A revolução do cérebro
A revoluçao do cérebro A máquina mais complexa do Universo está na sua cabeça. Agora que começamos a entender como ela funciona, descobrimos capacidades que nem imaginávamos. Saiba quais são esses superpoderes – e o que fazer para adquiri-los O seu cérebro é capaz de quase qualquer coisa. Ele consegue parar o tempo, ficar vários dias numa boa sem dormir, ler pensamentos, mover objetos a distância e se reconstruir de acordo com a necessidade.
Parecem superpoderes de histórias em quadrinhos, mas são apenas algumas das descobertas que os neurocientistas fiz dessas façanhas sem conseguimos perceb Ou, : p alguns mecanismos encontrando maneir década. Algumas cérebro e só agora iência: ao decifrar uisadores estão antes pareciam impossveis. O resultado é uma revolução como nenhuma outra, capaz de mudar não só a maneira como entendemos o cérebro, mas também a imagem que fazemos do mundo, da realidade e de quem somos nós.
Siga adiante e entenda o que está acontecendo (e aproveite que, segundo uma das mais recentes descobertas, nenhum exercício para o seu cérebro é tão bom quanto a leitura). Superpoder 1 – Mudar a própria forma Os dedos da mão esquerda de um violinista fazem todo tipo de movimentos. Já os da mão direita fazem só um: segurar o arco, algo importante, mas simples. Todas essas ações são coordenadas pelo córtex motor, uma fatia ac to vien acima da orelha que possui um mapa de todo o corpo: um pedaço coordena o pé, outro, a perna, e assim vai até a cabeça.
Quando os cientistas analisaram esse mapa em violinistas, repararam em algo curioso: a região que comanda os dedos da mão esquerda é maior do que a da direita. O cérebro se adapta ao estilo de vida do seu dono. O mesmo acontece com todo mundo. Quem lê textos em braile desde pequeno utiliza para o tato uma parte do cérebro normalmente ocupada pela visão. Em pessoas que perdem um braço, a área que recebia sensações desse membro se liga a outras partes do corpo, como o rosto, o que às vezes gera dores fantasmas: um toque na bochecha é interpretado como uma lesão no braço.
Aliás, não se assuste, mas, agora mesmo, este texto e tudo o mais a sua volta estão deixando marcas físicas no seu cérebro. Está aí a revolução: segundo os cientistas, o seu cérebro é muito elástico. Há menos de 20 anos, imaginava-se que ele era como m computador, uma máquina com circuitos fixos, em que tudo o que se podia fazer era acrescentar informações. Agora se sabe que não. O hardware também é aprendido. Caminhar, falar, mover partes do corpo envolve experiência e memória, diz lván Izquierdo, neurocientista da PUC gaúcha.
O cérebro se reiventa, cria novos neurônios, novas conexões e novas funções para áreas pouco utilizadas. Não é de espantar que os cientistas tenham demorado a perceber isso. Até 3 décadas atrás, tudo o que se podia fazer para estudar o cérebro humano era abrir a cabeça e olhar dentro. Alguns chegaram a fazer isso com pacientes viv 20 cérebro humano era abrir a cabeça e olhar dentro. Alguns chegaram a fazer isso com pacientes vivos, mas o normal era esperar as pessoas morrerem e depois olhar o que sobrava.
Na época, as principais descobertas vinham de pesquisas com animais ou com pessoas com lesões no cérebro por exemplo, se alguém perdia o hipocampo e, junto com ele, a memória recente, é porque os dois deviam estar ligados. Agora os cientistas conseguem desde entender como os genes dão origem às moléculas do cérebro até simular em computador conjuntos de neurônios. E surgiram maneiras de observar o cérebro em atividade, graças, principalmente, à ressonância magnética funcional (RMF), uma espécie de telescópio Hubble para os neurocientistas.
