A segurança no mundo novo

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FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE NOVA DE LISBOA Curso de Estudos Avançados em Direito e Segurança ” A Segurança no Mundo Novo” A Segurança no Mundo Novo Introdução Num artigo publicado no Diário de Notícias 1, Nuno Severiano Teixeira, a propósito da gripe das aves, levanta e equaciona alguns dos problemas e desafios mais críticos da segurança dos nossos dias. «… a hipótese de uma nova pandemia confronta-nos com a questão concreta e urgente que é a do nosso tempo: a globalização do risco e a necessidade de uma resposta global. Eé por isso que a gripe das aves é uma questão política e de segurança internacional.

A este nível, a hipótese de uma pandemia coloca três questões fundamentais: primeiro, o controlo do risco, ou melhor, a gestão da ameaça; segundo, a organização da resposta; e terceiro, a própria noção da segurança. » Globalização do risco, necessidade de resposta global, controlo do risco (gestão da ameaça), organização da resposta e noção de segurança, tudo isto foi dito tendo como pano de fundo a gripe das aves mas aplica-se, com toda a propriedade, à abordagem da segurança no seu sentido mais lato, seja no confronto com um acidente nuclear ou no combate ao terrorismo internacional.

O mundo novo como herança da velha Ordem Mundial Neste trabalho propomo-nos olhar a segurança à luz dos múltiplos processos de globalização e das relações internacionais decorrentes e condicionadas pela Nova (des)Ordem Mundial surgida dos escombros do Muro de Berlim, cuja queda assinalou o fim da Guerra Fria e da Velha Ordem Mundial. TEIXEIRA, Nuno Severiano, “As aves n -lal Studia não têm passaporte», Diário de Noticias, 18102 2006.

O “velho” mundo bipolar, com espaços de influência bem demarcados por cada uma das potências hegemónicas, era controlado, racional e previsível. Havia uma ordem. Os conflitos, quase sempre com a forma de guerras civis, eram incentivados, resolvidos ou alimentados, conforme as circunstâncias e os interesses em causa, segundo os “parâmetros doutrinários” ditados pela política de blocos.

Enquanto durou a Guerra Fria, directa ou indirectamente, os Estados Unidos e a União Soviética estiveram presentes em quase todas as muitas guerras e conflitos que ocorreram um pouco por todo o mundo, no entanto, o pressuposto e regra básica, tacitamente aceite pela liderança de ambos os blocos, era a de que as super-potências, tal como os seus principais aliados, se empenhariam para evitar confronto bélico directo. A crise dos mísseis de Cuba, em 1962, foi o momento mais crítico, aquele em que a regra esteve mais próxima de ser quebrada.

A pertença a um dos blocos era a melhor garantia de protecção contra as ameaças externas. Na verdade, os principais conflitos bélicos entre Estados, ao longo das mais de quatro décadas de Guerra Fria, raramente tiveram como intervenientes países alinhados num ou noutro bloco e, quando tal aconteceu, as motivações eram externas ao quadro da Guerra Fria, como sucedeu no caso da Guerra das Malvinas ou Falklands, em 1982.

Foi durante a Guerra Fria que os países uropeus, mesmo divididos pelo Muro, conheceram o mais longo período sem confrontação armada ent 33 período sem confrontação armada entre si e a Europa Ocidental iniciou e consolidou o mais inovador e bem sucedido processo de integração pacífica da história universal, a par de um n[vel desenvolvimento económico, social e politico, sem precedentes. É razoavelmente pacífico considerar que o clima de segurança que permitiu o desenvolvimento da Europa foi, em grande medida, sustentado pelos Estados Unidos, tanto de modo próprio como através da Aliança Atlântica.

Os europeus, motivados pela paz, onjugada com democracia e desenvolvimento, 2 gradualmente, foram-se desabituando do exercício do poder nas relações internacionais. Quando terminou a Guerra Fria, especialmente durante a segunda metade da década de 90 do século passado, percebeu-se que a Europa e os Estados Unidos tinham desenvolvido percepções diferenciadas, quanto às grandes questões estratégicas mundiais, designadamente, na forma de intervenção nos conflitos internacionais e no processo de construção e manutenção da paz e da segurança no mundo.

