Unidade iii filosofando
UNIDADE III A CIENCIA CAPÍTULO 11 O CONHECIMENTO CIENTifICO (Gravura) Galileu diante da Inquisiçãpo- de Cristiano Banti -1857 Galileu, o criador do novo método científico, defronta-se com o poder, numa situação embl ciência e politica: ora os poderosos quere usá la para atingir se PACE 1 orn S”ipe to view nut*ge lações tensas entre a porque desejam objetivos de dominação. PRIMEIRA PARTE – O que é ciência? Lewis Carroil era proféssor de matemática na Universidade de Oxfórd quando escreveu o seguinte em Alice no pais das maravilhas: Gato Cheshire… uer fazer ofavor de me dizer qual é o caminho ue eu devo tomar? Isso depende muito do lugar para onde você quer ir- disse o Gato. Não me interessa muito para onde -disse Alice. Não tem importância então o caminho que você tomar- valores e, assim, estabelecer objetivos, tornando o homem mais consciente das consequências de seus atos. A necessidade de conhecimento das conseqüências, no ato de tomar decisôes, está implícita na observação do Gato de que Alice chegaria certamente a algum lugar se caminhasse o bastante.
Desde que esse algum lugar poderia revelar-se bem indesejável, é melhor fazer escolhas conscientes do lugar para onde se quer ir. René Dubos, Odespertarda razão, São Paulo, Melhoramentos/ Edusp, 972. p. 165. ) O texto de René Dubos, professor de biomedicina ambiental, reflete a preocupação que o cientista deve ter com os fins a que se destina a ciência. Vamos, portanto, começar esta Unidade com a reflexão que deve estar presente sempre quando abordarmos tal problemática: a ciência não é um saber neutro, desinteressado, à margem do questionamento social e político acerca dos fins de suas pesquisas.
Introdução Vimos, no Capítulo 3, o que é conhecimento e quais as diversas formas de compreensão do mundo, entre as quais o onhecimento espontâneo ou senso comum e o conhecimento científico. O senso comum é o conhecimento de todos nós, homens comuns, não-especialistas. Se a ciência precisou se posicionar muitas vezes contra as “evidências” do senso comum, não há como desprezar essa forma de conhecimento tão universal. Ou seja, mesmo o cientista mais rigoroso, quando está fora do campo de sua especialidade, é também um homem comum e usa o conhecimento espontâneo no cotidiano de sua vida. . O senso comum PAGF senso comum o saber resultante das experiências levadas a efeito pelo homem ao enfrentar os problemas da existência. Nesse processo ele não se encontra solitário, pois tem o concurso dos contemporâneos, com os quais troca informações. Além disso, cada geração recebe das anteriores a herança fecunda que nao só é assimilada como também transformada. O volume enorme de saberes herdados e construídos nem sempre são tematizados, ou seja, não se apresentam de forma sistemática nem têm caráter de conhecimento refletido.
Dependendo da cultura, são encontradas, com maior ou menor intensidade, proposições racionais ao lado de crenças e mitos de toda especle. O senso comum, enquanto conhecimento espontâneo ou ulgar, é ametódico e assistemático e nasce diante da tentativa do homem de resolver os problemas da vida diária. O homem do campo sabe plantar e colher segundo normas que aprendeu com seus pais, usando técnicas herdadas de seu grupo social e que se transformam lentamente em função dos acontecimentos casuais com os quais se depara. ? um tipo de conhecimento empírico, porque se baseia na experiência cotidiana e comum das pessoas, distinguindo-se por isso da experiência científica, que exige planejamento rigoroso. também um conhecimento ingénuo: ingenuidade aqui deve ser entendida como atitude não- ritica, tipica do saber que não se coloca como problema e não se questiona enquanto saber. Quando uma pessoa faz um bolo, segue a receita e incorpora uma série de informações para o melhor sucesso do seu trabalho.
Sabe que, ao bater as claras em neve, elas crescem e se tornam esbranquiçadas; que não convém abrir o forno quando o bolo com abrir o forno quando o bolo começa a assar, senão ele murcha; que a medlda adequada de fermento faz o bolo crescer. Se estiver fazendo pudim em banho-maria, sabe que uma fatia de limão na água evita o escurecimento da vasilha, o que facilitará seu trabalho posterior e limpeza. Essa pessoa sabe tudo isso, mas não conhece as causas, não consegue explicar por que e como ocorrem esses fenômenos.
Muitas vezes o conhecimento espontâneo é presa das aparências. Por exemplo, parece que o Sol gira em torno da Terra, que permanece parada no centro do universo. Vemos que o Sol se move, nascendo a leste e se pondo a oeste… Copérmico e Galileu tiveram contra a teoria heliocêntrica a “evidência” do senso comum. Em comparação com a ciência, o conhecimento espontâneo é fragmentário, pois não estabelece conexões onde estas poderiam ser verificadas.
