A lei de say

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Ensaios FEE, porto Alegre, j:105-120, 1985, A LEI DE SAM* Flávio Soares Damico * 1 — Introdução Diz-se, normalmente, das grandes descobertas e invenções que são muitas vezes frutos do acaso. Na Ciência Econômica, para não fugir à regra, tem-se o caso da Lei de Say, um dos princípios fundamentais da análise econômica. Com efeito, ponto de pensamento econôm Marx e Keynes na su (ou Lei dos Mercados 5 s escolas de E t dispares quanto S -p next page ou não da Lei de Say de posição crucial na escolha de temas e enfoques em Economia.

S endo, portanto, uma concepção central na análise econômica, ?? talvez somente a Teoria do Valor tenha gerado bibhografia tão , não é de admirar vasta — que tenha assumido configurações e interpretações variadas de acordo com os objetivos finalistas de cada autor. Assim, neste estudo, procurar-se-á captar a interpretação dada a Lei de Say em alguns autores considerados centrais na história do pensamento econômico. Tentar-se-á mostrar que a construção inicial de Say libertou-se de seu sentido original para ser o ponto de partida das modernas teorias do equilibno geral e da teoria monetária.

Para atingir-se esse intento, far-se-á uma revisão bibliográfica Say e a formulação inicial p oucos autores tiveram uma contribuição que dividiu tanto as opiniões quanto J. B. Say, recebendo elogios de Schumpeter ) antecessor do grande Walras” * A gradeço o s co m e n tá ri o s d os colegas Carlos Paiva e Hélio HenkindoCentrodeEstudose is falhas são de inteira responsabilidade do autor *Mestrando do Curso de Pós -Graduação em Econ o miado Centro de Estudose Pesquisas Econômica s da Universidade Federa Id o Rio Grande d o Sul. Schumpeter, 1959, p. 497) ou sofrendo as mordazes ironias de Marx ao ser chamado de “príncipe da Ciência” (Marx, 1982, p. 87). Outros, como Ackley, afirmam que sua reputação advém do fato de ter dado seu nome à Lei. N ão se põe ent dúvida suas qualidades de divulgador e vulgarizador,’ embora sua estatura intelectual não pareça ser das mais elevadas. A corroborar essa afirmação, tem-se a apresentação de sua Lei de uma forma sucinta e pouco clara, o que m uito contribuiu para as diferentes acepções que recebeu.

Veja-se como Say apresenta suas concepções. A princípio, sustenta que as dificuldades que os empresarias, porventura, encontram para colocação de seus produtos não se deve a escassez de dinheiro, uma vez que: ) o dinheiro é apenas a viatura do valor dos produtos dinheiro d esempenha somente um ofício passageiro nessa dupla troca; 2 OF as dos produtos (.. o dinheiro d esernpenha somente um oficio passageiro nessa dupla troca; e, terminadas as trocas, verifica-se sempre; produtos foram pagos com produtos. ? b o m observar que um produto acabado oferece, a partir deste instante, um mercado para outros equivalentes a todo montante de seu valor” (Say, 1983, p. 138-9). A ssim, acaba-se por formular a célebre expressão “a oferta cria sua propna demanda”. Say crê nessa fórmula no seguinte sentido; a demanda e uma indústria é dada pelo nível de produção das demais e, quanto maior for este, tanto mais poderá expandir-se a indústria considerada. Essa proposição é indubitavelmente correta, porém pode dar liiargem a três interpretações discrepantes: n o sentido contábil — t udo o que foi vendido foi comprado.

Essa interpretação não traz problemas, constituindo-se num truísmo, mas, por outro I ado, nao acrescenta nada em termos de análise; n o sentido estrito (Lei de Say “stncto sensu”) — indica que oferta e demanda agregadas são idênticas, tornando impossível crises de superprodução geral; ?? n o sentido lato (Lei de Say “lato sensu”) – na qual se toma a igualdade entre demanda e oferta agregadas como sendo a situação de equilibrio, o u seja, tem-se apenas uma igualdade ocasional.

Say parece haver adotado a primeira interpretação da Lei ao defender-se dos ataques de Malthus e Sismondi; “define-se produto àquele cujas receitas cobrem o seu custo , J” (sic) (Say apud Mishan, 1963, p. 618)Deixando de lado essa interpretação equivocada, concen as ( , J” (sic) (Say equivocada, concentremo-nos na pista original de Say. A interpretação “stricto sensu” assenta-se, rincipalmente, na concepção de moeda enfatizada por Say, na qual são privilegiadas as funções de unidade de conta e meio de transações, descurando totalmente da função reserva de valor.

