 2000). O consumo de ovos (1 ,5% para 1,0%), verduras e legumes (0,6% para 0,5%), frutas e sucos naturais (3,2% para 3,0%) e do grupo raízes, tubérculos e derivados (4,6% para 4,0%) sofreu diminuição.

Também se verificou a estagnação do consumo de cereais (34,8%) e leguminosas (5,7%). Embora tenha ocorrido uma diminuição do consumo de colesterol na Região Centro-sul (108,8 para 107,6 mg/ 1000 kcal), tendência inversa foi observada no Norte-Nordeste (114,5 para 118,9 mg/ 1000 kcal), sendo que mbos os valores superaram o limite preconizado de 100 mg/ 1000 kcal. A participação dos ácidos graxos saturados também aumentou.

Embora a participação energética das gorduras tenha diminuído na Região Centro-Sul, os seus níveis elevaram- se no Norte-Nordeste e encontram-se muito próximos do limite de 30% (Monteiro, Mondini e Costa, 2000). Em suma, cresceu a participação do consumo de alimentos contendo substâncias susceptíveis à oxidação (produtos de origem animal ricos em gorduras e colesterol), o que pode representar maior risco de ocorrência de aterosclerose e câncer.

Ademais, com a diminuição da participação de diversos grupos de alimentos de origem vegetal, diminuíram as ingestões de substâncias funcionais antioxidantes, o que também pode elevar o risco de diversas doenças. Outro estudo, que ava funcionais antioxidantes, o que também pode elevar o risco de diversas doenças. Outro estudo, que avaliou o perfil de lipídios no sangue de crianças das cidades do Porto (Portugal) e de Munique (Alemanha), revelou que os níveis de ácidos graxos monoinsaturados e polinsaturados (n-3) foram menores nas crianças do Porto em relação às de Munique (Guerra,

Feldl e Koletzko, 2001 Como a ingestão de ácidos graxos polinsaturados (n-3) é benéfica para a saúde (especialmente devido à diminuição de agregação de plaquetas no sangue) e comummente encontrada na dieta mediterrânea (rica em óleos vegetais e peixe), tal estudo sugere que a alimentação das crianças de Portugal pode estar a sofrer transformações que são prejudiciais à saúde.

Ressalta-se que a ingestão de óleo de oliva, outra característica da dieta mediterrânea (Trichopoulou e Vasilopoulou, 2000), é extremamente benéfica à saúde, uma vez que tal óleo é rico em ácidos graxos monoinsaturados, capazes e diminuirem o risco de doenças cárdio-vasculares e de certos tipos de cânceres, elevando a expectativa de vida das populações da região (Kushi, Lenart e Willett, 1995; Nacif et al. , 1998; Trichopoulou e Vasilopoulou, 2000). Neste sentido, De Ia Cruz et al. 2000) observaram que a administração de óleo de oliva a ratos hiperlipidémicos diminuiu os índices de oxidação lipídica no cérebro (20,3%), na aorta (63,6%), nas plaquetas (72%) e no coração (84,5%) dos animais. Deve ser lembrado que os peixes, multo consumidos no Mediterrâneo e no Extremo Oriente, ambém são ricos em ácidos graxos polinsaturados, sendo, portanto, alimentos funcionais benéficos à saúde (Kushi, Lenart e Willett, 1995; Nacif et al. , 1998; sgarbieri e Pacheco, 1999). 4. Discussão e concl e Willett, 1995; Nacif et al. , 1998; Sgarbieri e Pacheco, 1999). 4.

Discussão e conclusão Uma das teorias explicativas da causalidade e evolução do processo saúde-doença, o modelo de história natural das doenças, proposto por Leavell e Clark na década de 1970, distingue três níveis de prevenção das doenças (Forattini, 1992): • Prevenção primária: trata-se de acções de promoção da saúde educação para a saúde, educação para a melhoria da nutrição populacional, etc. ) e prevenção do agravo específico (adição de iodo ao sal de cozinha para a prevenção do bócio, enriquecimento de alimentos com ferro para a prevenção da anemia, etc. que visam inibir ou impedir que estímulos patogénicos resultem em eventos mórbidos; Prevenção secundária: consiste em medidas que visam o diagnóstico e o tratamento precoces para a recuperação do estado de saúde do indivíduo que foi afectado; Prevenção terciária: trata-se de medidas que visam a reabilitação as funções vitais que foram prejudicadas pela doença. Têm como objectivo tratar disfunções ou sequelas provocadas pela doença após a estabilização do quadro clínico do paciente.

Embora já existam fortes evidências da eficácia do uso da terapia antioxidante tanto no tratamento quanto na recuperação de funções debilitadas, a utilização de antioxidantes através da promoção de uma dieta saudável (e de hábitos também! ) é preconizada por diversos especialistas. Isto porque a prevenção primária, ao evitar a doença, pode diminuir os custos hospitalares com medicamentos, além de diminuir o sofrimento provocado pela doença/dlsfunção e diminuir a mortalidade, melhorando sensivelmente a qualidade de vida da população.

VOL. 20, N. 02 —JULHO/ 02 80F 33 Em relação a este facto, cabe a aplicação do princípio da precaução para controlar os efeitos nocivos de dietas inadequadas e promover o consumo de alimentos benéficos às funções orgânicas, garantindo um bom desempenho do trinómio desenvolvimento-ambiente-comunidade humana (Faria, 2001 Deste modo, o poder executivo, em todas as suas esferas (municipal, estadual e federal), deveria promover campanhas ncentivando o consumo de alimentos funcionais.

Os legisladores deveriam discutir e aprovar leis regulamentando a propaganda de alimentos que sejam nutricionalmente indesejáveis à saúde para que o poder judiciário possa exercer o seu papel resolvendo conflitos que possam surgir (como a propaganda enganosa ou a comercialização de alimentos ricos em calorias e gorduras, mas inadequados para a alimentação da população). FARIA, A. L —A saúde pública para Iá da prevenção : o princípio da precaução (editorial). Revista Portuguesa de Saúde Pública. 19 : 2 (2001) 3. FERRARI, C. K. B. ?? Oxidação lipídica em alimentos e sistemas biológicos : mecanismos gerais e implicações nutricionais e patológicas. Revista de Nutrição. 11 (1998) 3-14. FERRARI, C. K. B. — Oxidative stress pathophysiology : searching for an effective antioxidant protection. International Medical Journal. 8 (2001) 175-184. FERRARI, C. K. B. ; TORRES, E. A. F. S. — Alimentos funcionais : melhorando a nossa saúde. Espaço para a saúde, 2002 (submetido). FORATTINI, O. P. Ecologia, epidemiologia e sociedade. São Paulo : Artes Médicas Edusp, 1992. GUERRA, X; FELD F. KOLETZKO, B. ?? Fatty acid omposition of plasma lipi 1992. GUERRA. A. ; FELDL, F. ; KOLETZKO, B. — Fatty acid composition of plasma lipids in healthy Portuguese children : is the Mediterranean diet disappearing? Annals of Nutrition and Metabolism. 45 (2001 ) 78-81. HALLIWELL, B. — Estabiishing the significance and optimal intake of dietary antioxidants : the biomarker concept. Nutrition Reviews. 57 (1999) 104-113. JAMES, W. P. Ta; DUTHIE, G. G. ; WAHLE, K. W. J — . The Mediterranean diet : protective or simply non-toxic? European Journal of Clinical Nutrition. 43 : suppl. 2 (1989) 31-41. KÀHKÕNEN, M.

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