Barroco

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México, Distrito Federal Marzo-Abril 2008 Aio 3 1 Número 14 1 Publicación Bimestral BARROCO, NEOBARROCO E OUTRAS RUINAS JOÃO ADOLFO HANSEN. Mestrado e doutorado em Literatura Brasileira pela Universidade de São Paulo. Professor titular de Literatura Brasileira na Universidade de São Paulo. Sua linha de pesquisa concentra-se no estudo das práticas de representação dos séculos XVI, WII e XVIII.

Alguns livros: Alegoria: Construção e Interpretação da Metáfora (São Paulo, Atual, 1986; 1987; Campinas-São Paulo, Editora da Unicamp-Hedra, 2006); A Sátira S”ipe to e o Engenho. Gregóri Paulo, Companhia da e r ar 106 da Unicamp-Ateliê, 2 • 1990; Carlos Bracher. 1998); O O. A Ficção Século XVII (São mpinas-Cotia, Editora prêmio Jabuti em ão Paulo, Edusp, Sertão: Veredas (Sao Paulo, Hedra, 2000) — Esse e o professor que trabalha com o barroco. —Prazer. —Muito prazer. —Ma… é o barroco histórico… —Ah… (Num corredor) Qui t’ a faite? pensai-je. ne ressembles à rien, et pourtant tu n ‘ es pas informe (Paul Valéry) ESTADO DA QUESTÃO credito, como Alan Boase, 1 que é inútil fazer mais uma vez a etimologa do termo “barroco” para buscar efinições mais precisas dele na uerruca da História Natural de Plínio, no silogismo escolástico e na pérola irregular. Fazê- lo lembra o trabalho de colecionar borboletas em gavetas previamente classificadas, como ocorre nos usos dedutivos e a- críticos da noção estil[stica de “barroco” para classificar e unificar as representações 2 luso- du Baroque”, in Renaissance Maniérisme Baroque.

Paris, Vrin, 1972, pág. 39. 2 Na sociedade luso-brasileira do século XVII, a identidade é definida como representação —uma forma especifica da posição— e pela representação —uma ocasião de ua aplicação como aparência decorosa subordinada no corpo místico do Império Português. por “representação”, no caso, entendo quatro coisas: 1. O uso particular, em situação, de signos no lugar de outra coisa.

Nas representações luso-brasileiras do século XVII, os signos são recortados em uma matéria qualquer como imagens de conceitos produzidos na substância espiritual da alma participada pela substância metafisica de Deus. 2. A aparência ou a presença da coisa ausente produzida na substituição. 3. A forma retórico-poética da presença da ausência. 4. A posição hierárquica encenada na forma como tensão e conflito de Dossier: Virreinatos Página 169 brasileiras do século XVII com categorias estético-políticas exteriores a elas. 0 “barroco” nunca existiu historicamente no tempo classificado pelo termo, pois “barroco” é Heinrich Wdlfflin e os usos de Wõlfflin. Melhor dizendo, a noção só passou a existir formulada positivamente, em 1888, na obra admirável de Wõlfflin, Renascmento e Barroco, como categoria neokantiana apnorística em um esquema ou morfologia de cinco pares de oposições de “clássico” e “barroco” aplicados dedutivamente para apresentar lguns estilos de algumas artes plásticas dos séculos XVI e XVII.

Antes de Wõllflin, em 1855, indiciando o crescente interesse pela noção, Jacob Burckhardt h que o Barockstyl era um Burckhardt havia proposto que o Barockstyl era um “dialeto selvagem” da linguagem renascentista. Riegl falou de “tátil” e “visual”. E, na crítica ao filisteísmo alemão, Nietzsche afirmava que falar mal do “barroco” era uma atitude de pedantes. Wõlfflin retomou a noção, nos Princípios fundamentais da história da arte, de 191 5, como categoria de uma Kunstwissenschaft, uma ciência da arte.

No esquema, “barroco” aplica-se dedutivamente a alguns estilos em que predomina o pictórico ou a massa acumulada da cor confundida, como acontece na pintura de Rubens, que exigiria observação dinamicamente minuciosa de formas misturadas que se subordinam a um único ponto de vista. Por oposição, “clássico” compõe, também dedutivamente, artes em que predomina a linha do desenho nítido que prescreve a observação quase estática de superfícies coordenadas de formas claras e distintas, como na pintura nãopenumbrista de Rafael.

