Teresinha azeredo rios
Terezinha Azerêdo Rios* A Importância dos Conteúdos Socioculturais no Processo Avaliativo Se “continentes” é conteúdo de aulas de Geografia, dá pra pensar que tem muito mais conteúdo que continente neste mundo. “A cabeça da gente é uma só, e as coisas que há e que estão para haver Sáo demais de muitas, muito maiores diferentes, e a gente tem de necessitar de aumentar a cabeça, para o total. ” (Guimarães Rosa) Uma análise crítica d Filosofia, levará sem em conta uma persp profundidade, na bus ra orla to view nut*ge onto de vista da areza e sentido dos fenômenos que se analisam.
Falar do ângulo da Filosofia, é colocar-se em busca da compreensão da realidade. É para o resgate dessa significação da atitude filosófica que procurarei iniciar meu caminho para refletir sobre o tema proposto. Desde o momento em que se sistematiza, estabelecendo de forma mais definida sua abordagem, a Filosofia apresenta-se corno “amor à sabedoria”, entendida esta última como saber total, conhecimento inteiro, orientado no caminho tanto da verdade, como do bem, da felicidade. Ser sábio não significa apenas conhecer a verdade, saber bem, mas também agir bem.
Já se pode buscar aí uma na idéia de sabedoria. Entretanto, quando se fala na perspectiva de abrangência da Filosofia, não se pensa num conhecimento da totalidade. A realidade é, fellzmente, muito maior do que o conhecimento que temos dela. É por isso que estamos sempre em busca. O conhecimento que buscamos, na Filosofia, é um conhecimento na totalidade. Ainda que façamos um recorte no real, escolhendo determinado objeto para nossa investigação, queremos vê-lo em seus diversos ângulos, e mais: procuramos investigá-lo no contexto do qual faz parte, articulando-o com outros elementos deste contexto.
Mestra em Filosofia da Educação pela Pontifícia Universidade atólica de sao paulo – puc,’SP -e professora da PUC/SP. 37 A Filosofia caracteriza-se por ser uma reflexão. Isto quer dizer que ela se volta sobre algo re-fiexão -, no sentido de vê-lo de modo específico. E sobre o que se volta a Filosofia? Ela se volta sobre os problemas que a realidade nos apresenta, sobre as chamadas questões-limites. Questóes-limites nao são perguntas quaisquer.
Referem-se a perguntas que nascem de situações problemáticas e que, portanto, precisam ser respondidas. Aliás, o que as caracterizam como problemáticas é exatamente a necessidade de superação. Ao viver determinadas situações, deparamo-nos com inúmeros obstáculos, mas só alguns, entretanto, merecem a denominação de problemas- são a ueles que têm uma significação especial em n “a solução” do problema. Entretanto, analisando bem, verificamos que os problemas não sofrem uma solução, não são “solvidos”, “solúveis”.
Eles são superáveis, devem ser superados. E quando superamos um problema, não o diluímos – o que fazemos é seguir a dinâmica de um processo, no qual há uma espécie de absorção, um rearranjo de elementos e em que se vai ã frente de forma nova. Não deixamos para trás” os elementos problemáticos; eles vão conosco de outra maneira, incorporados à nossa experiência, que é contínua (RIOS, 1982). Descobrir a “problematicidade” do problema, sua essência, é uma provocação para nós.
Isto porque o que se revela primeiro é a aparência e podemos nos contentar em observar essa manifestação, reduzindo nossa análise à superfície da questão. Sem dúvida, a manifestação é importante – afinal, já se perguntou: “o que seria da essência se não fosse a aparência? “. Entretanto, ir à essência é fundamental, e aí reside a intenção da Filosofia. Enquanto (re)flexão, a Filosofia é sempre Filosofia de. Aqui, procuraremos fazer Filosofia da Educação. Estaremos preocupados, portanto, com o caráter problemático das questões que nos desafiam no âmbito de nosso trabalho enquanto educares.
A nossa questão-problema aqui diz respeito aos conteúdos e ? sua relação com a avaliação no processo educativo. Se ela é efetivamente problemática, é necessário verificar onde está sua “problematicidade” e por onde caminharemos no sentido trabalho, três elementos que são nucleares em nossa reflexão. Ao afirmar, de início, que refletiremos sobre a mportância dos conteúdos, já indlcamos que os conteúdos Importam, têm uma dimensão de valor. Apesar de parecer óbvia tal afirmação, ! ço questão de destacá-la: primeiro, porque sabe-se bem que o proclamado como óbvio na maioria das vezes “não é tão óbvio assim”; segundo, porque, quando se considera a questão dos conteúdos na organização do currículo na escola, por vezes o que se verifica é uma “desimportância” do conteúdo, uma espécie de desconsideração dos aspectos que nele estão implicados e que se articulam com os demais elementos curriculares. Os onteúdos são importantes – é este o nosso ponto de partida. Outro aspecto a ser relevado no título é a adjetivação dada aos conteúdos, que recebem a caracterização de socioculturais.
