Ciganos e a integração social
Ciganos e a Integração Social Maria de Fátima Bezerra Resumo No Brasil, a integração social dos indivíduos ciganos tem sido um processo difícil. Quase sempre conotados com traços de exclusão social, vítimas de estereótipos negativos. Nesse artigo, descreveremos como o preconceito afasta a comunidade cigana do seu direito de cidadão e quais ferramentas os ciganos utilizam para resgatar esse direito. Apontaremos a existência de boas to view nut*ge práticas de instituiçõ a preservação da cult a Palavras-chave: cigan exclusão e integração social.
INTRODUÇÃO sociedade civil para lares culturais, Desde o século XV, a palavra “cigano” é utilizada como um insulto[l]. O termo aparece registrado pela primeira vez em português em: A farsa das ciganas de Gil Vicente, provavelmente em 1521. Nesta obra, os ciganos são considerados como originários da Grécia. No século XIX, no Brasil, não se fala se são se autoidentificam como tais. E mesmo hoje, ninguém se interessou ou foi capaz de saber, anda que aproximadamente, quantos ciganos vivem num determinado Estado e, menos ainda no Brasil todo.
Dispomos de dados demográficos detalhados, bastante confiáveis e constantemente atualizados sobre quase odos os povos indígenas no Brasil, mas nada sabemos sobre a demografia das minorias ciganas. A cultura cigana é marcada pela exclusão, intolerância, injustiças e preconceitos que a castigam há séculos. Prova disso é a precariedade das condições de vida, a falta de acesso à informação, o desconhecimento dos próprios direitos e o débil relaclonamento com as instituições são alguns traços que caracterizam a existência de grande parte dos indivíduos e famllias pertencentes a esses grupos.
Cada sociedade incorpora um conjunto de valores e representaçóes, ou seja, um padrão social de referência cuja xclusão surge quando se verifica uma privação de determinado tipo de recurso (materiais escolares, culturais, etc. ). Os exclu(dos são aqueles cidadãos que não participam dos valores e das representações contidas nos processos de referência. O fato é que as intervenções através das políticas públicas voltadas para as comunidades ciganas brasileiras são ainda muito tímidas.
Contudo, vencer o preconceito generalizado e já amalgamado nas práticas sociais dirigidas ao povo cigano consiste em uma tarefa de longo prazo, que demanda, além de políticas overnamentais, a efetivação das políticas públicas direcionadas a esses grupos. 2 – CIGANOS NO BRASIL Um estudo feito pelo PAGF peu antes da queda do Conselho Europeu antes da queda do Muro de Berlim, em 1989, estimou a população cigana na Europa do Leste entre 2,5 milhões e 4 milhões de pessoas.
Um relatório publicado em 1993 pela revista Espace Social Européen estabeleceu em 1250 milhão o número de ciganos nos doze países do Mercado Comum Europeu. Mas afirmam que essas estatísticas não refletem a realidade. Após séculos de perambulação pela Europa os ciganos hegaram ao Brasil no século XVI, como degredados da metrópole portuguesa. Existiam disposições régias proibindo a entrada de ciganos em Portugal e aqueles que lá estavam, se tentassem manter seus modos de vida deveriam ser expulsos para o Maranhão.
Segundo Moraes Filho (1981), as prováveis datas de chegada dos ciganos ao Brasil são retiradas de documentos portugueses, onde sendo eles perseguidos por roubos e feitiçarias em Portugal que foram condenados ao degredo no Brasil, como é o caso de João Torres[3] sendo condenado em 1574 a cinco anos acompanhado de mulher e filhos. Estima-se que no Brasil vivem cerca de 1 milhão de pessoas ciganas, distribuídas em três grupos: Kalon, Rom e Sint. Os ciganos seguiram preservando a língua materna Romani.