O princípio é colocar o paciente em um campo magnético tão forte que, pendurado em um guindaste, seria capaz de levantar dois carros juntos (o que mostra por que não é uma boa idéia aproximar objetos metálicos de aparelhos como esse). Essas circunstâncias possibilitam detectar, por ondas de rádio, o fluxo de sangue oxigenado para diferentes partes do cérebro, o que indica as regiões mais ativas em cada situação. A técnica permitiu, pela primeira vez, mapear o cérebro em funcionamento.
Também enterrou aquela idéia de que só usamos 10% da nossa mente: todo o cérebro trabalha o tempo inteiro. Mas, de acordo com o que fazemos, algumas partes são mais ativadas que outras (veja quadro na página 54). Nos últimos anos, as pesquisas mostraram os sistemas que acendem em situações como se apaixonar, tomar uma decisão, sentir sono, medo, desejo sistemas que acendem em situações como se apaixonar, tomar uma decisão, sentir sono, medo, desejo de uma comida ou palavra alemã para o prazer de ver alguém e dando mal (que, percebeu-se, é mais intenso em homens).
Estamos decifrando a linguagem com que as áreas do cérebro conversam. É possível que os sistemas que conseguimos ver sejam como um arquipélago: parecem ilhas isoladas, mas, por baixo, são parte de uma mesma montanha, diz o radiologista do Hospital das Clínicas Edson Amaro, membro do projeto internacional Mapeamento do Cérebro Humano. O que complica as pesquisas é que, assim como não existe pessoa igual a outra, cada cérebro é diferente. Além disso, a aparência dos neurônios não é um indicador fiel do que acontece na cabeça.
Existe quem morra com problemas de memória e, na autópsia, se percebe que o cérebro estava perfeito. E também os que não apresentaram problemas até o fim da vida, mas têm um cérebro danificado, diz Lea Grinberg, uma das coordenadoras do banco de cérebros da USP, que reúne e tenta comparar 3 600 amostras para resolver problemas como esse. Mesmo ainda misterioso, é provável que seja esse o ponto em que o modo como você utiliza o cerebro faça a diferença. É como um músculo: se você exercita, você está mais protegido contra problemas, diz Lea.
Em caso de danos ao cérebro seja ausado por doenças como Alzheimer ou por pauladas na cabeça , pessoas com bom nível educacional ou QI alto sofrem perdas menores da capacidade cerebral. Ao que tudo indica, exercitar o cérebro cria uma espécie de reser 4 20 menores da capacidade cerebral. Ao que tudo indica, exercitar o cérebro cria uma espécie de reserva. É possível que, quando necessário, os atletas mentais consigam recrutar outras áreas do cérebro mais facilmente, ou talvez compensem a perda por usarem cada área de forma mais eficiente.
Aliás, uma boa notícia: só o fato de você estar lendo este texto já é um começo. Leitura é um exercício fantástico. Quem nao lê está fadado a uma memória mais lenta, diz Izquierdo. Enfrentar desafios e sair da frente da TV também ajuda, assim como fazer exercícios físicos. Eles não só permitem que o seu cérebro funcione melhor como, provavelmente, fazem nascer novos neuronios. Superpoder 2 – Regenerar suas partes A história do seu cérebro começa pouco depois da concepção, quando o embrião humano ainda é chato como uma panqueca.
Até que, com uns 1 7 dias, uma parte da superfície começa a dobrar até se fechar em um tubo. Esse tubo acabará se transformando no sistema nervoso inteiro. De 5 a 6 meses depois, seu crescimento cerebral atinge a velocidade máxima, espantosos 250 mil novos neurônios por minuto. Antes mesmo de você nascer, o cérebro está praticamente formado. Daí em diante, segundo o que se acreditava até há pouco tempo, ele poderia aprender coisas novas, mas não ganharia novos neurônios.