A morfologia lineariza os estilos artísticos como unidades consecutivas sobre o eixo e um contínuo temporal, “clássico” antes, “barroco” depois, 4 não admitindo a coexistência historicamente observável de múltiplos estilos, como ocorre nos casos de Michelangelo, Caravaggio, Poussin, Bernini, 5 nos recortes cronológicos unificados pelas oposições, como formas produzidas por uma emulação que transforma tópicas retóricas e procedimentos técnicos de sedimentos e modelos egípcios, gregos, alexandrinos, latinos, bizantinos, patrísticos, escolásticos, neo-escolásticos e um enorme etc. simultâneos e de duração diversa e diferente; também não admite a existência de composições em que s procedimentos técnicos e os efeitos de significação das artes classificadas pelas oposições aparecem mesclados ou combinados. representações. 3 classificadas pelas oposições aparecem mesclados ou representações. 3 Uso a expressão “século XVII” para classificar descritlvamente a duração da “politica católica” da colonização ibérica anti-maquiavélica e anti-luterana, cujos limites podem ser 1580, inicio da União Ibérica, e 1 750, ano da morte de D.

João V e início das transformações políticas e culturais do despotismo ilustrado do Marquês de Pombal. As datas são ndicativas, podendo-se recuá-las ou avançá-las segundo as várias estruturas de durações e extensões diversas e diferentes que coexistem no recorte. Se algumas aparecem como longuíssimas durações de referências e modelos gregos, latinos, patrísticos, escolásticos e neo-escolástlcos, principalmente, que desaparecem por volta do final do século XVIII, outras continuam sendo transformadas fora do limite cronológico desse recorte. ? o caso de modelos artísticos italianos e ibéricos quinhentistas e seiscentistas aplicados na arquitetura, na escultura e na pintura do final do século XVIII e início do XIX. A partir de 1920, fala-se de “Maneirismo”, unidade estilística posta entre o Renascimento e o Barroco, como classificação, por exemplo, de emuladores da maniera de Michelangelo Buonarrotti. Curtius propõe “maneirismo” como Invariante transistónca, entendendo “barroco” como uma de suas espécies. Cf. Kossovitch, Léon. “O barroco inexistente”. Entrevista comJoaci Pereira Furtado. In CULT. Revista Brasileira de Literatura. São Paulo, Lemos Editorial, maio 1998, págs. 60-61 170 México, Distrito Federal Marzo-Abril 2008 Arno 3 1 Número 14 1 Mignot, Claude. “Un monstre linguistique”. In L’Âge du Baroque. Paris, Magazine Littéralre no. 300, juin 1992, pág. 42. 171 Desde que Wõlfflin usou o termo como categoria estética positiva, a extensão dos cinco esquemas constitutivos de “barroco”—pictórico, visão em profundidade, forma aberta, unificação das partes a um todo, clareza relativa— passou a ser ampliada, aplicando-se analogicamente a outras artes do século XVII, como as belas letras, apropriadas como “literatura barroca” em programas modernistas e estudos de tropos e figuras feitos segundo a conceituação romântica de retórica como estilística restrita à elocução psicologicamente subjetivada, para em seguida lassificar e unificar as políticas, as economias, as populações, as culturas, as “mentalidades” e, finalmente, sociedades européias do século WII, principalmente as ibéricas contra-reformistas, com suas colônias americanas, na forma de essências: “o homem barroco”, “a cultura barroca”, “a sociedade barroca” etc. Dedutivas e exteriores, as apropriações a-críticas de Wõlfflin substancializam a categoria, constituindo “barroco” como fato e essência que existem em si, ante rem, levando a que rotineiramente se pergunte se tal autor, monumento, quadro, livro ou poema são “barrocos”.

