Carol
QUANDO TUDO ACONTECEU… 384 a. C. : Nasce Aristóteles em Estagira, próximo de Pela, a capital da Macedónia. – 373 a. C. : Morrem seus pais; vai viver para casa de uma irmã em Mísia. O cunhado será o seu tutor. Torna-se amigo de Hermias que virá a ser o tirano de Assos. – 367 a. C. : Aos 17 anos Aristóteles frequenta a Academia de Platão, em Atenas. 356 a. C. : Nasce Alexandre, filho de Filipe da Macedónia. – 347 a. C. : Morre Platão. Aristóteles não aceita Euspeusipo como novo director da Academia e parte para Assos, onde governa Hermias. Depois da morte des a.
C. : Aos 41 anos Aris e PACE 1 OF18 a instrução de Alexa r e. volta para a sua terra anos gere as suas pr ha de Lesbos. – 343 a fim de se ocupar anos Aristóteles Pítia. Durante 5 lipe da Macedónia é assassinado. Sucede-lhe Alexandre. – 335 a. C. : Aos 49 anos Aristóteles abre o Liceu, em Atenas. Alexandre financia-lhe a construção e manutenção da escola. – 323 a. C. : Morre Alexandre. Aristóteles tem 61 anos; perseguido pelos gregos, foge para a ilha Eubeia, onde vive sua mãe. – 322 a. C. : Morre na ilha Eugeia, aos 62 anos, no mesmo ano em que morre Demóstenes.
PÍTIA Do mar Egeu sopra uma amena brisa matinal. O dia anuncia-se órrido, como é hábito em Estagira, durante o mês de Agosto. alpendre da casa que foi de Nicómaco, seu pai. A mesma aragem trespassa o manto singelo de pano grosseiro que lhe cobre o corpo atarracado, as pernas finas. Acabou de, na cozinha, comer um frugal pequeno-almoço de pão de cevada, embebido em água e vinho, alguns figos secos e nozes. Levantara-se, porém, três horas antes e ocupara esse tempo na dissecação de uma toupeira. A realização de uma tarefa, o trabalho, traz- lhe a felicidade.
Como já fizera com outros animais, conseguira pormenorizar as partes essenciais constitutivas do olho do equeno mamífero insectívoro. .Agora, sentado na cadeira curva de braços, cerra os pequenos olhos encovados e argutos. Há poucos meses voltou para Estagira, a sua cidade natal na Calcídica, Macedónia. Voltou de Pela, a capital. Durante três anos esteve na corte como professor de Alexandre, o filho de Filipe da Macedónia. Ensinou-lhe o que era vital para que o jovem sucedesse ao pai. A história talvez não esteja de acordo: Alexandre, o Grande, cometeu excessos inacreditáveis.
Excessos que o filósofo não aprovou, ele, o criador da teoria do justo meio, o que se situa entre o defeito e o excesso, enfim, o bom senso. O mar, na sua frente, atrai-o. Como na infância. Como, antes, em Assos e na ilha de Lesbos. Aristóteles tem quarenta e cinco anos. Percorreu Estagira e alegra-se por Filipe ter começado a cumprir a sua promessa: reconstruiria a cidade, por ele arrasada em guerra anterior, se o filósofo acedesse ao convite para preceptor de Alexandre. É o momento de Aristóteles 18 É o momento de Aristóteles rever a sua vida.
Este retorno à casa do pai, a casa onde nasceu, no andar superior, é o lugar certo para a reflexão. Todas as coisas têm o seu lugar na disposição da natureza, como sempre afirmou. Abre os olhos. Ao longe, sob o céu limpidamente azul, pareceu- lhe ver os contornos de Tasso, a ilha luminosa. Mais além, a costa asiática, o Continente pelo qual, desde criança, sente profundo fascínio. Mas é a figura da mãe, Béstias, que, mais amiudadamente, lhe vem ao espirito. A casa precisa da mulher, a mulher que Aristóteles não quis, até ali, encontrar.
