Mentes
Conceitos Perigosos Uma análise do livro Mentes Perigosas: suas implicações para a Psicologia e o Direito Resumo: O conceito de psicopatia é analisado a partir do best seller “Mentes Perigosas”, de Ana Beatriz Silva. Acreditamos que tal conceito é fruto da história na qual se articulam a psiquiatria e o direito. al conceito é extremamente frágil do ponto de vista epistemológico e parece servir como justificativa para a suspensão de direitos civis fundamentais. N conceito de orlo , iza a hipótese de que o para nossas psicopatia também a • • Sv. ipe to fantasias persecutóri sádicas.
Palavras-chave: Psicopata; Prisão; Ubuesco Fábio gelo 2 Luiza Campos 1. O ubuesco e o poder médico-judiciário Michel Foucault, no seu curso Os Anormais, vale-se do neologismo ubuesco para descrever “o exercicio do poder através da desqualificação explícita de quem o exerce” (Foucault, 2002:45). O “terror ubuesco” faz referência ? peça de teatro Ubu Rei, de Alfred Jarry. Trata-se de um rei grotesco — mal-educado, pouco inteligente, maldoso – mas, que, apesar de tudo, continua no poder. Para cunhada por Foucault que examinaremos a tese do livro Mentes Perigosas, de Ana Beatriz Silva.
Lemos esse livro como um exemplar do “poder médico-judiciário” que se organizou na passagem do século XIX para o XX, quando o campo jurídico se articula com o discurso psiquiátrico para justificar e legitimar as prisões daqueles considerados Este trabalho faz parte do Projeto de Iniciação Científica “A idéia de sublimação como defesa contra o desejo de cometer um crime”, de Luiza Campos, cujo orientador é o Prof. Dr. Fábio Belo. O projeto está inscrito na Faculdade de Direito Milton Campos e conta com o apoio da FAPEMIG.
Mestre em Psicologia (UFMG), Doutor em Estudo Literários LJFMG), Professor de Psicologia da Faculdade de Direito Milton Campos (FDMC). E-mail: fabiobe1076@gmaiI. com Aluna de Direito, da FDMC. E-mail: luizapcampos@hotmail. com 1 “perigosos”. Os enunciados da psiquiatria parecem valer como enunciados judiciános privilegiados que possuem uma espécie de supralegalidade. O exame psiquiátrico forja uma série de noções a partir do século XIX tais como “personalidade pouco estruturada”, “profundo desequilíbrio afetivo”, “jogo perverso”.
Qual é a função dessas noções e de sua companheira contemporânea, a “psicopatia’? Uma dupla função, como esclarece Foucault, pois a nfração será inscrita como traço individual do criminoso. A conduta será transformada em “maneira de ser”. Em segundo lugar, essas noções vão deslocar “o nível de realidade da infração, pois o que essas condutas infrin i, porque nenhuma lei PAGF 10 infração, pois o que essas condutas infringem não é a lei, porque nenhuma lei impede ninguém de ser desequilibrado afetivamente, nenhuma lei impede ninguém de ter distúrbios emocionais (…
Y’ (Foucault, 2002:20). Essas noções são qualificações morais e são também regras éticas. Essas noções ainda deslocaram a questão, no processo jurídico, a atribuição de responsabilidade à questão da periculosidade. Temos, então, a substituição do indlviduo juridicamente responsável pelo elemento correlativo de uma técnica de normalização. Como veremos, Silva (2008) ao levar adiante a noção de “psicopata” inventa um tipo de monstro moral, cuja “natureza” impede que ele seja considerado juridicamente responsável.
Foucault nos lembra que há duas grandes fontes genealógicas para o monstro moral: uma religiosa e outra normalizante. A primeira trata dos monstros cuja natureza é “contranatural”: os siameses, os hermafroditas, são exemplares esses “monstros” que paralisam a lei e exigem dela medidas que os coloquem fora da lei. A outra fonte, normalizadora, é aquela que constrói os monstros a partir das várias instâncias disciplinares que visam normalizar a população. Todos aqueles que escapam ao “normal” é visto como monstro potencial: a criança masturbadora, os retardados, os delinquentes são alguns exemplos.
Nossa tese é que a noção de “psicopata” articula bem essa dupla origem da nstruosidade moral. Ao biológica do mal, da mesma forma em que asseveram o caráter incorrigivel do psicopata. Analisemos agora, em pormenor, a tese e Silva. 2. A invenção do monstro No primeiro capítulo, “Razão e sensibilidade: um sentido chamado consciência”, Ana Beatriz garbosa Silva narra uma aula que teve ainda na faculdade 2que a fez chegar à idéia que tem de “ser e “estar inicialmente, e depois à idéia de consciência.
