Merleau ponty
A FENOMENOLOGIA EM MERLEAU-PONTY Patrícia Tadeu Embora o termo fenomenologia (“ciência dos fenómenos”) remonte a Lambert, a Kant, a Hegel, a Hartmann, a fenomenologia enquanto movimento e método do pensar inicia- se com o filósofo austro-húngaro Edmund Husserl e tem como lema o “retorno às coisas mesmas”, o regresso aos fenómenos, ao modo de aparecer vivido antes de ser tematizado. Nas palavras do filósofo francês Merleau-Ponty (1908-1961) “trata-se de descrever e não de explicar nem analisar”[l][l].
Descrever ou explicitar os fenóme ciências ou à análise universo da ciência é experiência do mun conhecimento mas d ora to view ção própria das Ora “todo o do vivido”, sobre a e mundo antes do la que a fenomenologia visa. Retorno a um mundo (a um mundo originário) que “está já lá” antes de ser constituído pela consciência. Pretende-se captar a “relação natural” com o mundo, reencontrar o contacto ingenuo com o mundo, ou seja, a percepção e conferir-lhe um estatuto filosófico. ? neste sentido que Edmund Husserl nos falava da necessidade de uma “fenomenologia genética” que nos descrevesse a realidade no seu emergir imediato, no seu aparecer como movimento, sem enhuma influência cientista, psicologista ou historiadora. Não se trata de procurar este olhar Swipe to vlew next page olhar fenomenológico na história ou em textos outrora legados pelos diversos discipulos de Husserl, mas sim procurar em nós mesmos a unidade fenomenológica, o verdadeiro sentido do olhar do fenoménologo.
Na perspectiva de Husserl que Merleau-Ponty[3][3] também adopta tudo o que conhecemos do mundo, sabemo-lo através da nossa própria vivência, da nossa experiência singular; mesmo na ciência, o universo que esta constrói é edificado sobre as nossas ivências e as nossas experiências. A ciência nunca alcançará o mesmo sentido que o mundo percebido, pois este mundo percebido é um mundo vivido, é uma experiência vivencial que é descrita e a ciência é apenas explicação ou análise desse mundo percebido. or mais explicações que engendremos, sejam elas, de vertente zoológica, antropológica ou psicológica, o homem é antes de tudo experiência vivida, é a fonte que origina e sustenta todas as explicações posteriores acerca dele, o «eu» enquanto ser humano existe por si só, está antes de todas as explicações oss[veis e imaginárias provenientes dos saberes tematizados e assim entendemos a fenomenologia como uma descoberta vivencial e originária, a saber, toda a fenomenologia do nosso filósofo fundamenta-se no mundo da vida.
O mundo existe antes das nossas análises ou reflexões, ele é fonte de todos os nossos pensamentos e de todas as nossas percepções, é neste mundo que nós estamos inseridos e que comunicamos com os outros. Para alcançarmos o verdadeiro sentido do mundo não PAGFarl(F7 inseridos e que comunicamos com os outros.
Para alcançarmos o verdadeiro sentido do mundo não nos podemos deixar cair a teia das análises reflexivas e aniquilar a própria reflexão, caindo numa “subjectividade invulnerável” ausente de ser e de tempo, não podemos ignorar a reflexão como acontecimento, uma vez que ela manifesta se como uma verdadeira criação, em que o mundo é dado ao sujeito porque “o sujeito é dado a si Assim o real deve ser mais uma vez descrito e não construído ou constituído, como pensava Husserl, uma vez que ele é a própria génese e precisa dos nossos juízos tematizados para existir.
O mundo é um meio natural e é a origem de todos os meus pensamentos e de todas as minhas percepções, e não sou u que o crio ou constituo, apenas o percepciono e o descrevo. No fundo o homem é o que é porque está no mundo e é neste que ele se conhece, o mundo surge como a casa ou fonte das minhas percepções e nunca o contrário como nos faziam crer os dogmáticos. ? ao demarcar-se da atitude natural que consistia em «crer na realidade do mundo e de mim mesmo”, que Husserl procura uma atitude não ingénua, mas reflectida, uma atitude que não confunde o mundo com uma realidade objectiva em si, fazendo dele um objecto de ciência. O retorno ao mundo originário, ao mundo antes de ter sido parcelado e tematizado pelas ciências, mplica que o coloquemos entre parênteses, que suspendamos (épochê) a nossa crença nele. ? a este movimento ou atitude que Husserl d PAGF3rl(F7 que suspendamos (épochê) a nossa crença nele. É a este movimento ou atitude que Husserl dá o nome de “redução fenomenológica”. Mas esta deverá conduzir-nos ao mundo e não ser um “retorno a uma consciência transcendental perante a qual o mundo se desenrola numa transparência absoluta”. [5] [5] Não podemos reduzir quer o mundo quer a nossa existência ? consciência que temos da sua e da nossa existência.