O leitor perguntará, outra vez pensando no “óbvio”: mas que conteúdo não é sociocultural? E aí também é preciso não ficar apenas na aparência, devendo-se buscar efetivamente a relação do(s) conteúdos) com o contexto no qual se insere a ação educativa, enquanto algo global. Os conteúdos não são de quaisquer natureza – são conteúdos selecionados/ propostos por determinados ujeitos, que mantêm determinadas relações sociais, e que nelas estabelecem formas de atuação peculiares, fundadas em valores criados por eles próprios.
Portanto, há importância nos conteúdos, mas é reciso indagar: que conteúdos são importante instituição escolar? 38 Finalmente, falar sobre a importância dos conteúdos socioculturais no processo avaliativo pressupõe algo que também deve ser destacado: o caráter processual, dinâmico, da avaliação. Esta se refere a um processo que faz parte de uma dinâmica mais ampla, a da prática educativa. Não se trata de algo estático, que ocorre num omento dessa prática, mas deve estar continuamente presente no trabalho do educador.
Avaliar pressupõe definir princípios, em função de objetivos que se pretendem alcançar; estabelecer instrumentos para a ação e escolher caminhos para atingir o fim; verificar constantemente a caminhada, de forma crítica, levando em consideração todos os elementos envolvidos no processo. É assim que a Filosofia de Educação vê a avaliação, núcleo das reflexões deste Seminário. Os conteúdos socioculturais são definidos e avaliados na prática educativa Vamos refletir sobre sua significação nesse contexto.
O primeiro ponto a ser ressaltado é a impossibilidade de se discutira questão dos conteudos, desvinculando-os dos outros elementos que compõem o currículo. Se nos referimos comumente ao conteúdo como o que se ensina, não podemos falar sobre seu significado deixando de lado c como se ensina, para que se enslna, por que se ensina e, principalmente, quem ensina e a quem se ensina. (Onde se registra ensina, leia-se sempre en garantindo-se a PAGF desprezada, gera uma série de equívocos, na medida em que conduz inadequadamente a uma supervalorização de determinado elemento ou ã oposição ormal entre uns e outros.
Então, estabelece-se uma “briga” entre os educadores, na defesa do valor maior ou do conteúdo, ou da metodologia, ou dos objetivos… “Briga”, no mínimo, estranha, se a considerarmos criticamente. A própria prática, assim considerada, se encarrega de invalidá-la. O professor ensina a ler, ensinando a ler alguma coisa, com uma finalidade. Da mesma forma, o aluno aprende a escrever, escrevendo algo, também com uma finalidade. Resolvendo questões de álgebra, dialogando com os alunos, o professor ensina a usar o raciocínio para formar indivíduos críticos.
Não ? possível separar cada uma destas “coisas”. Não existe “aula expositiva” ou “discussão em grupos” sem um conteúdo; não há na escola regras de gramática ou “Revolução Industrial” sem uma forma de “transmiti-las’ aos alunos. E não se “transmite” nada, de “jeito” algum, sem haver uma intenção, uma finalidade. Parece óbvio, mas não é – vale repetir! No decorrer desta reflexão sobre os conteúdos – nosso objeto específico -, teremos condições de explorar um pouco mais profundamente esse aspecto da questão. ? interessante notar que o próprio modo de se referir ao conteúdo indica uma visão de undo, sociedade, escola, marcada por determinadas características. O conteúdo é freqüentemente chamado de “matéria”. encontrarmos no cotidiano de nossa prática “O professor é bom, mas a “matéria” é muito chata. – A “matéria” é interessante, mas o professor não sabe “dar”. – O professor x dá muita “matéria”. – Na aula de y não temos “matéria” nenhuma. – As “matérias humanas” são mais fáceis de serem aprendidas. 39 – As “matérias exatas” são mais objetivas.
Gosto mais das “matérias” mais “práticas” – a “matéria” z é muito “teórica”. Há alunos que dizem que o “professor deu muita matéria”, uando obrigados a ler muitos textos ou a fazer muitos registros no caderno. Como professora de Filosofia, já ouvi referências, em minhas aulas, a “pouca matériao, por estar discutindo algumas questões sem indicar leituras ou solicitar aos alunos que fizessem anotações. Fico pensando, a propósito, nos belos versos de Gilberto GIL: “É sempre bom lembrar que um copo vazio está cheio de ar”.