Diz que consciência é “um senso de responsabilidade e generosldade baseado em vínculos emocionais, de extrema nobreza, com outras criaturas (animais, seres humanos) ou até mesmo com a humanidade e o universo como um todo. uma espécie de entidade invisível, que possui vida própria e que independe da nossa razão. (MP: 23, itálico nosso) 4 . Ela ainda diz que é a consciência que nos impele a fazer o bem, e chama essa consciência de consciência genuína. No segundo capítulo, “Os psicopatas: frios e sem consciência”, a autora dá sua idéia geral de psicopata.
Eles estariam em nosso meio, camuflados de bons profissionais, pais e mães de família. Os psicopatas não têm arrependimento e não teriam consciência, para a autora. Eles estariam sempre de tocaia, “procurando suas presas”. Finamente, a autora dá um exemplo de uma paciente que sofreu com determinado namorado e diz que, provavelmente, ela não foi a rimeira e nao sera a última a ser enganada, poi namorado da moça) é um suspeitas”, a autora cita mais um caso como exemplo, diz que não existem fórmulas para saber em quem confiar e que 96% da população é conslderada possuidora de uma base razoável de decência e responsabilidade.
Ao chegar a esse dado, 4% apenas é psicopata, ela se questiona como explicar então a violência no trânsito, a contaminação ambiental, o terrorismo… Conclui então que os psicopatas representam a minoria da população mundial, porém são responsáveis por um grande rastro de destruição, uma vez que essas pessoas do mal” se unem na busca de interesses comuns, enquanto as pessoas “do bem” se escondem dentro de suas casas.
Por fim, a autora ensina a identificar os suspeitos: Quanto tiver que decidir em quem confiar, tenha em mente que combinação consistente de ações maldosas com frequentes Jogos cênicos por sua piedade praticamente equivale a uma placa de aviso luminosa plantada na testa de uma pessoa sem consciência. Pessoas cujos comportamentos reúnam essas duas características nao são necessariamente assassinas em série ou nem mesmo violentas.
No entanto, não são indivíduos com quem você deva ter amizade, elacionamentos afetivos, dividir segredos, confiar seus bens, seus negócios, seus filhos e nem sequer oferecer abrigo! (MP: 59). Nos capítulos 4 e 5, “Psicopatas: uma visão mais detalhada partes 1 e 2”, Ana Beatriz Barbosa Silva fala mais sobre os psicopatas e dá algumas caracter[sticas 10 abreviação, seguida pelo número da página, para nos referirmos ao livro Mentes Perigosas, cuja indicação bibliográfica completa encontra-se na Bibliografia desse trabalho. comuns, sendo elas, superficialidade e eloquência, egocentrismo e megalomania, ausência de sentimento de culpa, ausência de empatia, mentiras, rapaças e manipulação, pobreza de emoções, impulsividade, autocontrole deficiente, necessidade de excitação, falta de responsabilidade, problemas comportamentais precoces, comportamento transgressor no adulto.
No capítulo 6, “Os psicopatas no mundo profissional”, a autora fala da vida do psicopata nas empresas, desde seu ingresso. “Confirma” sua tese, dando um caso de paciente como exemplo. Os psicopatas ingressam nas empresas, estudam o território, manipula as pessoas e fatos, confrontam até a sua ascensão. Fala ainda das empresas psicopáticas, que colaboram para a ação dos sicopatas e dá dicas para reconhecer um pslcopata antes de contratá-lo.
P96 Finaliza o capítulo falando da psicopatia nas diversas profissões e também nos casos de pedofilia, os psicopatas se camuflariam nas profissões que permitem maior acesso às crianças a fim de seduzi-las. No capítulo 8, “Psicopatas perigosos demais”, autora trata da violência doméstica e contra a mulher com os casos do Maníaco do parque e de Maria da Penha Maia Fernandes. Ela finaliza falando da importância para o sistema carcerário brasileiro de se identificar os sico atas.
Se existisse um procedimento de diagnóst rocedimento de diagnóstico para a psicopatia quando há solicitação de benefícios, redução de penas e progressao de regime, os psicopatas ficariam presos por muito mais tempo, e haveria diminuição na taxa de reincidência de crimes violentos, uma vez que a taxa de reincidência criminal dos psicopatas é duas vezes maior que a dos demais criminosos. A idéia principal da autora é a de que não há cura para a psicopatia. Que não há como tratar um psicopata.
Como já demonstrado antenormente, ela defende a realização do exame para determinar a “patologia”, uma vez que os psicopatas têm axas de reincidência duas vezes maior que as pessoas “normais”, e com o resultado positivo para esse exame, os “maus” nao deveriam ter o benefício da progressão do regime, uma vez que não são capazes de viver em sociedade sem fazer mal ou influenciar alguém a fazê-lo, nem de redução da pena, ou de qualquer outro tipo de benefício.