Ora, para entendermos a relação que nós somos ao mundo é indubitável suspendermos este próprio movimento de relação, porque o nosso olhar contaminado pelo senso comum ou pelos saberes tematizados apresenta-nos as coisas de uma forma tão evidente que muitas vezes não conseguimos depreendermo- nos desses olhares “corrompidos” e parece que a observação do mundo nunca é pura. Por isso é necessário fazer surgir as coisas que nos passam despercebidas, “acorda”‘ para essas coisas e tal só será possível se nos abstivermos delas por um instante, se as suspendermos, fazendo uma redução.
E essa torna-se inevitável se ainda quisermos como dizia o assistente de Husserl, Eugen Fink, admirarmo-nos perante o mundo,[6][6] ou seja, é necessário distanciarmo-nos para olhar o mundo e ver a nossa relação com É neste sentido que Husserl tece a sua crítica ao seu antecessor Immanuel Kant, por este ter utilizado a nossa relação ao mundo, tornando o mundo inerente (dependente) ao sujeito, por ter caído numa filosofia “mundana”, em vez de se espantar ou admirar-se com ele, tal com sujeito, por ter caído numa filosofia “mundana”, em vez de se espantar ou admirar-se com ele, tal como já havia proposto
Platão e Aristóteles na Antiguidade Clássica quando estes afirmaram, respectivamente, que era do espanto e da admiração que nasce a própria filosofia “o maior bem que os deuses concederam aos mortais”. ? preciso admirarmo-nos com o mundo e concebermos o sujeito como condição sine qua non do mundo, como “transcendência em direcção ao mundo” mas para isso é necessário libertarmo-nos da dificuldade que Husserl e os seus seguidores tiveram em romper com a familiaridade que tinham com o mundo, pois só esta ruptura nos poderá dar a conhecer o que de melhor tem o mundo, conseguindo até esmo vê-lo surgir de uma forma pura, ingénua e desmotivada.
Esta redução fenomenológica ou transcendental faz aparecer o mundo tal como ele é antes de qualquer reflexão. Mas esta redução alia-se à redução eidética, que nos devolve as essências – essência do mundo, essência da consciência, essência da percepção. Na verdade para Merleau-Ponty a fenomenologia é o “estudo das essências” mas estas são recolocadas na existência e o mundo só pode ser compreendido a partir da sua “facticidade” e contingência.
As essências não devem ser entendldas como um fim mas como meio e a necessidade que temos de passar elas essências não implica que “a filosofia as tome por objecto, antes pelo contrário a nossa existência é estritamente tomada no mundo para se conhecer como antes pelo contrário a nossa existência é estritamente tomada no mundo para se conhecer como tal no momento onde ela se estende e ela tem a necessidade do campo da idealidade para conhecer e conquistar a sua Procurar as essências é ir às coisas mesmas.
Por exemplo, é através da visão que nós vemos o mundo e o percepcionamos, logo, o mundo é aquilo que nós percebemos, é aquilo que nós vemos e não aquilo que pensamos. Ao reinterrogar e ao reinterpretar os textos, nomeadamente os do ‘último’ Husserl, Merleau Ponty acaba por afirmar que o destino da fenomenologia encontra-se vinculado a uma radicalidade que visa redescobrir o solo sobre o qual se ergue o edifício da existência humana; isto é, quer trazer à luz o que permanece na obscuridade, no registo do silêncio, dando a conhecer o que está aquém do conhecimento e da sua habitual cisão entre sujeito e objecto.
Diz Merleau-ponty que “o maior ensinamento da redução é a impossibilidade de uma redução completa. Eis porque Husserl se interroga sempre e novo sobre a possibilidade da redução. Se fossemos o espírito absoluto, a redução não seria problemática”. E ainda, “filósofo, conforme podemos ler nos inéditos (de Husserl) é um “perpétuo principiante”. Isso significa que não toma nunca por adquirido o que os homens ou os cientistas crêem saber.
Isso quer dizer também que a própria filosofia não se deve tomar por adquirida no que pode dizer de verdadeiro, que se trata de uma experiência renovad PAGFsrl(F7 tomar por adquirida no que pode dizer de verdadeiro, que se trata de uma experiência renovada do seu próprio começo, que la consiste exactamente na descrição desse começo, e, enfim, que a reflexão a uma vida irreflectida que é a sua situação inicial, constante e pelo exposto verificamos que a fenomenologia para Merleau Ponty constitui um elemento decisivo na orientação do seu projecto filosófico que visa dilucidar a experiência do ser humano no mundo; a familiaridade que com ele vive acaba por esconder e esquecer a intrínseca opacidade da relação homem-mundo, isto é, da percepção. Assim, “o fito não é chegar (… a um sujeito puro, constituinte, mas sim regressar ao mundo, até ali adormecido, a m mundo originário e VIVO, ao brotar imotivado da experiência perceptiva” O nosso filósofo no artigo “A dúvida de Cézanne” (1945) elege Cézanne como um pintor que exercita a própria fenomenologia. Aqui Merleau-Ponty alerta mais uma vez para a necessidade de uma epochê, de suspender os nossos hábitos, uma vez que “vivemos no meio de objectos construídos pelos homens, entre utensilios, em casas, em ruas, em cidades e durante a maior parte do tempo apenas os vemos através das acções humanas nas quais eles podem ser os modos de aplicação. Habituámo-nos a pensar que tudo isto existe necessariamente e é indestrutível”