Práticas de quiromancia e adivinhação sempre estiveram ligadas aos grupos ciganos e, por isso, ao longo da história, sofreram perseguições, principalmente por parte da igreja católica e de outras religiões cristãs. Há informações de que existam mais de 10 milhões de ciganos em todo o mundo. São alegres, apreciam a realização de festas, amam a liberdade e gostam de cores fortes e vivas nas peças do vestuário. Conta-se ue as mulheres casadas usam um lenço que simboliza a alia vestuário.
Conta-se que as mulheres casadas usam um lenço que simboliza a aliança. Ao que tudo indica a deportação de ciganos de Portugal para o Brasil tomou maiores proporções mesmo a partir de 1 686, pois encontram-se na metrópole, dois documentos portugueses datados desse ano informando que os ciganos deveriam ser degredados ao Maranhão. O documento é um decreto escrito por D. João V em que se mandou substituir o exílio da África para o Maranhão. (COELHO, 1892) Moonen (1982) nos dá a informação que em 1726 há noticias e ciganos em São Paulo.
Essas notícias, que obtiveram na seção de documentos antigos da prefeitura de São Paulo, constam das Atas da Câmara Municipal de São Paulo e são, respectivamente, dos anos de 1726, 1760 e 1768. Numa ata do Senado da Câmara, 5 de outubro de 1726, o procurador do conselho requereu medidas contra “uns cigano” que apareceram na cidade de São Paulo, os quais, diziam, “eram prejudiciais a este povo porque andavam com jogos e outras mais perturbações” Tendo sido referido procurador atendido em seu pedido, os ciganos forma notlficados para que dentro de 24 horas despejassem” a cidade, sob pena de prisão, caso o não fizessem.
E em 1760, os vereadores de São Paulo resolveram “que por ser notório que nesta cidade se acha um bando de ciganos composto de homens, mulheres e filhos sendo público terem sido expulsos de Minas Gerais por serem perniciosos naquelas povoações e assim se vieram acolher a esta cidade aonde já vão havendo algumas queixas, ordenaram e mandaram que o alcaide que o notificasse para que no termo de 24 horas despejassem e saíssem desta cidade para fora e todo o seu termo dentro de três dias horas despejassem e saíssem desta cidade para fora e todo o seu ermo dentro de três dias e da cidade vinte e quatro horas… “.
Na história dos chamados ciganos experimentamos e imaginamos uma tradição cultural complexa com base em representações, memorias e impressões cristalizadas em uma consciência coletiva, como o produto de disputas e dissensões no campo das relações interétnicas. Vemos assim a imagem do cigano como um espelho negativo da sociedade ocidental, sedentária e moderna, que inscreve seus diacríticos no corpo do individuo e de seu grupo, nomeando, portanto à força de opressão física e simbólica o espaço marginal destinado àqueles ue perderam a luta antes mesmo de terem reconhecido sua posição no jogo (BOURDIEU, 2003).
Com isso o cigano é visto como um “selvagem” desde os primeiros contatos no Ocidente, identificado como sarraceno imoral, ignorante e herege, facínora e covarde (HANCOCK, 1987). “A atribuição de comportamentos desviantes aos ciganos parece ser na realidade, uma estratégia que visa sua descaracterização como individuo portador de uma tradição cultural, original e autêntica”. SIBAR, 2009) No Brasil, o conhecimento relacionado ciganos ainda é muito escasso. Este fraco aprofundamento justifica-se pelo fato e estarmos perante um grupo minoritário e culturalmente dissociado de nossa sociedade. O desconhecimento do universo simbólico cigano está estritamente associado a atitudes de incompreensão, não reconhecimento, discriminação e rejeição perante este grupo de pessoas.
Não encontramos um número significativo de estudos sobre ciganos e em alguns poucos livros e artigos encontrados vimos uma generalização apontando costumes e características poucos livros e artigos encontrados vimos uma generalização apontando costumes e características do grupo estudado como de todos os chamados ciganos Encontramos no território rasileiro, ciganos rom e calons, porém segundo autores ciganólogos, os roms são os mais estudados e descritos.