Feitos sem crítica documental sobre a produção das letras e artes no século XVII, sem crítica documental dos modos como os resíduos delas foram selecionados, conservados e transmitidos desde o século XVIII e, ainda, sem crltica genealógica da invenção da categoria no final do século XIX e das suas apropriações posteriores, os usos de “barroco” na crítica e na história literária não consi ente, que a noção não crítica e na história literária não consideram, geralmente, que a noção não tem existência independente do corpus neokantiano aplicado para defini-la 6 no final do século XIX, nem dos lugares nstitucionais que a aplicam, nem, ainda, dos condlcionamentos históricos dos objetos particulares do século XVII a que se aplica. ara que a definição e o uso do termo fossem pelo menos aceitáveis, seria necessário que características ditas “barrocas” especificassem todas as obras de uma série determinada e apenas a elas; no entanto, as séries classificadas como “barrocas” são bastante diversas e diferentes de lugar para lugar, de autor para autor, e, principalmente, de uma arte para outra e mesmo de obras para obras de um mesmo autor, de modo que características formais propostas como específicas de “barroco”, uando a noção se aplica às representações do século XVII, não passam de generalidades formuladas como deduções e analogias —informalidade, irracionalismo, pictórico, fusionismo, contraste, desproporção, deformação, acúmulo, excesso, exuberância, dinamismo, incongruência, dualidade, sentido dilemático, gosto pelas oposições, angústia, jogo de palavras, niilismo temático, horror do vácuo— que explicitam mais as disposições teórico- ideológicas dos lugares institucionais que as aplicam que propriamente a estrutura, a função e o valor históncos dos objetos a que são aplicadas, na medida mesma em que, sendo enéricas, como resultados de esquemas universalizados a- criticamente sem fundamentação empírica, também poderiam ser aplicadas a qualquer outra arte de qualquer outro tempo. Aqui, porém, não me interessa negar a existência de “barroco” nem propor que não se use o termo. Como dizia Deleuze, é estranho negar a existência de “barroco” propor que não se use o termo.

Como dizia Deleuze, é estranho negar a existência de “barroco”, como se negam unicórnios e elefantes rosa. No caso destes, o conceito já está dado, mas não no caso de “barroco”, em que seria útil saber se é possível inventar um conceito capaz e lhe conferir existência no século XVII. 7 Para demonstrar que não, basta propor o conceito que existe, e que é o positivado por Wdlfflin, e, depois, pelo historicista catalão Eugénio D’Ors, que em estudos kardecistas desmaterializou de vez a generalidade dedutiva do esquema, afirmando que “O Barroco”, Constante Universal do Espírito Humano, desencarna-se em sua obra quando nela reencarna “Clássico” várias vezes, desde a Pré- História.

Certamente, o termo pode ser usado como se usa qualquer outra etiqueta arbitrária para classificar operatória e descritivamente um corpus determinado. São criticáveis seus usos quando implicam a classificação e a unificação dedutivas e transistóricas das representações das letras do século XVII; ou seja, os usos que, generalizando o apriorismo do esquema wólffliano e sua desistoricização definitiva por D’Ors, desqualificam ou valorizam as representações com critérios neoclássicos, românticos e positivistas universalizados como “excesso”, “deformação”, “ruptura”, “angústia”, “acúmulo”, “jogo de palavras”, “hermetismo”, “mau gosto”, “afetação”, considerando as formas passadas como etapas para si mesmos e, por isso, oncebendo-as de maneira unilateral. Por exemplo, nas histórias literárias escritas segundo o pressuposto teleológico de que as mudanças estéticas alinham-se como superações que expressam o nacional, “barroco” é etapa, “O B as mudanças estéticas alinham-se como superações que expressam o nacional, “barroco” é etapa, “O Barroco”, do contínuo sobre o qual as letras, unificadas como estilo de época, vão- se sucedendo umas depois de outras, retornando ao sujeito transcendental kantiano ou ao espírito absoluto hegeliano. Uma teoria que pressupõe a objetivação de si mesma como squema prévio aplicado aos objetos nao pode ser usada em nenhum trabalho de análise histórica. enhum trabalho de análise histórica é fact[vel sem uma progressiva sistematização simultânea das informações documentais, que implica um pensamento crítico em contínua (auto)verificação. 9 A noção apriorística ou dedutiva de “barroco” é descartável, enfim, ainda que muitas de suas reencarnações ate possam ser curiosamente folclóricas como o elefante rosa. USOS DE “BARROCO” Observou-se nos últimos 20 anos um interesse crescente e polêmico pelo “barroco”, que retornou om alguma insistência em práticas art[sticas IO e críticas 11 contemporâneas identificadas muitas Deleuze, Gilles. Le Pli. Leibniz et Ie Baroque. Paris, Minuit, 1988, pág. 47. No sentido de Marx: “O assim chamado desenvolvimento histórico fundamenta-se em que a última forma considera as formas passadas como etapas para si mesma.