Os Estados Unidos, escudados num poder militar quase hegemónico, ermaneceram fiéis a uma visão hobbesiana das relações entre Estados, enquanto a Europa, talvez porque não detém esse poder, foi desenvolvendo modelos de intervenção externa muito mais “tolerantes”, propugnando que a força só deve utilizada como ultimo dos ultimos recursos, depois de esgotados todos os meios da diplomacia e do direito internacional. No seu ensaio, O Paraíso e o Poder 2, Robe meios da diplomacia e do direito internacional.

No seu ensaio, O Paraíso e o Poder 2, Robert Kagan, não sem algum exagero, fala de um «amplo fosso que se abriu entre os Estados Unidos e Europa» e defende que «as razões do fosso transatlântico são profundas, de desenvolvimento prolongado e, provavelmente, duradouras. Quando o que está em causa é o estabelecimento de prioridades nacionais, a identificação de ameaças, a definição de desafios e a concepção e implementação de políticas externas e de defesa, os Estados Unidos e a Europa não seguem na mesma direcção».

O “exagero” de Kagan, reside, a nosso ver, no facto de tanto a Europa como os Estados Unidos, apesar das significativas diferenças em matéria de política externa, se manterem fortemente unidos e determinados na uta pelo iberalismo ocidental, pelos direitos humanos, pela liberdade e pela democracia no mundo. Quando os princípios e valores comuns são verdadeiramente atacados, como o foram nos atentados de 11 de Setembro de 2001, o bloco ocidental recupera imediatamente a sua coesão.

KAGAN, Robert, O Paraíso e o Poder – A América e a Europa na Nova Ordem Mundial, tradução de Maria de Fátima St. Aubyn, Ed. GRADIVA, 1 a edição, Junho de 2003. 3 Mas não é apenas Kagan que sustenta essa tese, Henry Kissinger também insiste na ideia de crescente afastamento entre os Estados Unidos e a Europa, afirmando que «O istanciamento crescente entre a América e a Europa está assim a ser institucionalmente apadrinhado. Em alguns aspectos, as possibilidades de conversação da América 4 33 ser institucionalmente apadrinhado.

Em alguns aspectos, as possibilidades de conversação da América com a União Europeia são menos substanciais do que com outros países amigos não aliados. »3 0 pensamento de Kissinger, expresso antes do 11 de Setembro, vina a ser retomado quando, após um curto período de evidente aproximação entre a Europa e a América, os governos e as opiniões públicas europeias começaram a por-se às políticas de Bush no combate ao terrorismo e ? proliferação de armas de destruição maciça 4.

De facto, passado o tempo da resposta conjunta (Afeganistão), em que prevaleceu o sentimento genuíno de que «somos todos americanos» 5 e teve lugar a decisão histórica da NATO de invocar, pela primeira vez em 50 anos, o artigo 50 do Tratado (ajuda rejeitada pela Administração Bush), veio a resistência dos europeus a uma política marcadamente unilateral dos norte-americanos e às suas polémicas coligações de vontade («A missão define a coligaçào», como disse o Secretário de Estado da Defesa dos EUA, antes da nvasão do Iraque), condimentadas com as infelizes apreciações de Bush sobre a nova e a velha Europa.

KISSINGER. Henry, Precisará a América de uma Politica Externa? , Gradiva, Lisboa, 1 a edição, Outubro de 2003, pg. 50 4 Logo após 0 11 de Setembro, os EUA lançaram um forte ataque às posições terroristas no Afeganistão, derrubando o governo talibã que os apoiava. A intervenção militar foi desenvolvida com a concordância expressa das mais importantes organizações internacionais e em plena sintonia com a opinião pública do mundo ocidental Todavia, a invasão do Iraque já viria a ocorrer um contexto completamente diferente.