A casa, depois uma mulher e um boi de trabalho, eis o que Hesíodo prescrevia para a felicidade masculina. A casa e o boi de trabalho para os campos que herdou, possui-os já Aristóteles. Falta a mulher. Talvez a brisa, subitamente, lhe avivasse a memória e tornasse ítida a escolha: a bela e terna irmã (ou filha? ) do seu amigo Hermias, o tirano de Assos. Morto o irmão (ou pai? ), Pítia vive em Pela, protegida por Filipe. Mandará atrelar o carro de duas rodas. No dia seguinte obtém o acordo de Pítia que traz para o casamento um avultado dote.
INFÂNCIA E DRAMA abruptas torrentes de água, a natureza exuberante, as Bacantes que ali têm o seu dominio, os ritos e cultos estranhos, os gritos orgíacos, os latidos dos cães, tudo isso desagrada, profundamente, ao seco e civllizado cldadão de Atenas. Em 384 a. C. ano em que nasce Aristóteles, governa a Macedónia rei Amintas II em cuja corte é médico Nicómaco, o pai do filósofo. A um dia de viagem de Pela, situa-se Estagira. uma pequena cidade marítima, num golfo do mar Egeu. Pelas lendas, pela história, pela literatura, a Macedónia e a Grécia estão ligadas.
Mas os de Atenas encaram mal os do Norte: quando a Macedónia empobrece, desprezam-na; quando enriquece, temem-na. Para mais, sempre os macedónios sofreram atracções, pouco recomendáveis, pela Ásia, em especial pelos persas, inimigos figadais da Ática. Aristóteles, apesar das tradiçóes comuns, será um estrangeiro, um meteco em Atenas. E pagará por isso. Por enquanto, a criança vive a sua infância. Ao nascer, foi colocado aos pés de Nicómaco, para que este exercesse sobre ele o seu direito de vida ou de morte. O pai toma-o nos braços, sinal de que Aristóteles está salvo. Irá sobreviver.
Nicómaco quer para o filho um destino grego, talvez porque a Calcídica foi fundada por colonos gregos, vindos de Calcis, na ilha Eubeia, a terra da mãe, onde Aristóteles irá morrer. Ao dar-lhe um nome grego, Nicómaco quebra um costume: o filho deveria ter o nome do avô, Macaon. Aristóteles retomará a tradição: seu filho chamar-se-á Nicómaco. A ele dedicará uma das uas obras funda Aristóteles retomará a tradição: seu filho chamar-se-á Nicómaco. A ele dedicará uma das suas obras fundamentais, Ética para Nicómaco. (Aristóteles: um som muito próximo de Aristócles, o nome de Platão).
Duas irmãs mais velhas existem já na casa do médico Nicómaco. Elas vão estar ligadas a Aristóteles num amplexo familiar que o filósofo jamais renegará. Uma será a mãe de Calístenes, erudito e historiador que Aristóteles recomendará a Alexandre e que este condenará à morte. Em casa da outra irmã, em Mísia, perto de Pela, se recolherá Aristóteles, após a morte dos pais, tendo Proxénos, o cunhado, como tutor. Dois anos depois de Aristóteles, nasce Filipe da Macedónia. Os jovens vão ser companheiros de infância nos jardins do palácio real.