E sendo esta forma raramente e apenas em condições determinadas capaz de criticar-se a si mesma- não se trata aqui daqueles períodos históricos que se apresentam a si mesmos como tempos de decadência- ela as concebe sempre de maneira unilateral” (MEW, vol. 13, p. 36). 9 Foucault, Michel. “Le sujet et le pouvoir”. In Dits et écrits 1954-1988. Ed. établie sous la direction de Daniel Defert et François Ewald. Paris, Gallimard, 1994, 4 v. , IV 1980-1988, pág. 223. 10 Usos poéticos de “barroco” e “ne Ewald. Paris, Gallimard, 1994, 4 v. , IV 1980-1988, pág. 223. 10 Usos poéticos de “barroco” e “neobarroco” são operatórios, como o “neobarroso” na foz do Rio da Prata, de Néstor Perlongher; o “barroco” como “simbiose” ou “mestlçagem” contínuas que engendram “barroquismo”, segundo Alejo Carpentier, para quem as pirâmides de Teotihuacán também são “barrocas”.

Um uso muito influente de “barroco” é o do “presente de produção” poética e artística proposto por Haroldo de Campos. No caso, “neobarroco” significa a novidade contemporânea produzida por uma invenção artística que, apropriando-se sincronicamente de 87 172 vezes como “neobarrocas”, “pós-modernas” e “pós-utópicas”. 12 O retorno produziu e produz várias unilateralidades. 13 0 termo “neobarroco” significa “novo barroco” e implica a existência de procedimentos técnicos e efeitos das artes do século XVII, usa-os como matéria de transformações poéticas. O nome “neobarroco” os objetos estéticos é posto por meio de analogias estabelecidas entre seus efeitos e os efeitos das artes do passado classificadas como “barroco”.

Na apropriação poética dos restos, propõe- se, comJauss, Iser, Paz, Sarduy e outros, a exemplo do que T. S. E110t fez com a poesla de Donne e Marvell, ou Garcia Lorca com a de Góngora, que o conhecimento da poesia de Mallarmé, por exemplo, permite ao poeta contemporâneo reconhecer o valor estético da poesia de Góngora, que é constituído retrospectivamente como precursor. Não é o asianismo de Góngora, no final do sécul cipa as divisões s divisões prismáticas da Idéia da poesia de Mallarmé, no XIX, mas a leitura de Mallarmé por um poeta do século XXI que permite constituir a poesia de Góngora como uma tradição do novo ou de determinado modo contemporâneo de compor poesia segundo um cânone poético “de invenção”.

Da mesma maneira, conhecendo a antropofagia cultural de Oswald de Andrade, o poeta contemporâneo pode classificar poeticamente, com uma metáfora, as mesclas estilísticas da sátira de Quevedo ou da poesia atribu[da a Gregório de Matos Guerra como “antropofagia cultural”, quando se apropria delas para produzir istos estilisticos chamados de “neobarrocos”. Poeticamente, como termo que especifica um programa estético, “neobarroco” indica procedimentos específicos de prátlcas de apropriação do passado na invenção artística contemporânea. Os usos da noção são discutlVeis, contudo, quando as metaforas da ficção ou da prática poética são transferidas para o discurso crítico e historiográfico, afirmando-se por exemplo que Gregório de Matos é um antropófago cultural ou, como se diz hoje na Bahia, um antropólogo-eclético- sincrético-pluriétnico-multicultural.

Muitas feridas narcísicas permaneceriam incólumes se as ragmáticas poéticas, críticas e historiográficas, que usam os termos “barroco” e “neobarroco”, fossem definidas. A poesia é sempre histórica, mas o discurso da poesia não é o discurso da história. A identificação de ficção e história tem conseqüências políticas graves e já foi suficientemente questionada. Em usos historiográficos, a aplicação de categorias iluministas e pós- iluministas às representações luso-brasileiras do século XVII é evidentemente anacrônica, supondo-se a irredutiblidade da diferença histórica das práticas substancialistas de uma m PAGF 106

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