Embora a opinião pública american s OF33 raque já viria a ocorrer num contexto completamente diferente. Embora a opinião pública americana se mostrasse francamente favorável à acção militar, noutros países, mesmo entre os mais fiéis e tradicionais aliados, geraram-se fortes movimentos de contestação à opção da . Administração Bush 5 Titulo do editorial do insuspeito diário francês “Le Monde”, assinado por Jean Marie Colombani e publicado na edição da catástrofe, onde os momentos mais trágicos e mais decisivos da história recente da

França são evocados para legitimar o recurso à frase de John F. Kennedy diante do Muro de Berlim. 3 4 Estas considerações iniciais conduzem-nos para a caracterização do mundo novo, subsequente à Guerra Fria, o que fazemos seguindo a formulação proposta, entre outros, por Robert Cooper, na seu ensaio a obra Ordem e Caos no Século XXI 6, onde os Estados surgem agrupados em três grandes categorias, os Estados do mundo pré-moderno, do mundo moderno e do mundo pós-moderno.

O mundo pré-moderno Os Estados do mundo pré-moderno, consoante o posicionamento ideológico e a perspectiva de análise, podem surgir catalogados sob as mais ariadas designações, “falhados”, “falidos”, “faltosos”, ‘Vulneráveis” ou “insuficientes”, expressões com alcance diferenciado, é certo, mas todas procurando significar a incapacidade dos Estados de afirmarem a sua autoridade soberana e de garantirem condições mínimas de segurança e de sobrevivência a uma parte importante das suas populações. São mais de 2 mil milhões, as pessoas que actualmente vivem no conjunto 6 suas populações.

São mais de 2 mil milhões, as pessoas que actualmente vivem no conjunto desses Estados “frágeis”, entre as quais, algumas dezenas de milhões, em Estados completamente ausentes”, dominadas pelo poder arbitrário e brutal de milícias e de outros grupos criminosos. Com as sociedades desses países mergulhadas no caos e na desordem, as populações ficam ? inteira mercê de grupos criminosos, locais ou transnacionais, ligados à droga, ao terrorismo e ao tráfico de armas, dispondo de capacidades bélicas, muitas vezes, até superiores às do próprio Estado.

A história recente é fértil em exemplos de Estados, como a Libéria, a Somália ou alguns países da América Latina, como a Colômbia, que perderam a capacidade de exercer as suas prerrogativas de soberania, se não no todo, pelo menos em parte os seus territórios. E também foi assim no Afeganistão, durante o regime 6 COOPER, Robert, Ordem e Caos no Século XXI, tradução de Carlos Braga. Ed. Editorial Presença, 1a . edição, Lisboa, Fevereiro de 2006 5 dos Taliban, em que as instituições do Estado e a sociedade afegã ficaram completamente subordinadas ao controlo da Al-Qaeda.

A preocupação com esses Estados tornou-se uma prioridade da administração norte-americana, bem evidenciada na Estratégia de Segurança Naciona17, adoptada em 2002. Oficialmente, a aposta é no apoio ao desenvolvimento, identificado como terceiro pilar a política externa, conjugando-se com a defesa e a diplomacia, mas a questão dominante é o terrorismo. Nas palavras de Condoleezza Rice 8: «No mundo de h diplomacia, mas a questão dominante é o terrorismo.

Nas palavras de Condoleezza Rice 8: «No mundo de hoje, enfrentamos ameaças maiores de Estados derrotados do que de Estados conquistadores e, desde 0 11 de Setembro, os Estados falhados personalizaram uma notável odisseia passando da periferia para o centro da politica global. » De modo diferente 9, a União Europeia, sem deixar de reconhecer a gravidade fenómeno, propõe uma abordagem centrada no conceito de segurança umana 10 e privilegia a adopção de programas de ajuda ao desenvolvimento dirigidos aos Estados “frágeis”.

