Tese

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INTRODUÇAO 2 Mégara Hyblaea foi fundada na costa oriental da Sicília, por volta do ano de 728 a. C. Tal informação nos é fornecida pela tradição textual grega, a qual segue os relatos de Estrabão e Tuc[didesl. A metrópole, de onde partira a expedição de colonos, foi a cidade de Mégara Nisaia, localizada no ístimo de Corinto, entre a Ática e o Peloponeso. Mégara Hyblaea não Swip page foi a única colônia as do século VIII a. C e o 90 do século VII a C, dez as direção à várias regiõ costa do Mar Medite Itálica e à Sicilia.

O resultado re o segundo quartel am da Hélade em l da pen[nsula deste processo foi a fundação de inúmeras apoikiai, como os gregos chamavam suas colônias. Uma ampla expansão territorial estava sendo empreendida. A cidade de Mégara Hyblaea é o foco da pesquisa que temos desenvolvido nos últimos anos, a qual resultou na presente dissertação. Reveladas principalmente a partir do século XIX2, as ruinas de Mégara suscitaram o interesse de vários estudiosos. A descoberta de um traçado urbano bastante organizado, datado do final do século VIII a. C. contribuiu substancialmente para as pesquisas espaciais e urbanísticas, bem como para os estudos elativos à polis, instituição grega típica dos períodos arcaico, estudos. Graças à disponibilidade de dados arqueológicos publicados pelos arqueólogos da Escola Francesa de Roma, foi possível a realização desta dissertação de mestrado, sem a realização de trabalho de campo. Nossa pesquisa orientou-se a partir de dois objetivos principais. O primeiro consiste na elaboração de uma análise da organização espacial de Mégara Hyblaea, com base nos TUCÍDIDES, VI, 3-5; ESTRABÃO, VI, 2,2.

As pesquisas realizadas no século XIX foram realizadas pelo museu de Siracusa, sob a liderança dos esquisadores Francesco Cavallari e Paolo Orsi. Ver: IACOVELLA, Andréa. Les premiéres fouilles ? Mégara HYblaea (1860-1897), dans MEFRA, 113-1-2001, p. 401 -469. 3 No per[odo helenístico a polis sofreu reestruturações. 4 Os trabalhos em Mégara foram iniciados pelo Museu Nacional de Siracusa (atual Museu Paolo Orsi), ainda no século XIX, sob a liderança dos pesquisadores Francesco Cavallari e Paolo Orsi. Sobre o primeiro período de escavações em Mégara Hyblaea ver o artigo: IACOVELLA, Andréa. Les premiàres fouilles à Mégara HYblaea (1860-1897), dans MEFRA, 113-1-2001, p. 401-469). AS escavações foram reiniciadas na década de 50, sob a coordenação dos pesquisadores da Escola Francesa de Roma, Georges Vallet, François Villard e Paul Auberson. Os trabalhos foram retomados na década de 80, sob a coordenação de Michael Gras, Henri Tréziny e Henri Broise.

DF 190 prática religiosa pretendemos verificar como se deu a evolução sóciopolítica da cidade e buscar elementos para entender como ocorreu a emergência da polis no loca15. O segundo objetivo de nossa pesquisa é verificar, no caso de Mégara Hyblaea, como se comporta o modelo de surgimento da polis elaborado por François de Polignac. Pesquisador da Escola de Paris, Polignac promoveu uma revisão nos estudos relativos ? cidade-estado grega antiga, ao apresentar a religião como elemento fomentador dos laços entre os indivíduos e, por consequência, da polis.

De acordo com o pesquisador francês, na obra “La naissance de la cité grcque” 6, os espaços sagrados comunitários teriam promovido a Integração dos habitantes de um determinado local. A partir dessa integração foram se estabelecendo hierarquias e contratos, os quais regiam relações entre os integrantes do grupo e entre estes e as comunidades vizinhas7. Pretendemos assim analisar, no caso de Mégara Hyblaea, a importância das práticas cultuais e dos locais de culto no processo de organização sócio- política da comunidade.

Tendo em vista este objetivo, pretendemos discutir, entre outras questões, qual teria sido o papel da religião na estruturação das relações sociais entre os habitantes de Mégara; se as 5 Entre os séculos VIII e VII, a polis encontrava-se em processo de formação, tanto na Hélade quanto no universo colonial. É importante ressaltar que nem todas as comunidades gregas do p 3 DF 190 políticos ou por viverem em um mesmo território. A Integração poliade é conseqüência da existência de laços culturais entre os indivíduos, principalmente devido a uma unidade religiosa.