Uma sociedade em que a moeda desempenha as duas primeiras funções acima trata-se de uma economia de trocas (“barter economy”), onde cada vertdedor é inevitavelmente um comprador. Evidentemente, procura-se com essa conceJ)ção ne- A Ver, por exemplo, a excelente introduçãode Ge orgesTapinosàobrade Say(1983), gar a possibilidade de haver um excesso de oferta de bens, pois, necessariamente, orresponderia a um excesso de demanda de moeda.

Porém esse excesso é logicamente impossvel, pois ninguém referia moeda a não ser para transações. Nada garante, por outro lado, que uma economia de trocas estará permanentemente equihbrada,mesmo assegurando-se a total neutralidade da moeda. Não obstante Schumpeter (1959) e Blaug (1968, p. 1 51) afirmarem que Say t entou expressar a versão “lato sensu”, Keynes e Lange acreditaram ser a versão identidade o sentido original. Posteriormente, analisam-se com mais detalhes as criticas destes autores à Lei.

Porém a terceira acepção parece corresponder à verdadeira ormulação de Say, cujo sentido pode ser melhor entendido como de que os desequiliTirios entre 4 as de desequiliTjrios entre oferta e demanda tendem a se autocorrigir através do mecanismo de preços. Dessa forma, fica reconhecida a possibilidade de descompassos temporários entre oferta e demanda. Por outro lado, a Say passou despercebido o fato de sua Lei ser um princípio de Economia pura e que, portanto, serve de sustentáculo para a análise de tendências de longo prazo, como se verá em Ricardo e Marx.

As criticas de Malthus e Sismondi, enfrentadas por Say, partem, basicamente, da constatação de crises de superprodução nfrentadas pela Inglaterra e França e, por outra vertente, enfatizando a função da moeda como reserva de valor. Nas próximas seções, ver-se-á como autores mais rigorosos se defrontaram com a Lei de Say e como a utilizaram. 3 — Ricardo e Marx: a análise clássica 3. 1 – Ricardo Keynes referia-se a Ricardo com extremo rancor, por ter este aceito e defendido coerentemente a Lei de Say, de forma que seus sucessores a adotaram como dogma.

Na realidade, a Lei de Say ocupa um lugar subsidiário na obra ricardiana. Tal se deve ao objeto de estudo de Ricardo que era a análise do comportamento, a longo prazo, da taxa de lucro. No bojo de uma teoria dinâmica, é logicamente impossível a admissão do problema da demanda efetiva, uma vez que inviabilizaria a anáhse de longo prazo. Assün, o fato de Ricardo adotar a Lei de Say “lato sensu’ (como defmido na as apenas coerência, seção anterior) não consti soF2S seção anterior) não constitui fraqueza, mas apenas coerência, pois em teoria econômica pura não há lugar para a demanda efetiva.

Por outro lado, James Miü em Commerce Defended (1808) tornou se o campeão da interpretação “stricto sensu” ao afirmar que: . . ) no tocante às nações, a procura jamais poderá exceder a ferta” (Mill apud, Meek, 1971 , p. 81 A confusão originada a respeito de qual interpretação da Lei que Ricardo ado- t ou surgiu devido ao debate com Malthus sobre as crises de superprodução. Em suas cartas a Ricardo, Malthus faz menção ao fato deste ter-se utilizado da “engenhosa posição do Sr. Mill” (Meek, 1971 , p. 1 A partir desse ponto, Ricardo passou a contrapor-se a Malthus com os mesmos argumentos utilizados por MIII. Na redação dos “Princípios”, Ricardo adota ao longo de todo o texto a posição “lato sensu”, muito embora no Capítulo XXI ele reelabore sua negação à possibihdade de ocorrência de uperproduções, que se tornaria clássica: -e m primeiro lugar, afirma que a demanda potencial éiHmitada: “Enquanto u m indiv[duo tiver um desejo por satisfazer, terá necessidade de mais mercadorias’ (Ricardo, 1982, p. 198). nfatiza a neutralidade da moeda e descarta o entesouramento, ligando diretamente poupança e investimento, ao tomar como válidas para a economia como um todo as experiências individuais: “Se fossem dadas 10 mil libras a um indivíduo que já possuísse 100 mil anuais, ele não as guardaria num cofre, aumentaria suas despesas em 10 mil libras, empregaria essa 6 as empregana essa oma produtivamente ou a emprestaria a outra pessoa para o mesmo fim”, ” . o dinheiro é apenas o meio pelo qual se efetua a pois troca” (Ricardo, 1982, p. 98). Mesmo assim, Ricardo faz uma concessão e admite a existência de crises de superprodução, porém estas são passageiras graças ? flexibilidade de preços, de salários e de juros. N ão obstante o acima exposto, crê-se que a Teoria de Mill não tem importância analítica na obra de Ricardo, uma vez que o Capitulo XXI não adiciona nada de novo na argumentação de que a taxa de lucro tende a cair devido à dificuldade crescente de obtenção de alimentos.