Só nos restava cuidar bem dos que já temos. Tudo isso mudou em 1998, quando os cientistas provaram que o cérebro produz, sim, novas células ao longo da Vida num processo batizado de neurogénese. Caía um dos mais arraigados mitos da ciência. Desde então, descobr atizado de neurogénese. Caia um dos mais arraigados mitos da ciência. Desde então, descobrir como surgem novos neurônios e para que eles servem se tornou um dos temas mais quentes da neurociência. ? possível que dessas pesquisas saiam formas de curar doenças como depressão e Alzheimer, retardar o envelhecimento e até garantir um melhor funcionamento do cérebro para pessoas saudáveis. Apesar de os cientistas terem visto sinais de novos neurônios em várias partes do cérebro, a produção está restrita a duas regiões. É possível que ela exista em outras áreas de forma bem reduzida, ue não conseguimos detectar com os métodos atuais, diz neurobiólogo Alysson Muotri, do Instituto Salk, EUA.
O primeiro ponto é uma zona logo abaixo dos ventrículos (um bolsão de líquidos no meio do cérebro), que produz neurônios relacionados aos sentidos. O segundo é o hipocampo, o que é intrigante porque ele é uma área essencial para a formação de memórias, embora ninguém saiba dizer qual a função dos novos neurônios ali. A neurogênese é um processo muito lento e fraco para dar conta da memória, diz Izquierdo. Ou seja, ele descarta que os novos neurônios surjam a cada nova memória que gravamos final temos muitas memórias e poucos neurônios nascendo.
O mais provável é que eles tenham um papel mais limitado. Mas não há dúvidas de que a neurogênese é um processo importante. Sabe-se, por exemplo, que alguns tipos de derrames aumentam a produção de neurônios. A maioria deles morre, mas alguns conseguem chegar ao local da lesão e formar um remendo que não resolve os c 6 OF20 morre, mas alguns conseguem chegar ao local da lesão e formar um remendo que não resolve os casos mais graves, mas corrige microderrames que acabam passando despercebidos.
E um grande número de doenças, de uma forma ou de outra, está igado à neurogénese. A depressão é uma delas (veja quadro na página 53). O mal de Alzheimer é outra: ratos modificados geneticamente para desenvolver a doença apresentam também problemas na neurogênese, prova de que alguma conexão há. E remédios capazes de estimular o nascimento de neurônios em cobaias conseguiram atenuar os sintomas de mal de Parkinson uma abordagem que pode se revelar promissora para humanos.
O grande sonho dos cientistas agora é controlar o processo para fazer o cérebro tapar os próprios buracos mais ou menos como uma lagartixa regenera uma perna cortada. E, possivelmente, stimular o cérebro de pessoas saudáveis a fabricar neurônios afinal, células novinhas em folha podem dar uma bela mão na hora de raciocinar. Ainda estamos distantes desse sonho, mas já existe um caminho. Muitos fatores que incentivam o crescimento de novos neurônios já são conhecidos, diz o neurologista Cicero Galli Coimbra, da Universidade Federal de São Paulo.
Um deles é evitar estresse, que sabidamente bloqueia o crescimento de neurônios. Outro é viver em um ambiente rico, com estímulos mentais e físicos variados: basta colocar ratos em jaulas agradáveis e cheias de brinquedos divertidos para que a eurogénese triplique. O mesmo para banhos de sol que fazem o corpo produzir vitamina D, essencial para o crescimento das no mesmo para banhos de sol que fazem o corpo produzir vitamina D, essencial para o crescimento das novas células e para uma dieta rica em colina, substância presente em gema de ovos e ingrediente-chave dos neurônios.
Junte tudo isso e a sua mente, literalmente, começará a crescer. Superpoder 3 – Mover objetos O seu corpo, ao que parece, é muito pequeno para conter uma máquina tão poderosa quanto o cérebro. Prova disso veio em julho, quando foram divulgadas as aventuras de Matthew Nagle, m americano que ficou paralítico em uma briga em 2001. Três anos depois, cientistas da Universidade Brown, EUA, e de 4 outras instituições implantaram eletrodos na parte do cérebro dele responsável pelos movimentos dos braços e registraram os disparos de mais de 100 neurônios.