Mas, enquanto o filho de Amintas se exercita na cavalaria, no tiro ao arco, na caça, o de Nicómaco não é brilhante em tais artes. Ambos, no entanto, têm a paixão da natureza. Percorrem as florestas, conhecem as plantas, os animais do chão, as aves, os peixes. É aí que Aristóteles desperta para a biologia. As relações entre as duas crianças são afáveis e essa amizade, tão cara a Aristóteles, embora com divergências, prolongar-se-á até ao ssassínio de Filipe. Aristóteles, de facto, prefere as margens do mar Egeu, em Estagira, ao bulício, à confusão, ao fausto, à trepidação militar do palácio de Amintas. ? nesse mar, junto ao monte Athos, que Aristóteles inicia a investigação dos animais, em especial, os marinhos. Ensinado pelo pai, terá feito as primeiras dissecações. T especial, os marinhos. Ensinado pelo pai, terá feito as primeiras dissecações. Também é aí que, entre a praia e os rochedos, convive com as gentes do porto, os pescadores, os marinheiros, as cnanças do cais e absorve os conhecimentos que lhe ransmitem. É, porém, nos livros que satisfaz completamente a sua curiosidade. Conhece de cor os poetas, sobretudo Homero, conhece os filósofos de Atenas e, mesmo sem compreender tudo, memoriza.
Não é uma criança, aparentemente, sobredotada. É, tão-só, o que não é pouco, um jovem curioso, atento, paciente. E trabalhador. De súbito, o drama. Aos onze anos, Aristóteles perde os pais. Não se sabe como – se por doença, talvez epidémica, se por acidente. O primeiro exílio: Mísia, a casa da irmã Arimnesta e de Proxénos. A adolescência vai vivê-la entre os livros e para os livros. Todas s perguntas vão nascendo no seu espirito e, eventualmente, as respostas. Precisa ainda de uma chave. Essa chave está em Atenas e chama-se Platão.
Cumprindo os desejos do pai e o seu – nutre, daí em diante, uma quase idolatria por Platão aos dezassete anos, Aristóteles entra em Atenas. O MESTRE, O DISCIPULO Aristóteles. Há várias escolas na cidade. Mas a Academia de Platão é a mais acreditada. PAGF 18 com quem se acotovela nas ruas. Ninguém o conhece. A cidade é poeirenta, o ar sufocante, húmido, respira-se mal. Fala- se muito depressa, usam-se expressões que Aristóteles não decfra. Além do mais CICia, quase gagueja, a voz é branda, fraca, tímida. Nunca será um orador, mas um leitor. Na Academia descobrem que é de fora.
Da Macedónia? Sim, nasci lá, responde Aristóteles, prudentemente, como se quisesse que o facto fosse despiciendo, ocasional. Para ele, a prudência é uma virtude que será fundamental na sua ética. Recomendará sempre: prevejam- se as saídas possíveis, imaginem-se as consequências, avaliem-se as dificuldades – antes da decisão. Está em Atenas. Isso é o que importa. A noroeste, fora das portas da cidade, fica a escola de Platão, um velho ginásio sob a rotecção do herói Hecadémio. Não se entra na Academia para tirar um curso de xis anos. Entra-se, sai-se, fica-se o tempo que se quiser.
Não há carreiras, exames, cursos com limites. Vai-se para aprender, para ensinar. Uma palavra elogiosa do mestre, um estímulo, é o bastante. Platão há-de dizer que Aristóteles é o melhor dos seus alunos, a Inteligência, o Cérebro, o Espirito puro. Por isso, o jovem macedónio ficará vinte anos na Academia, estudando, encarregando-se de disciplinas, ensinando. A escola é um minicosmos da cidade, da sociedade. Invejas, vexações, intrigas, conspirações, grupos. Toda Atenas cosmopolita, variegada de gentes, vive uma vida versátil, animada, faladora, sulcada e fecundada pelos boatos, pelo diz-se, diz-se.
Aristóteles freq versátil, animada, faladora, sulcada e fecundada pelos boatos, pelo diz-se, diz-se. Aristóteles frequenta os pontos de encontro, diríamos os cafés, as tertúlias, mas também os artesãos, os comerciantes, os soldados, as gentes do porto, a boémia – gosta de vinho, de rir, de ouvir anedotas e historietas, dos fait-divers, de mulheres. Não se lhe conhece, de prova provada, pendor para a beleza e a graça masculinas que tanto seduziam os amigos e Platão (ainda assim, alguns autores dirão que também ele se deixou atrair pelos jovens, que teve em Atenas momentos de grande luxúria e devassidão).