Porém a importância política da negação das crises não deve ter passado desapercebida a Ricardo e, certamente, foi a razão da inclusão do Capítulo XXI. Meek expõe com bastante clareza essa motivação: . uma vez que se admita que os lucros podem reduzir-se em conseqüência da acixmulação ‘per se’ (como sucede em crises de demanda efetiva), surge imediatamente oportunidade para séria crítica ao sistema econômico” (Meek, 1971, p. 7). A Desse modo, a critica de Keynes a Ricardo perde em substância ao verificar-se que a Lei de Say “stricto sensu” não foi central em Ricardo e a este não deve ser tribuído o predomínio que esta desfrutou na Economia Política oficial até o surgimento da “Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda” e sim a necessidade de fazer frente a uma critica perigosa ao sistema econômico.

O parênteses é meu. a necessidade de fazer frente a uma crítica perigosa ao sistema econômico- 3. 2 – Marx A postura de Marx em relação à Lei de Say é bastante complicada e, para sua sistematização, requer que sejam expostas, pelo menos sucintamente, suas concepções acerca da sociedade capitalista.

Bernice Shoul (1957) afirma que Marx desenvolve três modelos omo sucessivas aproximações à realidade capitalista, e em cada um deles há uma interpretação e um uso diferente para a Lei de Say: – o modelo de troca monetária que nega a Lei de Say “stricto sensu”; – o m odelo de fluxo circular que postula a versão “lato sensu”; o m adelo dinâmico que assume a Lei de Say somente como meio de demonstrar a tendência ao colapso e a inevitabilidade de crises e ciclos a despeito da operação da Lei.

No primeiro modelo, Marx considera uma sociedade de troca simples no qual as mercadorias, detentoras de valor de uso, são trocadas por utras mercadorias nas mesmas condições através de uma mercadoria especial, o dinheiro, cujo valor de uso é justamente se constituir em valor de troca. Esquematicamente: Assim, tem-se que o dinheiro possui apenas a função de facilitar a troca.

Porém Marx dá-se conta que esta dupla troca M—D e D—M traz junto a si a sempre presente possibilidade de crises: “Se o intervalo de tempo entre as duas fases complementares para a completa metamorfose da mercadoria torna-se muito grande, se a divisão entre ra torna-se muito 8 5 a divisão entre venda e compra torna-se muito pronunciada, a onexão intima entre elas, sua unicidade, afirma-se ao produzir a crise” (Marx, 1980, p. 127).

Por outro lado, a evolução para a sociedade capitahsta inverte a relação entre valor de uso e valor de troca, passando o dinheiro a constituir-se em princípio e fim do processo. Logo: D-M-D Porém numa sociedade capitalista tal processo tem sentido apenas se o final d o mesmo é maior do que seu início, dessa forma: D — M- D’, onde D’ é maior que D. para que uma quantidade inicial de dinheiro se transforme numa quantidade maior ao final do processo, é necessário que seja agregado valor ao longo do ircuito do capital dinheiro.

Marx localiza esse evento na produção através da extração da mais-vaha, cuja origem repousaria no fato de a força de trabalho transmitir às mercadorias mais valor do que lhe é pago em retorno. Essa conclusão dá margem à crítica “romântica’ de Sismondi do sistema eco- n ômico que, em resumo, consiste no fato de os capitalistas colocarem eni circulação mais valor do que dela retiram. Dessa forma, o sistema teria um problema crônico de realização. Marx refuta essas críticas graças ao seu segundo modelo, os esquemas de reprodução.

São dois departamentos: — produtor de bens de produção e II – produtor de bens de consumo. O valor total produzido em cada departamento, W, constitui-se na soma do capital constante, C, do capital variável, V, e da mais-valia, S. Então: V, e da mais-valia, vvj – VVjj=C2+V2 Coino o departamento produz os bens de produção tanto para si quanto para o departamento II, então o valor de sua produção é: wj-cj porém Cj+Vj*Sj-Cj -Ilogo C 2=Vj sj A ssim, Marx demonstra que o fato de o mercado estar atrasado em relação ? produção não constitui uma dificuldade fundamental.

O nsinamento a retirar do esquema de reprodução é que o mercado não sobrevém do Exterior, mas forma-se no próprio seio da produção capitalista, ou seja, a oferta gera sua própria demanda. P orém a demonstração do equilíbrio não pode ser confundida com sua perenidade, nem como uma possível demonstração de harmonia. A configuração de equilíbrio em Marx possui conotação diferente do que em outros autores: “O esquema de reprodução é a simples possibilidade do equilíbrio e não sua realidade” (Napoleoni, 1 977 . 74 logo, nesse modelo, Marx 0 DF 25 enas a acepção “lato

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