Essa identificação religiosa tena promovido o surgimento de acordos sociais. Nas palavras de François de Polignac: ” polis é o resultado de uma colocação progressiva de coesões e hierarquizações sociais sob a forma de uma busca de acordos sobre a escolha dos cultos mediadores e das modalidades de participação nos ritos. No mundo greco-egeu a pressão exercida pela crise de crescimento impôs a realização de um novo gerenciamento da base territorial pela efesa das terras, no mundo colonial essa conquista se fez igualmente necessária”. POLIGNAC, F. La naissance de la cité grcque. Cultes, espace et société VIIIe. VIIe. Siêcles avantJ. C. Paris, 1984, p. 125. É importante ressaltar ainda que uma comunidade recém fundada, como é o caso de uma colônia, pode não se organizar como uma polis imediatamente. Isso é especialmente relevante no caso das colônias fundadas ainda no século VIII a. C como Mégara Hyblaea -, momento em que a polis encontrava-se em vias de estruturação na própria Grécia. O mais provável neste caso é que, após a chegada dos colonos, corresse a organização de uma comunidade que pouco a pouco fosse sofrendo transformações, as quais resultariam na emergência da polis.

Retomaremos esta discussão no quarto capitulo da dissertação. 6 POLIGNAC, F. La naissance de la cité grcque. Cultes, espace et société VIIIe. – VIIe. Siécles avant J. C. pans, 1984. 7 Retomaremos as observações sobre o Modelo de Polignac no quarto cap[tulo da dissert 4 190 Modelo de Polignac no quarto capitulo da dissertação. práticas cultuais teriam fomentado processo de emergência da polis na colônia siciliota, e se os cultos teriam contribuído para no processo de aquisição do erritório. A dissertação encontra-se dividida em quatro capítulos.

O primeiro capítulo é teórico e propõe uma discussão acerca dos estudos espaciais no contexto das ciências humanas, principalmente no que concerne à Arqueologia Clássica. Consideramos este capítulo de fundamental importância, pois a análise do espaço – e das relações entre este e a sociedade – foi um dos elementos primordiais para o desenvolvimento dos objetivos de nossa pesquisa. Este capitulo inicial pretende, num primeiro momento, analisar a importância que o estudo do espaço tem adquirido no contexto das disciplinas umanísticas.

Sabemos que a preocupação com o entendimento do meio, tanto o meio natural, quanto o meio transformado pelo homem, remonta a autores da Antiguidade, como Tucidides e Aristóteles. Entretanto, foi a partir da segunda metade do século XIX, que os estudos espaciais receberam um forte impulso, devido à ampliação de pesquisas antropológicas e etnológicas, e à transformação nos estudos históricos. No decorrer do século XX, principalmente após o desenvolvimento da New Archaeology, na década de 60, uma nova perspectiva de trabalho pode ser observada na Arqueologia.

A preocupaç em si, típica das S DF 190 palavras, no significado do objeto em relação à sociedade que o produziu. Ao mesmo tempo, o espaço transformado pelo homem passou a ser visto como um documento de fundamental importância para o entendimento das sociedades, as quais passaram a ser analisadas não apenas como sujeitos transformadores do meio ambiente, mas também como receptores de influências deste espaço transformado. Nossa pesquisa, “O espaço sagrado e o nascimento da polis em Mégara Hyblaea”, portanto, está inserida no âmbito dos estudos espaciais.

A preocupação com a relação entre o spaço e a sociedade está explícita principalmente em nosso primeiro objetivo, a saber, analisar a organização do espaço sagrado em Mégara Hyblaea. No segundo capítulo da dissertação empreenderemos uma análise histórica do processo de fundação de Mégara Hyblaea. Abordaremos desde as transformações sociais ocorridas na Hélade no século VIII a. C até o episódio de fundação da colônia megarense. Nossa ênfase recairá sobre o processo de emergência da polis entre os séculos VIII e VII a. C. importância da religião no contexto de formação da organização olíade e sobre o movimento colonizatório grego. O terceiro capítulo da dissertação foi elaborado em torno de um repertório de imagens, formado por mapas, plantas e estruturas de Mégara Hyblaea. Serão apresentados mapas e plantas referentes a vários momentos da história de Mégara, dentro de um intervalo e traçar um panorama da evolução urbanística megarense para, em seguida, analisar o desenvolvimento religioso e sócio-econômico da cidade e discutir o processo de emergência da polis no local.

O quarto e último capitulo da dissertação apresentará uma discussão sobre as ossibilidades de aplicação do Modelo de Polignac ao caso de Mégara Hyblaea. Num primeiro momento serão analisadas as principais características do modelo em si, enfatizando a hipótese explicativa elaborada pelo pesquisador francês para o nascimento da polis. Em seguida apresentaremos a visão de Polignac acerca do movimento colonizatório e do nascimento da organização políade no contexto colonial.

