Amor é prosa
Arnaldo Jabor Amor é prosa, sexo é poesia Crônicas afetivas Sobre a digitalização desta obra: Esta obra foi digitalizada para proporcionar de maneira totalmente gratuita o benefício de sua leitura àqueles que não podem comprá-la ou àqueles que necessitam de meios eletrônicos para leitura. Dessa forma, a venda deste e-book ou mesmo a sua troca por qualquer contraprestação é totalmente condenáv A generosidade é a Distribua este livro li Se você tirar algum possibilidade de adq original. or 138 Sv. içx to view nut*ge ência. rtanto: idere seriamente a Incentive o autor e a publicação de novas obras!
Visite nossa biblioteca! Centenas de obras grátis a um clique! http://www. portaldetonando. com. br Um rosto inesqueclVel RITA LEE FEZ uma música com a letra tirada de um artigo que escrevi, sobre amor e sexo. A música é linda, fiquei emocionado, nao mereço tão subida honra, quem sou eu, quase enxuguei uma furtiva lágrima com minha gélida manina por estar num disco, girando na vitrola sem parar com Rita, aquela hippie florida com consciência delicadeza, paz, pois já não aguento mais ser apenas uma esponja absorvendo e comentando os bodes pretos que os políticos produzem no Brasil e o Bush lá fora.
Ando meio desesperançado, mas essa canção de Rita trouxe de volta a minha mais antiga lembrança de amor. Isso mesmo: a canção me trouxe uma cena que, há mais de 50 anos, me volta sempre. Sempre achei que esse primeiro momento foi tão tênue, tão fugaz, que não merecia narração. Mas vou tentar. Eu devia ter uns seis anos, no máximo. FOI meu primeiro dia de aula no colégio, á no Méier, onde minha mãe me levou, pela rua 24 de maio, coberta de folhas de mangueira que o vento derrubava. Fiquei sozinho, desamparado, sem pai nem mãe no colégio desconhecido.
No pátio do recreio, crianças corriam. Uma bola de borracha voou em minha direção e bateu em meu peito. Olhei e vi uma menina morena, de tranças, com olhos negros, bem perto, me pedindo a bola e, nesse segundo, eu me apaixonei. Lembrome que seu queixo tinha um pequeno machucado, como um arranhão com mercurocromo, lembro-me que ela tinha um nariz arrebitado, insolente e que, num lampejo, eu senti um tremor desconhecido, logo interrompido pelo jogo, pela bola que eu devolvi, pelos gritos e correria do recreio.
Ela deve ter me olhado no fundo dos olhos por uns três segundos mas, até hoje, eu me lembro exatamente de sua expressão fogueada e vi que ela sentira também algum sinal no corpo, alguma informação do seu destino sexual de fêmea, alguma manifestação da mensagem do DNA. manifestação da matéria, alguma mensagem do DNA. Recordando minha impressão de menino, tenho certeza de que nossos olhos viram a mesma colsa, um no outro.
Senti que eu fazia parte de um magnetismo da natureza que me envolvia, que envolvia a menina, que alguma coisa vibrava entre nós e senti que eu tinha um destino ligado àquele tipo de ser, gente que usava trança, que ria com dentes brancos e lábios vermelhos, que era diferente de mim, e entendi vagamente que, em aquela diferença, eu não me completaria. Ela voltou correndo para o jogo, vi suas pernas correndo e ela se virando com uma última olhada. Misteriosamente, nunca mais a encontrei naquela escola.
Lembro-me que me lembrei dela quando vi aquele filme Love Story, não pelo medíocre filme, mas pelo rosto de Ali McGraw, que era exatamente o rosto que vivia na minha memória. Recordo também, com estranheza, que meu sentimento infantil fol de impossibilidade; aquele rosto me pareceu maravilhoso e impossível de ser atingido inteiramente, foi um instante mágico ao mesmo tempo de descoberta e de perda. Escrevendo agora, percebo que aquela sensação de profundo “sentido” que tive aos seis anos pode ter marcado minha maneira de ser e de amar pelos tempos que viriam.
Senti a presença de algo belíssmo e inapreensível que, hoje, velho de guerra, arrisco dizer que talvez seja essa a marca do amor: ser impossível. Calma, pessoal, claro que o amor existe, nem eu sou um masoquista de livro mas a marca do sublime, o momento em que o marca do sublime, o momento em que o impossível parece possivel, onde o impalpável fica compreensivel, esse instante se repetiu no futuro por minha vida, levando-me para um trem-fantasma de legrias e dores. Amar é parecido com sofrer — Luiz Melodia escreveu, não foi?