Isto ocorre porque esses ciganos costumam considerar a si próprios “ciganos autênticos”, “puros” e classificar os outros como apenas “ciganos espúrios”, de segunda ou terceira categoria. Segundo Acton (1 974), a grande falha da literatura sobre ciganos, oficial e acadêmica resulta da generalização, e observadores tem sido levados a acreditar que práticas de grupos particulares são universais, com a concomitante sugestão de que qualquer grupo que não possui essas práticas não são verdadeiros ciganos.
Aqui, vemos que a cultura rom passa a ser a “verdadeira cultura cigana”, a cultura modelo, e os calons são considerados como meros coadjuvantes. Moonen (1996, p. 11). nos mostra que desconhecemos estudos detalhados sobre as diferenciações entre ciganos em países específicos (por exemplo, entre Kalderash e Calon no Brasil), mas é mais do que provável que em todos os países existam ciganos ricos e pobres, conservadores e progressistas, analfabetos e outros com diplomas universitários, politicamente passivos ou ativos, nômades e sedentários. SIBAR, 2009) Liégeois (1988) demonstra que toda a população cigana é omplexa e o propósito em uma síntese se torna redutora e parcial, não se pode falar mais que em nome de um grupo cigano em particular, e toda generalização torna-se abusiva. Segundo o autor, o absurdo provocado por uma banal depreciação semântica, tem sido buscar durante muito tempo o ver o absurdo provocado por uma banal depreciação semântica, tem Sido buscar durante muito tempo o verdadeiro cigano.
As populações ciganas formam assim, no mundo, um mosaico de grupos diversificados, mas esse mosaico constitui um conjunto cujos elementos, de certo modo, estão unidos uns aos outros. Assim como o autor, acreditamos que ao analisar o papel e os elementos que separam os diferentes grupos ciganos, bem como aqueles que os unem, as divergências e semelhanças existem mais em relação de complementaridade do que de antagonismo, desse modo os aspectos contribuem para definir a posição do grupo perante a sociedade: cada grupo adquire sua identidade pelo jogo das oposições distintas.
A variedade portanto, está institucionalizada; o assim chamado “cigano” vive sua cultura através de um sistema de oposições distintas, o que faz com que cada um apresente uma imagem da sociedade que é a imagem articular do grupo social a que pertence; sendo assim, se pode ter várias concepções e percepções dos ciganos. (SIBAR, 2009) Como resposta às perseguições sofridas pelos que se encontram a sua volta, e presos numa dinâmica geral de troca social e cultural que os afeta, os ciganos tem criado nestes últimos anos organizações próprias.
Encontramos hoje em dia algumas ONGS, centro de estudos e assoclaçbes ciganas ou pró-ciganas espalhadas por quase todos os países. No Brasil o movimento cigano está ensaiando seus primeiros passos, pois existem várias organizações ciganas, mas apenas com ma pequena participação local ou regional e, nenhuma que represente todos os ciganos brasileiros. Entendemos essa manifestação como uma forma de resistência contra os longos períodos de perseguições sofridos pe PAGF 7 essa manifestação como uma forma de resistência contra os longos períodos de perseguições sofridos pelos ciganos.
Contudo, vemos que não existe uma cultura ou etnia homogênea cigana, o que acaba atrapalhando uma manifestação sobre os diretos e reivindicações ciganos. Medidas concretas contra a discriminação do grupo vem sendo discutidas e adotadas pelo overno brasileiro, buscando compreender a complexidade de sua inserção no “mundo dos gadje”[4], as implicações de seu nomadismo e promover ações positivas no combate ao racismo, à pobreza e à desigualdade.
Todavia, surgem dúvidas de como conciliar, numa democracia, a comunidade cultural com a nacional? Como preservar o laço social indispensável a toda unidade politica? As reflexões contemporâneas sobre a temática da diversidade cultural concentram uma discussão fundamental sobre como promover o reconhecimento e o respeito às diferenças humanas no ordenamento social.