Por fim, mediante os dados apresentados no capítulo três, realizaremos uma comparação entre as informações obtidas sobre Mégara e as propostas interpretativas do Modelo de Polignac. Capitulo I Os Estudos Espaciais e a Arqueologia Clássica 1. 1. O Espaço como documento para as Ciências Humanas. O interesse pela ocupação e transformação do espaço fisico pelo homem tem sido um dos temas mais abordados elos estudiosos nas últimas décadas. Tal tendência começou a DF 190 em compreender de que formas os indivíduos se agregam em grupos e como estes se distribuem e promovem a ocupação dos territórios.

Durante os séculos que se seguiram, tais questionamentos não deixaram de fazer parte de estudos de historiadores, filósofos e outros eruditos. Entretanto, foi a partir do rocesso de renovação e ampliação dos estudos humanísticos que o interesse pela relação homem-espaço ganharia um novo impulso. As pesquisas antropológicas e etnográficas podem ser consideradas como pioneiras em se tratando de analisar o espaço construído como uma expressão plena da ação cultural humana. Tal tema seria foco de estudos realizados na segunda metade do século XIX, por autores como Lewis Morgan, Marcel Mauss e Franz Boas8.

As várias formas de transformação do ambiente pelos grupos humanos adquiriram então o estatuto de elemento fundamental para a compreensão holística de qualquer ociedade. Segundo estes autores, o desenvolvimento das comunidades depende do tipo de interação estabelecida entre o individuo, a sociedade e o espaço. Nesse sentido, o ambiente construído refletiria as modalidades de organização dos grupos, sendo as próprias construções elementos ativos no processo de reprodução das formas sociais.

A partir destes primeiros trabalhos, o interesse pelo estudo do ambiente construído iria 8 Dentre os pioneiros estudos de caso utilizando este viés está o realizado por Morgan (publicado em 1881) “Houses and house-life of borigene” Marcel Mauss 8 DF 190 ransformações climáticas ocorridas durante o ano, mas também por fatores sócio-culturais: no inverno, por exemplo, eram construídas casas maiores, entre outros fatores, pelos rituais coletivos tradicionalmente realizados nesse período.

Já Franz Boas, juntamente com seus colaboradores, reuniu um enorme material etnográfico sobre a relação homemespaço em inúmeras populações tradicionais. WEATLEY, Paul. The concept of urbanism in UCKO, Peter; TRINGHAM, Ruth; DIMBLEBY, G. W. (ed. ) Man, settlement and urbanism. Londres, Duckworth, 1972. vivenciar uma fase de grande expansão, não apenas entre ntropólogos e etnólogos, mas também entre estudiosos de outras áreas como geografia, sociologia e arqueologia. Na primeira metade do século XX, tais estudos tiveram como característica principal a tendência ao desenvolvimento de modelos.

O mais proeminente deles foi o chamado “fit model” (modelo adaptativo), que parte da existência de uma relação direta entre as formas de organização social e os elementos espaciais desenvolvidos pelas comunidades humanas, desde moradias e construções até as marcas de ocupação do território de modo geral. Em outras palavras, o ambiente constru(do seria o reflexo das ecessidades funcionais e culturais de grupos humanos. Os estudos etnológicos focados na análise das moradias humanas utilizaram amplamente o “fit model”.

A partir destes estudos tentou-se elaborar regras para a relação homem-habitat. Como ex g 190 proposição, hoie expressão de maior complexidade social, seriam próprias de comunidades sedentárias9. Também se buscou estabelecer regras análogas que relacionassem as formas de divisão familiar do trabalho com a organização do espaço interno das habitações, principalmente no que se refere à questão do gênero. Nesse entido, os estudiosos tentavam identificar setores das moradias ou objetos que fossem a expressão direta da atuação feminina ou masculina no ambiente.

A partir das décadas de 40 e 50, inúmeras objeções passaram a ser feitas ao “fit model”. Criticava-se principalmente o apego excessivo ? elaboração de modelos rígidos, os quais não conseguiam explicar a enorme complexidade da relação homem-espaço. O caráter determinista e evolucionista destes modelos, claramente influenciado pelas tendências teórico-filosóficas do século XIX, mostrava-se inapropriado diante a enorme variabilidade apresentada pelos estudos de caso.

Esta rigidez acabou levando estudiosos a superinterpretaçóes e inadequações. Consequentemente, uma nova perspectiva foi desenvolvida nos estudos espaciais em oposição ao “fit model”, procurando mostrar que as relações entre organização social, cultura 9 O professor Dr. 0 Rolf Winkes, da Brown University, em palestra ministrada em Novembro de 2002 no Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo, apresentou o caso de Ton obri a. Trata-se de um sítio de ocupação inicial c mente, romana,

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