Enviados a um computador, esses sinais permitiram que ele controlasse um cursor em uma tela, abrisse e-mails, jogasse videogames e comandasse um braço robótico. Somente com o pensamento, Nagle conseguiu mover objetos. Mas não espere virar logo um personagem de Matrix e se plugar a computadores. Além de ser meio incômodo viver com fios aindo de dentro da cabeça, os movimentos de Nagle eram desajeitados, o sistema precisava ser recalibrado todo dia e, depois de alguns meses, os eletrodos perderam a sensibilidade.
Foi, entretanto, uma prova de que o nosso cérebro é capaz de comandar objetos fora do corpo uma idéia que pode mudar nossa relação com o mundo. um dos pioneiros nesse tipo de experiência é o neurobiólogo brasileiro Miguel Nicolelis, da Universidade Duke, EUA, que desde 199 experiência é o neurobiólogo brasileiro Miguel Nicolelis, da Universidade Duke, EUA, que desde 1999 vem tornando primatas apazes de comandar computadores com a mente. Ele chegou a fazer experiências em que sinais cerebrais de um macaco eram transmitidos pela internet e reproduzidos por um braço robótico a mais de 1 000 quilômetros de distância.
No ano passado, ele e sua equipe demonstraram um fato curioso: depois de um tempo ligado ao aparelho, o cérebro do macaco começou a assimilar a nova extensão como parte do próprio corpo. A grande promessa da descoberta é abrir caminho para que pessoas que perderam um membro operem membros robóticos como se fossem naturais. Mas tem mais: apesar de os eletrodos terem ido colocados na área do córtex que comanda o braço, o macaco havia se adaptado à prótese: era possível fazer uma coisa com o braço natural, e outra diferente com o mecânico.
Ou seja, não é absurdo imaginar que esse novo conhecimento permita não apenas criarmos próteses para deficientes, mas também membros novos para pessoas perfeitamente saudáveis que tal um terceiro braço? Tudo Isso parece ficção, mas é possivel que todos nós façamos algo parecido no dia-a-dia. Pense na quantidade de instrumentos que você usa e na facilidade com que faz coisas difíceis como irigir automóveis, ler, tocar instrumentos, usar talheres. O que a pesquisa de Nicolelis sugere é que tanta destreza pode existir porque, para os nossos neurônios, é como se todos esses objetos fizessem parte do nosso corpo.
Macacos e humanos têm a habilidade de incorporar ferram habilidade de incorporar ferramentas na estrutura do cérebro. Na verdade, achamos que o próprio conceito de identidade se estende às nossas ferramentas, diz Nicolelis. Ou seja, para o cérebro, o Iápis, o violão ou a bicicleta são literalmente partes de nós. Já é uma idéia impressionante, mas fica mais incrível ainda om outra descoberta: a de que não fazemos isso apenas com objetos, mas também com seres humanos.
Superpoder 4 – Ler pensamentos Um macaco em um laboratório da Universidade de Parma, na Itália, jamais imaginaria que faria parte de uma das maiores descobertas da ciência quando, 15 anos atrás, descansava com eletrodos implantados no cérebro. Os fios estavam conectados a neurônios que disparavam quando ele fazia movimentos. Por exemplo, se o macaco levantava um objeto, um neurônio começava a funcionar. Até que, despretensiosamente, um cientista levantou um objeto perto do simpatico primata.
E, para urpresa de todos, exatamente o mesmo neurônio que disparava quando o próprio macaco fazia a ação começou a funcionar. Em alguns casos, bastava o som dessa ação para acionar a célula. Ou seja, era como se a mente do macaquinho simulasse tudo o que os outros fizessem ao redor. Essa tendência para imitar tudo fez com que, em 1996, ao publicarem a descoberta, os cientistas italianos batizassem essas células de neurônios-espelho. Nos anos seguintes, os cientistas descobriram que não só temos o mesmo sistema dos macacos, como em humanos ele é muito mais desenvolvido. Em humanos, os neurôni 0 DF 20