Partilha, isso sim, a amizade, a filia, essa afecção da alma, como dirá, necessária para um homem “completo e perfeito” e para a organização da polis. Teofrasto vai ser o amigo fiel que o acompanhará toda a vida e a quem confiará a execução do seu testamento e a continuação do Liceu que Aristóteles irá fundar. Xenócrates, outro colega, marrão e teimoso, faz parte dos seus amigos académicos, até ao rompimento. Ao contrário de Platão que despreza o rumor, o diz-se diz-se, a opinião, o que se ouve, a doxa, Aristóteles dar-lhe-á sempre atenção, muitas vezes para a avaliar a contrario ou dela extrair o que é verosímil.
Não será só quanto à doxa que se manifestará o desacordo com Platão, mais velho do que ele quarenta e três anos. Esse desacordo, todavia, jamais será conflito ou oposição violenta. Até ao último dos seus dias, Aristóteles será pró-platónico, mesmo divergindo. Uma frase que se lhe atribui, embora não formulada pró-platónico, mesmo divergindo. Uma frase que se lhe atribui, mbora não formulada exactamente desta forma: “amigo de Platão, mas mais amigo da verdade”. Diógenes de Laércio, seu biógrafo, não muito fiel nem muito admirador, conta inúmeras histórias e frases de Aristóteles.
Qual a diferença entre os sábios e os ignorantes? A que há entre os vivos e os mortos. O que envelhece mais depressa? A gratidão. Que é a esperança? O sonho de um homem acordado. Que é um amigo? Uma só alma em dois corpos. Que comportamento devemos ter para com os amigos? Como gostaríamos que se comportassem connosco. A um fala-barato que pedia desculpa por o ter incomodado respondeu: não tem importâncla, não stive a ouvi-lo. Alguém o censurou por dar esmola a um vadio: não dei ao indivíduo, dei ao homem. Quando Aristóteles completa trinta e sete anos, Platão morre.
Espeusipo, filósofo e professor medíocre que virá a sucumbir de morte sinistra, devorado pelos piolhos, sobrinho de Platão e ateniense dos quatro costados, será, por testamento, o novo director da Academia. É provável que Aristóteles se tenha enfurecido. Ele, o Espírito puro, preterido por um insignificante! Não suporta a afronta. Ásia. Em Assos, o seu amigo Hermias (que também passara pela Academia) eunuco e escravo liberto, rico, poderoso, amigo a filosofia, é, agora o tirano. Aristóteles parte para lá, a fim de fundar uma escola. O segundo exílio.
Atenas fica para trás. uma memória viva, uma experiência vivida que Aristóteles sonha repetir. E repetirá. memória viva, uma experiência vivida que Aristóteles sonha repetir. E repetirá. JUNTO AO MAR, NA ILHA Aristóteles, mestre de Alexandre. Entretanto, o que está a acontecer no resto do mundo? Consulta a Tábua Cronológica. Ei-lo do outro lado, quase em frente de Estagira, nas margens da Ásia Menor. No seu ambiente dilecto: os portos, os barcos, o cheiro do mar, o gosto pelo vinho nas tabernas do cais, o otaque dos marinheiros, os peixes.
Não vai copiar a experiência de Platão, junto dos tiranos de Siracusa. Não tenciona moralizar Hermias. Dedicar-se-á ao trabalho, a ler, a escrever, a estudar. Longe de Atenas e dos mexericos está no seu lugar – perto da natureza, com os seus livros. Até que Hermias é traído e entregue aos persas que o matam, crucficado. Aristóteles atravessa o mar e vai para Mitilene, capital de Lesbos, a mítica ilha de Safo. Durante mais cinco anos, dando lições ou simplesmente trabalhando nas suas obras. Aristóteles é um homem rico em Estagira – ele está, como deseja, em pleno contacto com a natureza.