Por exemplo: não é possivel o homem comum perceber qualquer relação enp tre o orvalho da noite e o “suor” que aparece na garrafa que foi retirada da geladeira; nen entre a combustão e a respiração (esta é uma forma de combustão discreta, ou seja, a queima dos alimentos no processo digestivo para obter energia é também uma combustão). Talvez o exemplo mais interessante seja o de Isaac Newton que, se dermos crédito à velha história, sem dúvida apócrifa, teria descoberto a lei da grav’tação universal ao associar a queda de uma maçã à “queda” da Lua (ver exercício no 3). ? ainda um conhecimento particular restrito a pequena mostra da realidade, a partir da qual são feitas generaliza ões muitas vezes apressadas e imprecisas. O homem partir da qual são feitas generalizações muitas vezes apressadas e comun seleciona os dados observados sem nenhum critério de rigor, de forma ametódica e fortuita. Em outras palavras, conclui para todos os objetos o que vale para um ou para grupo de objetos observados. O senso comum é freqüentemente conhecimento subjetivo, o que ocorre, por exemplo, quando avaliamos a temperatura ambiente com a nossa pele, já que só o termômetro dá objetividade a essa avaliação.
A mais: o senso omum depende de juízos pessoais a respeito das coisas, comtém envolvimento das emoções e dos valores de quem observa. É difícil para a mãe avaliar objetivamente a conduta do filho. Do mesmo modo, se temos antipatia por alguém, é preciso certo esforço para reconhecer, por exemplo, o seu valor profissional. Também, ao observar o comportamento de povos com costumes diferentes dos nossos, tendemos a julgá-los a partir de nossos valores, considerando-os estranhos, ignorantes, engraçados ou até desprezíveis.
Se considerarmos ainda a força da ideologia (ver Capitulo 5), entendida como orma de imposição de idéias e condutas visando a manutenção da dominação de uns sobre outros, concluímos que o conhecimento comum é presa fácil do saber ilusório. Mesmo porque a ideologia permeia as mais diversas instâncias das relações humanas: a família, a esccola, a empresa, os meios de comunicação de massa e assim por diante. Pelo que vimos até a eo senso comum é uma PAGF s OF que só superamos a pobreza mental recorrendo a formas mais sofisticadas do saber, tais como a filosofia e a ciência.
No entanto, pensar asslrn é pressupor que o homem comum deve ser tutelado por utros que lhe digam qual a melhor forma de pensar e quais as melhores ações a serem realizadas, o que é contrário a tudo que se pensa sobre o valor da autonomia humana. Para evitar mal-entendidos, distinguimos os conceitos de senso comum e bom senso. Enquanto o senso comum é o conhecimento espontâneo tal como foi descrito, no seu caráter acrítico, dlfuso, fragmentário, dogmático, é possível transformá-lo em bom senso ao torná-lo organicamente estruturado, coerente e crítico.
Para o filósofo italiano Gramsci, o bom senso é o núcleo sadio do senso comum. Tratamos desse assunto na Primeira Parte do capítulo 5. O conhecimento científico O conhecimento científico é uma conquista recente da humanidade: tem apenas trezenntos anos e surgiu no século XVII com a reolução galileana. Isso nao significa que antes da quela data não houvesse saber rigoroso, pois, como vimos no Capítulo 7 (Do mito à razão), desde o século VI a. C. , na Grécia Antiga, os homens aspiravam a um conhecimento que se distinguisse do mito e do saber comum.
Tais sábios (sophos, como eram chamados) ocupavam-se com a filosofia e a ciência. No século V a. C. , Sócrates buscava a definição dos conceitos, por meio da qual retendia atingir a essência das coisas. Platão mostrava o caminho que a educação pensamento grego, ciência e filosofia achavam-se ainda vinculadas e só vieram a se separar na Idade Moderna, buscando cada uma delas seu próprio caminho, ou seja, seu método. ” A ciência moderna nasce ao determinar um objeto especifico de investigação e criar um método pelo qual se fará o controle desse conhecimento.
A utilização de métodos rigorosos permite que a ciência atinja um tipo de conhecimento sistemático, preciso e objetivo segundo o qual são descobertas relações universais e necessárias ntre os fenômenos, o que permite prever acontecimentos e também agir sobre a natureza de forma mais segura. Cada ciência se torna então uma ciência particular, no sentido de um campo delimitado de pesquisa e um método próprio. As ciencias sao particulares na medida em que cada uma privilegia setores distintos da realidade: a fisica trata do movimento dos corpos; a química, da sua transformação; a biologia, do ser vivo etc. or outro lado as ciências são também gerais, no sentido de que as conclusões não valem apenas para os casos observados, e sim para todos os que a eles se assemelham. Ao afirmarmos que “o peso de qualquer objeto depende do campo de gravitação” ou que “‘a cor de um objeto depende da luz que ele reflete” ou ainda que “a água é uma substância composta de hidrogênio e oxigênio”, fazemos afirmações que são válidas para todos os corpos, todos os objetos coloridos ou qualquer porção de água, e não apenas para aqueles que foram objeto da experiência.