Ou então nos de Drummond: “O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes, a vida presente. “. Cruzam-se, nas falas a que me referi, várias significações acerca do conceito de onteúdo. De “assunto”, “tema”, “conjunto de conhecimentos”, passa-se a trata-lo na escola como dado sensível, elemento empírico, algo que se toca, se vê, se armazena, se mede. Algo que se “dá” e se “recebe”, e é utilizado imediatamente. Algo “palpável” -é este o termo usado para apontar o chamado caráter “prático” dos conteúdos.
Não se trata de explorar a questão pelo lado semântico. A digressão parece-me válida, no sentido de se chamar a o caráter pragmatista encontramos na abordagem de algumas questões da Educação, dentre elas aquela de que ora nos ocupamos. Conteúdo é matéria, sim, no sentido em que a usou DRUMMOND, ou seja, algo com que se trabalha, conjunto de conhecimentos. Conhecimento é algo que se produz e adquire socialmente. Vai-se à escola para adquirir conhecimento. Mais: vai-se à escola para adquirir um conhecimento específico, que cabe à escola – e a ela especificamente – transmitir. or esta razão é que se coloca uma segunda questão, ligada ã da necessidade de relação do conteúdo com os demais elementos curriculares. Tal questão é: que conteúdo a escola deve transmitir? Pois não se desligam esses aspectos quando falamos obre o que se ensina/aprende, ocorre-nos quase imediatamente a pergunta “o que se deve ensinar? ‘. Dessa maneira, somos remetidos à valoração presente na prática educativa. A problematicidade da questão dos conteúdos diz respeito especialmente ao valor que tem o conhecimento transmitido na escola, para aqueles que o transmitem, recebem e recriam.
Mencionar o valor é retomar o significado dos conteúdos, seu sentido, sua importância. Os conteúdos são importantes – este foi nosso ponto de partida. E em seguida perguntamos: que conteúdos são importantes? Qual o critério para qualifica-los assim? Que referencial usar para seleciona-los? Sabemos que cabe à escol stituiÇáo social, dissemos. Como indicar, então, a especificidade do saber que cabe à Instituição escolar transmitir? 40 Estas colocações remetem-nos a uma questão mais abrangente: a do papel da escola e suas relações core a sociedade.
Ao selecionar os conteúdos, a escola deverá levar em conta, fundamentalmente, as necessidades da sociedade da qual faz parte. É bom notar que me refiro a necessidades da sociedade. As necessidades humanas se distinguem de outras exatamente por seu caráter histórico e social. Temos, sm, ecessidades que poderão ser qualificadas de “naturais”, porém, mesmo estas, são “atendidas/respondidas” de forma “cultural” A cultura é resultado do trabalho humano, que se dispõe exatamente a atender às necessidades dos indivíduos.
O trabalho caracteriza o ser humano exatamente por “ir além” das necessidades chamadas “naturais”, ligadas à nossa organização biológica. 0 homem é um ser que inventa necessidades. Ele é o ser para o qual o mundo, tal como é, não basta. Então, o mundo social, cultural, histórico, é um mundo pleno de necessidades criadas. Sáo elas que movem a ação e as relações os indivíduos. E, tal como essa ação e relações, as necessidades estão permanentemente sendo recriadas, transformadas. Se as necessidades são criadas, deparamo-nos com uma questão complexa: quem decide o que é necessário numa sociedade?
Quem decide qual o tipo de necessidade a que a escola deve atender realidade global de que a escola faz parte. Ouso afirmar que o conteúdo será tanto mais relevante quanto mais atender às necessidades concretas dos Indivíduos numa sociedade. Faz-se necessário, porém, distinguir as necessidades concretas das necessidades empíricas dos sujeitos. Necessidades empíricas são aquelas presentes na circunstância imediata dos indivíduos, “ditadas” pelas características conjunturais da situação que esses individuos vivenciam.
Dou um exemplo: o aluno do curso noturno, que chega à escola após um exaustivo dia de trabalho, necessita, empiricamente, descansar. Tem necessidade imediata de descanso – um bom banho, um prato de comida, alguma diversão atenderiam a essa necessidade. Entretanto, o que o traz ? escola, seja ele do curso diurno ou noturno, é uma necessidade de outra natureza: a de se apropriar do conhecimento que lhe permitirá integrar-se fetivamente no social, participando enquanto agente do processo histórico, tornando-se cidadão.
Essa é uma necessidade concreta. Não é definida enquanto tal por este ou aquele indivíduo, esta ou aquela classe, mas pelos homens de uma sociedade, no processo de configuração de sua cultura (conhecimentos, crenças, valores, “artefatos”) que, segundo o professor Flavio di GIORGI (1990), transforma o Homo sapiens em ser humano. Não me refiro, no entanto, ao ser humano genérico. Falo de seres humanos datados e situados, participantes de determinada organização social, de uma polis, que têm