Resumindo, pode-se entender que os psicopatas deveriam ser tratados de maneira única, com penas aplicadas para o crime unicamente e não para as pessoas e que qualquer tratamento dispensado a eles seria total e completa perda de tempo, uma vez que eles não podem ser curados. Os psicopatas deveriam ficar presos para sempre talvez, preferencialmente em prisões especiais somente para eles (cf. MP: 134). 44. Mais prisão?
A Constituição da Repúbli 5, caput, diz que “todos seus incisos XLVI e XLVII que a lei regulará a individualização da pena e que não haverá penas de morte, salvo em caso de guerra declarada, nem de caráter perpétuo. para a aplicação da pena, leva-se em conta a culpabilidade do agente, requisito este que, segundo Cezar Roberto Bitencourt “constitui- se no balizador máximo da sanção aplicável, ainda que invoquem objetivos ressocializadores ou de ecuperacao social” p590.
Consideram-se também os antecedentes, ou seja, fatos anteriores bons ou maus praticados pelo reu, a personalidade, a conduta social, os motivos determinantes, as circunstâncias, entre outros. Ora, a pena tem função não só de punir e retribuir, mas também de ressocializar. Para sua aplicação, se o individuo em questão for considerado um psicopata, isso é considerado. A personalidade do réu tem que ser levada em conta para a aplicação. E quando da progressão do regime, um juiz leva em conta o comportamento do indivíduo.
As penas, assim como os benefícios, não são aplicados m blocos, ou feririam a propria Constituição, que determina a individualização da pena. Não há porque acred’tar que um psicopata não pode progredir, prmeiramente porque iria contra o que a Constituição, afinal de contas, ninguém pode ficar preso por longos períodos, nem mesmo os psicopatas, e até eles têm o direito de ter sua personalidade, condutas e s levados em algum crime, ou seja, podese concluir que aquela minoria que pratica uma Infração, não tem que necessariamente praticar novamente, e que os psicopatas não são então perigosos assim.
Observando então o principio da individualização da pena, bem omo o caráter ressocializador da mesma, pode-se inferir que não faz sentido algum os psicopatas serem tratados de maneira diferente, como defende a autora. Se for observado que eles são doentes, que praticaram o crime por causa da doença, se ela for mental, eles não irão para presídios, sofrerão medidas de segurança, terão tratamento diferenciado, serão analisados por especialistas, psiquiatras, psicólogos. Mas só assim é possível um tratamento diferente.
A prisão por mais tempo, um tratamento único 5dispensado a todos, a não concessão de benefícios estão fora de questão se os ditos sicopatas atendem a todos os requisitos para a concessão dos mesmos, e, como a Constituição determina, todos são iguais perante a lei e não haverá distinção de qualquer natureza. Conclusão Todo o campo das noções da perversidade “funciona tanto melhor quanto mais fraco for epistemologicamente” (Foucault, 2002:42). Parece ser esse o caso da invenção desse novo monstro moral que é o psicopata.
A tese de Silva não por acaso se torna um best seller popular. O discurso da “perversão e do perigo” justifica medidas que violam os dir s e satisfazem o desejo Psi (psicologia e psiquiatria) não é catecismo moral. Um dos papéis da psicologia e do direito é criticar de forma consistente o aparecimento desses casos ubuescos como é a invenção midiética do personagem psicopata Do ponto de vista epistemológico, o conceito de psicopatia parece fazer parte da longa história da articulação entre a psiquiatria e o direito.
Essa história mostra como noções psicológicas são usadas para justificar práticas de exclusão, especialmente, no que tange a uma suspensão de direitos civis fundamentais. De um ponto de vista psicanalítico, podemos levantar a hipótese de que o conceito de psicopatia também é alimentado por nossas fantasias ersecutórias de tomar certas pessoas como monstruosas e, por isso mesmo, justificar nossas fantasias sádicas e de vingança direcionadas a esses “monstros”. . Bibliografia Foucault, Michel. Os anormais: curso no Collége de France (1974-1975). Trad. Eduardo grandão. sao Paulo: Martins Fontes, 2001. Silva, Ana Beatriz Barbosa. Mentes perigosas: O psicopata mora ao lado. Rio de Janeiro: Fontanar, 2008. Bitencourt, Cezar Roberto. Tratado de Direito penal: parte Geral. 1 *ed. São Paulo: Saraiva, 2008. Lembremos que Ana Beatriz a areceu em diversos programas de televisão no ano de lanca explicando 10 10