Nesse sentido, o governo brasileiro é chamado a lidar com a pluralidade, reconhecer os diferentes sujeitos sócio culturais presentes em seu contexto, abrindo espaços para manifestações e valorizações da diferença. (SIBAR, 2009) Assim, a idéia de reconhecimento está voltada à busca pela satisfação e valorização das necessidades particulares dos indivíduos – neste caso os ciganos – enquanto membros de grupos culturais específicos, ou seja, de seus valores e diferenças culturais.
Percebemos com isto, que a questão do multiculturalismo contemporaneamente, constitui como um os maiores desafios do Estado Brasileiro no sentido de como gerenciar a diversidade cultural e seus conflitos dentro de um país em busca de uma unidade social, colocando à vista a necessidade de in PAGF 8 OF conflitos dentro de um país em busca de uma unidade social, colocando à vista a necessidade de incorporação dessas diferenças pelo sistema democrático atual. (SIBAR, 2009).
Não se tem mutos documentos a respeito da históna dos ciganos porque como sua língua é ágrafa, sem grafia, não existem registros escritos. A informação nos é chegada através de afirmações orais nem sempre comprovadas. Os problemas enfrentados pelas organizações ciganas ou pró ciganas não são poucos. Em primeiro lugar, existe a enorme diversidade linguística, que torna uma efetiva comunicação nacional ou internacional entre ciganos praticamente impossíveis.
Em segundo lugar, há uma grande variedade de problemas, aspirações e interesses familiares, locais, regionais ou nacionais: o que uma família ou grupo, ou o que os ciganos de determinado pais podem achar importante, pode não ter o mínimo interesse para os outros, e os problemas de um, não precisam ser, também, os problemas dos outros. Em terceiro ugar, as lideranças ciganas sempre se organizaram em grupos ou famílias e não tiveram uma organização política a niVel regional e menos ainda internacional.
Os atuais novos líderes ciganos, geralmente intelectuais com títulos universitários e até alguns professores universitários, que se comunicam com o mundo cigano e não cigano publicando artigos e livros constituem uma ameaça para os líderes tradicionais, geralmente idosos analfabetos, pelo que será comum estes novos e jovens líderes serem acusados de traírem as tradições ciganas.
Em quarto lugar, conflitos internos surgem quando associações passam a receber ecursos financeiros de entidades não ciganas civis, religiosas ou governamentais; acusações recursos financeiros de entidades não ciganas civis, religiosas ou governamentais; acusações de apropriações indevidas ou de corrupção se tornam inevitáveis. Finalmente, em quinto lugar, há o problema universal e não exclusivamente cigano, de rivalldades e competição entre lideranças. SIBAR, 2009) 3 – POLÍTICAS PÚBLICAS PARA AS MINORIAS Alguns autores brasileiros dedicaram umas poucas páginas à perseguição e discriminação dos ciganos. Mais amplamente o assunto passou a ser tratado a partir de 1992, quando o rocurador Luciano Mariz Maia, da Procuradoria da República da Paraíba, instaurou um Inquérito Civil sobre violações aos direitos e interesses de 450 ciganos Calon na cidade de Sousa, no alto sertão da Paraíba.
Constatando a ausência quase total de bibliografia ciganológica nacional e estrangeira no Brasil, e para poder melhor instruir o Inquérito, o procurador Luciano Mariz Maia realizou curso de pós-graduação sobre os direitos de minorias étnicas em Londres / Inglaterra (1993 – Ciganos na Comunidade Européia: documentos, 1995 – The Rights ofthe Gypsies under English and Brazilian Law).
Procurador Luciano Mariz Maia solicitou, ainda, a colaboração do antropólogo Frans Moonen para uma pesquisa mais aprofundada sobre o anticiganismo e os direitos ciganos na Europa, além de uma pesquisa de campo entre os Calon de Sousa / PB. Os ensaios de Moonen, divulgados em artesanais edições xerocadas ou pela internet, visam fins práticos ou didáticos; tratam principalmente da história e situação atual dos ciganos na Europa e dos direitos e reivindicações dos ciganos europeus, para o que se baseia numa ampla bibliografia européia (1 993/1 994/2000/2004- Ci anos Calon