Apesar das diferentes abordagens dos Estados Unidos e da Europa, uma tendência é coincidente, o assunto Estados “frágeis”, qualquer que seja a designação adoptada, é cada vez menos da esfera humanitária e cada vez mais uma questão primordial das politicas de segurança das potências desenvolvidas. Esta mudança tem consequências, tanto mais que, depois do 11 de Setembro, quando um Estado é considerado falhado (pelos Estados mais poderosos), The National Security Strategy of the United States of

America (The White House, Washington, D. C. , 2002) 8 Ctada pelo Embaixador Alfred Hoffman, Jr. , no Discurso ao Clube Americano de Lisboa, A diplomacia transformacional é uma estratégia enraizada na parceria, Fevereiro 15, 2006, 9 Evidenciando as diferenças de abordagem das questões do poder e do relacionamento entre Estados Unidos e a Europa 10 A Human Security Doctrine for Europe: The Barcelona Report of the Study Group on Europe” s Security Capabilities, 15 de Setembro de 2004 http:hWww’.

Ise. ac HumanSecurityDoctrine. pdf 7 FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE NOVA http://www. lse. ac. uk/Depts/global/Publlcations HumanSecurityDoctrine . pdf 6 significa que passou a constituir ameaça para a comunidade internacional ou, pelo menos, para os países que assim o catalogaram. E sendo ameaça também é alvo.

Nesse contexto, a par do problema da incapacidade dos Estados “frágeis” para se governarem e garantirem um mínimo de dignidade humana aos seus cidadãos, promovendo ou pactuando com violações grosseiras dos mais elementares direitos das pessoas, surge a polémica questão da intervenção nos “assuntos internos” desses Estados, à luz do direito internacional. Em Dezembro de 2005, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou a noção e “responsabilidade de proteger” as populações em perigo, mas restringindo-a aos casos extremos de genocídio e de crimes maciços contra a humanidade.

Este mundo caótico (o mundo pré-moderno na classificação de Robert Cooper), formado por Estados completamente desmoronados, cujo território se tornou, no todo ou em parte, “terra de ninguém”, está fortemente ligado às mais graves ameaças “atípicas” ou “não tradicionais” que caracterizam o nosso tempo: terrorismo internacional, pandemias 1 1, grupos criminosos transnacionais, crises humanitárias, guerras étnicas e religiosas de identidade sujas e catástrofes mbientais. ? evidente que a responsabilidade pela instabilidade no mundo não pode ser assacada apenas aos problemas destes Estados, mas é neles que ocorrem com maior frequência as mais graves violações dos direitos humanos (massacre direitos humanos (massacres de populações civis, recurso maciço à violação, limpeza étnica), funcionando como incubadores de ameaças que, quase inevitavelmente, “emigrarão” por si mesmas ou serão deliberadamente “exportadas” para outros Estados. ?Mesmo estando situados nos “subúrbios do mundo”, a uma distância aparentemente segura dos “belos bairros’ , estes países esmoronados ou 11 Laurie GARRETT, HIV and National Security: Where Are The Links? , Nova Iorque, Conselho das Relações Externas, 2005. 7 convulsionados agitam e gangrenam a ordem internacional. Na era da globalização, nada nos é “estranho” nem nada nos é long[nquo. ? 12 0 mundo moderno O mundo moderno, constituindo a parte mais significativa do sistema internacional, é composto pelos Estados clássicos, os Estados-nação 13, independentes face aos demais e detentores do monopólio do uso da força na ordem interna. Para os Estados modernos, nas relações internacionais, ainda Impera a doutrina clausewtziana, egundo a qual «a guerra é a continuação da política por outros meios”.

No concerto das nações, os Estados movem- se em função dos seus interesses e do poder que detêm para os prosseguir, tal como afirmam as teorias “realistas”. Importa deixar claro que a ONU também é parte deste mundo moderno, postulando a soberania dos Estados e procurando estabelecer uma certa ordem nas relações entre eles. Uma ordem determinada pelas grandes potências com assento no Conselho de Segurança, onde dispõem do poder de veto. por isso, não deixa de ser uma ordem estabelecida so 0 DF 33

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