Machado de Assis toca nisso na súbita consciência do amor entre Bentinho e Capitu: “Todo eu era olhos e coração, um coração que desta vez ia sair, com certeza, pela boca. ” Isso: felicidade e medo, a sensação de tocar por instantes um mistério sempre movente, como um fotograma que pára por um instante e logo se move na continuação do filme. Sempre senti isso em cada visão de mulheres que amei: um rosto se erguendo da areia da praia, uma mulher fingindo não me ver, mas vendo-me de costas num escritório o Rio…
São momentos em que a “máquina da vida” parece se explicar, como se fosse uma lembrança do futuro, como se eu me lembrasse ali do que Ina vrver. Esses frêmitos de amor acontecem quando o “eu” cessa, por brevíssimos instantes, e deixamos o outro ser o que é em sua total solidão. Vemos um gesto frágil, um cabelo molhado, um rosto dormindo, e isso desperta em nós uma espécie de “compaixão” pelo nosso próprio desamparo, entrevisto no outro. A cultura americana está criando um” desencantamento” insuportável na vida social. Vejam a arte tratada como algo desnecessário, sem lugar, ejam as mulheres nuas amontoadas na Internet. ome de beleza em tudo, vida, na politica, no sexo; por isso, o amor é uma ilusão sem a qual não podemos viver. Todas essas tênues considerações, essas lembranças de lembranças, essa tentativa de capturar lampejos tão antigos, com risco de ser piegas, tudo isso me veio à cabeça pela emoção de me ver subitamente numa música, parceiro de Rita Lee, “lovely Rita”, a mais completa tradução de São Paulo, essa cidade cheia de famintos de amor. O mundo de hoje é travesti VOU FALAR UM pouco de mulher, eu que mal as entendo na vida. Não falarei as coxas e seios e bumbuns…
Falo de uma aura que as percorre. Gosto do olhar de onça, parado, quando queremos seduzi-las, mesmo sinceramente, pois elas sabem que a sinceridade é volúvel. Um sorriso de descrédito lhes baila na boca quando lhes fazemos galanteios, mas acreditam assim mesmo, porque elas querem ser amadas, muito mais que desejadas. Elas estão sempre fora da vida social, mesmo quando estão dentro. Podem ser as maiores executivas, mas seu corpo lateja sob o tailleur e lá dentro os órgãos estranham a estat[stica e o negócio. Elas querem ser vestidas pelo amor.
O amor para elas é um lugar nde se sentem protegidas. O termômetro das mulheres é: “Estou sendo amada ou não? Esse bocejo, seu rosto entediado… será que ele me ama ainda? A mulher não acredita em nosso amor. Quando tem certeza dele, pára de nos amar. A mulher precisa do homem impalpável, impossível. As mulheres têm uma qu a. O canalha é mais mais amado que o bonzinho. Ela sofre com o canalha, mas isso a justifica e engrandece, pois ela tem uma missão amorosa: quer que o homem a entenda, mas isso está fora de nosso alcance. A mulher pensa por metáforas. O homem, por metonímias.
Entenderam? Claro que não. Digo melhor, a ulher compõe quadros mentais que se montam em um conjunto simbólico misterioso, como a arte. O homem quer princípio, meio e fim. Não estou falando da mulher sociológica, nem contemporânea, nem política. Falo de um sétimo órgão que todas têm, de um “ponto G ” da alma. Mulher não tem critério; pode amar a vida toda um vagabundo que não merece ou deixar de amar instantaneamente um sujeito devoto. É terrível quando a mulher cessa de te amar. Você vira um corpo sem órgãos, você vira também uma mulher abandonada.
Toda mulher é “Bovary”… e para serem amadas, instilam medo no coração do omem… Carinhosas, mas com perigo no ar. A carinhosa total entedia os machos.. ficam claustrofóbicos. O homem só ama profundamente no ciúme. Só o como conhece o verdadeiro amor. Mas, curioso, a mulher nunca é coma, mesmo abandonada, humilhada, não é coma. O homem corneado, carente, é feio de ver. A mulher enganada tem ares de heroína, quase uma santidade. É uma fúria de Deus, é uma vingadora, é até suicida. Mas nunca coma. O homem como é um palhaço. Ninguém tem pena do como.
O ridículo do corno é que ele achava q mulher sabe que não processo de manutenção permanente. O homem só vira homem uando é corneado. A mulher não vira nada nunca. Nem nunca é corneada… pois está sempre se sentindo assim… Como no homossexualismo: a lésbica não é viado. A mulher é poesia. O homem é prosa. Isso não quer dizer que mulher seja do bem e o homem, do mal. Não. Muita vez, seus abismos são venenosos, seu mistério nos mata. A mulher quer ser possuída, mas não só no sexo, tipo “me come todinha”. Falam isso no motel, para nos animar.
O homem é pornográfico; a mulher é amorosa. A pornografia é só para homens. A mulher quer ser possuída em sua abstração, em sua geografia mutante, a ulher quer ser descoberta pelo homem para ela se conhecer. Ela é uma paisagem que quer ser decifrada pelas mãos e bocas dos exploradores. Querem descobrir a beleza que cabe a nós revelar-lhes. As mulheres não sabem o que querem; o homem acha que sabe. O mascullno é certo; o feminino é Insolúvel. O homem é espiritual e a mulher é corporal. A mulher é metafisica; homem é engenharia.