A preocupação do cientista está portanto na descoberta das regularidades existentes em determinados fatos. Por isso, a ciência é geral, isto é, as observa ões feitas para alguns fenôm PAGF 7 fatos. Por isso, a ciência é geral, isto é, as observações feitas para alguns fenômenos são generalizadas e expressas pelo enunciado de uma lei.
Enquanto o saber comum observa um fato a partlr do conjunto dos dados sensíveis que formam a nossa percepção imediata, pessoal e efêmera do mundo, o fato científico é um fato abstrato, isolado do conjunto em que se encontra normalmente inserido e elevado a um grau de generalidade: quando nos referimosà”dilataçáo” ou ao “aquecimento” como fatos científicos, estamos muito distantes dos dados sensíveis de um certo corpo em um determinado momento. Além disso, estabelecemos entre ais fatos uma relação de va lação do tipo “função” (na qual o volume é, em dado momento, função da temperatura).
Isso supõe a capacidade de racionalização dos dados recolhidos, que nunca aparecem como dados brutos, mas sempre passiveis de interpretação. O mundo constru[do pela ciência aspira à objetividade: as conclusões podem ser verificadas por qualquer outro membro competente da comunidade científica, pois a racionalidade desse conhecimento procura despojar-se do emotivo, tornando-se impessoal na medida do possível. A esse respeito diz o filósofo francês Merleau-ponty. “A ciência explica o mundo, mas e recusa a habitá-lo”.
Em outras palavras, por mais que a ciência amplie o conhecimento que temos do mundo, de certo ponto de vista ela reduz esse conhecimento, pois o cientista remove toda experiência individual que caracterizaria o “estar-no-mundo’ . para ser preclsa e objetiva, a ciência dispõe de uma linguagem rigorosa cujos conceitos são definidos de modo a evitar ambigüidades. A linguagem se torna cada vez PAGF 8 OF cujos conceitos são definidos de modo a evitar ambigüidades. A linguagem se torna cada vez mais precisa, na medida em que utiliza a matemática para transformar qualidades em quantidades.
A matematização da ciência se inicia com Galileu. Ao estabelecer a lei da queda dos corpos, por exemplo, Galileu mediu o espaço percorrido e o tempo que um corpo leva para descer o plano inclinado, e ao final das obsewaçóes registrou a lei numa formulação matemática. Por meio desse exemplo, constatamos que a ciência do século XVII utiliza a matemática e o recurso da observação e da experimentação. Nesse processo, o uso de instrumentos torna a ciência mais rigorosa, precisa e objetiva. Os instrumentos de medida (balança, termômetro, dinamômetro etc. permitem ao cientista ultrapassar percepção imediata e subjetiva da realidade e fazer uma verificação objetiva dos fenômenos. Antecipando uma discussão ainda a ser desenvolvida, é preciso retirar do conceito de ciência a falsa idéia de que ela é a única explicação da realidade e se trata de um conhecimento “certo” e “infalível”. Há muito de construção nos modelos científicos e, às vezes, até teorias contraditórias, como, por exemplo, a teoria corpuscular e a ondulatória, ambas utilizadas para explicar o fenômeno luminoso. Além disso, a ciência está em constante evolução, e suas verdades são sempre provisórias.
O filósofo e escritor inglês Samuel gutler refere-se a isso jocosamente, usando a forma de manchete de jornal: “Um terrível acontecimento: uma teoria soberba, covardemente assassinada por um desagradável pequeno fato’ Mas se é verdade que a física e as demais ciências da natureza se tornam rigor fato”… Mas se é verdade que a fisica e as demais ciências da natureza se tornam rigorosas por serem altamente “matematizáveis e usarem o método expermental, no extremo oposto se encontram as ciências humanas, cujo componente qualitativo não pode ser reduzido à quantidade, assim como resiste a certas formas de experimentação.
Constatamos que, enquanto a psicanálise é avessa a qualquer forma de experimentação ou matematização, outras teorias psicológicas recorrem não só às experiências em laboratório como se utilizam da matemática em estatísticas (ver Capitulo 16- As ciências humanas). O rigor da ciência deriva do fato de as hipóteses poderem ser comprovadas. Na figura, o filósofo e cientista Pascal sobe ao topo de uma montanha para verificar se a alteração da coluna de mercúrio era realmente resultado da pressão atmosférip ca, comparando com idêntica observação efetuada em local mais próximo do nível o mar. . Ciência e poder Como veremos no Capitulo 14 (A ciência na Idade Moderna), as ciências da natureza encontram no novo método a possibilidade de uma abordagem mais eficaz da realidade, no sentido de maior previsibilidade dos fenômenos e, conseqüentemente, maior poder para a transformação da natureza. Isso se tornou viável devido á aliança da ciência com a técnica. Como decorrência, ocorreu o desenvolvimento da tecnologia, que é a técnica enriquecida pelo saber científico, que tem alterado o habitat humano timidamente a partir do século XVIII, co industrial, e com grande