A mulher deseja o impossível; desejar o impossível é sua grande beleza. Ela vive buscando atingir a plenitude e essa luta contra o vazio justifica sua missão de entrega. Mesmo que essa “plenitude” seja um living bem ecorado ou o perfeito funcionamento do lar. O amor exige coragem. Eo homem… é mais covarde. O homem, quando conquista, acha que não tem mais de se esforçar e aí, dança.. A mulher é muito mais exilada das certezas da vida que o homem. Ela é mais profunda que nós. Ela vive mais des o entanto, mais certezas da vida que o homem. Ela é mais profunda que nós.
Ela vive mais desamparada e, no entanto, mais segura. A vida e a morte saem de seu ventre. Ela faz parte do grande mistério que nós vemos de fora. Hoje em dia, as mulheres foram expulsas de seus ninhos de procriação e jogadas a obrigação do sexo ativo e masculino. A super-gostosa é homem. É um travesti ao contrário. Alguns dizem que os homens erigiram suas instituições apenas para contrariar os poderes originais bem superiores da mulher. As mulheres sofrem mais com o mal do mundo. Carregam o fardo da dor social, por serem mais sensíveis e mais fracas.
Os homens, por serem fálicos, escamoteiam a depressão e a consciência da morte com obsessões bélicas, financeiras. O mundo está tão indeterminado que está ficando feminino, como uma mulher perdida: nunca está onde pensa estar. O mundo determinista se fracionou globalmente, omo a mulher. Mas não é o mundo delicado, romântico e fértil da mulher; é um mundo feminino comandado por homens boçais. Talvez seja melhor dizer um mundo-travesti. O mundo hoje é travesti. Nosso macho feliz é casado consigo mesmo QUERO SER FELIZ. Para isso, preciso de modelos.
Há os livros de auto-ajuda, há a felicidade oficial da mídia. Quero ser feliz e, nas revistas, vejo os meus ídolos galãs, malhados, ricos, rindo entre modelos e apresentadoras. Quero ser feliz modernamente, mas carrego comigo lentidões medos, idéias antigas de alegria, traumas, conflitos. Sintom elizes de hoje. Não conflitos. Sintome aquém dos felizes de hoje. Não consigo me enquadrar nos rituais de prazer que vejo nas revistas. posso ter uma crise de depressão em meio a uma orgia, não tenho o dom da gargalhada infinita, posso chorar no auge de uma bacanal.
Fui educado por jesuítas e pai severo, para quem o riso era quase um pecado, a gargalhada, uma bofetada. Para mim, felicidade era uma missão, a conquista de algo maior que me coroasse de louros, a felicidade pressupunha “sacriffcio”, luta por cima de obstáculos. Olhando os retratos antigos, vemos que a felicidade masculina era ligada ? déia de “dignidade”, vitória de um projeto de poder; vemos os barbudos do século XIX de nariz empinado, perfis de medalha, donos de algum poder nem que fosse sobre a mulher e os filhos aterrorizados.
Nos meus 20 anos, meu ídolo era o James Bond, bonito, corajoso, entendendo de vinhos e de aviões supersônicos, comendo todo mundo de smoking. Mundano? Sim, mas mesmo o Bond se esforçava, pois tinha a missão de salvar o Ocidente. Era um trabalhador incansável que merecia as louraças que papava. Hoje não. Nossos heróis masculinos não trabalham. A midia nos ensina que os eróis da felicidade não têm ideal algum a conquistar, a não ser eles mesmos. A felicidade virou uma autoconstrução de sucesso… de bom desempenho.
O solitário feliz suga o prazer em cada flor, sem conflitos, sem dor sem afetos profundos mas sempre com um sorriso simpático e congel liz passa a idéia de que a idéia de que não precisa de ninguém, de que todos são objeto de seu desejo de que todos podem ser prisioneiros de seu charme; mas ele, de ninguém. A felicidade moderna é o consumo do outro. Para o herói da mídia, o mundo é um grande pudim a ser comido, sem nada a se dar em troca. Meu homem feliz pode ter todas as mulheres, mas é casado consigo mesmo.
Não pensem que estou criticando isso; estou é com inveja desta leveza de ser, dessa ligeireza. Ligeireza é a palavra — velocidade nas vivências e relações. Assim como a mulher da midia deseja ser um objeto de consumo, como um eletrodoméstico, quer ser um avião, uma “máquina” peituda, bunduda, sexy ( mesmo se fingindo) , também o homem da midia deseja ser “coisa”, só que mais ativa, como uma metralhadora, uma Ferrari, um torpedo inteligente e, mais que tudo, um grande pênis voador, um “passaralho” super-potente, mas irresponsável e rívolo, que pousa e voa de novo, sem flacidez e sem angústias.
O macho brasileiro tem pavor de ser possuído por uma mulher. Não há a entrega; basta-lhe o “encaixe”. O herói macho se encaixa em hero[na fêmea B e produzem uma engrenagem , repleta de luxos e arrepios, entre lanchas e caipirinhas, entre jet-kis e BMWs, num esfuziante casamento que dura três capas de Caras. E, ainda por cima, atribuem uma estranha “profundidade” a esta superficialidade porque hoje, esse diletantismo tem o charme de uma sabedoria “pós-utópica”. Meu homem moderno tem or asmos longos, ereções vitreas e telescópicas, sem PAGF 138