Direito penal juvenil: a negação da cidadania ao adolescente
Resumo: Cabe ao adolescente autor de ato infracional uma resposta específica que difere do sistema penal, dado que goza de um tratamento totalmente distinto. Assim, as medidas socioeducativas não possuem qualquer direcionamento dado pela ciência penal de forma que a responsabilização dos adolescentes deve ser tratada por meio da inclusão dos jovens à cidadania plena, de forma a propiciar condições de que eles possam usufruir as promessas de um Estado Social.
Neste sentido ressalta-se que a categoria cldadania deve acompanhar a dinâmica das relações sociais, políticas, econômicas, ulturais, entre outras, pois sempre que vinculada a conceitos ultrapassados e cons da realidade social. D a f de paradigma trazida m a reconhecer que as g no Direito da Criança penalista. z mais distante o tivar a mudança a P eçào Integral, e s já se encontram se prender à visão Sumário: 1 . Introdução; 2. Os sistemas de responsabilização do adolescente 2. 1 0 Direito penal juvenil; 2. 2 Velhas soluções para velhos problemas; 2. 3 Noções de cidadania; 2. Adolescente e cidadania; 3. Conclusões; 4. Referências bibliográficas 1. Introdução Os atos infracionais cometidos por adolescentes possuem esposta estatal prevista em lei específlca. Entretanto, diferentemente do sistema penal imposto aos adultos, deveria merecer tratamento totalmente distinto, seja por determinação das normativas internacionais, seja por preceito constante na na Constituição da República, que lhe dá disciplina própria. Se aos maiores de dezoito anos o controle penal já é amplamente questionado, a situação se agrava quando o assunto é a forma de responsabilizar os adolescentes.
A proposta das medidas socioeducativas passa, necessariamente, bem distante de qualquer direcionamento dado pela ciência enal, de modo a proporcionar cidadania plena, como modo de emancipação do adolescente para as melhores escolhas e evitando a repetição do modelo imposto aos adultos. Desta forma, qualquer teoria, tal qual o Direito Penal Juvenil, ainda que aparentemente vise assegurar garantias aos adolescentes, não pode partir da esfera penal, mormente se a Constituição e o Estatuto da Criança e do Adolescente tratam a matéria de forma suficiente. 2.
Os sistemas de responsabilização do adolescente Ao adolescente que comete ato infracional, isto é, a conduta equivalente para o adulto como crime ou contravenção, a Lei 8. 69/90, que criou o Estatuto da Criança e do Adolescente, prevê a possibilidade de aplicação de medida socioeducativa. [l] Se o conceito parece ser singelo, entretanto discursos diferentes se apresentam para a interpretação desta categoria. Pode-se dizer que o que atualmente goza de simpatia entre diversos atores jurídicos é o que se convencionou denominar de “Direito Penal Juvenil”.
Para seus adeptos, entre os quais Antônio Fernando do Amaral e Silva, João Batista Costa Saraiva, Karyna Batista Sposato, Wilson Donizete Liberati[2], os direitos e garantias penais e processuais penais utilizados em benefício dos dultos, de igual forma devem ser estendid 15 penais e processuais penais utilizados em benefício dos adultos, de Igual forma devem ser estendidos aos adolescentes autores de atos infracionais, sob pena de tratá-los de modo mais gravoso do que a um adulto que comete um crime.
Numa primeira análise, a tese é convidativa, afinal imagina-se que esta interpretação resulta em vantagens para os adolescentes autores de ato infracional. Entretanto, como se verá a seguir, o silogismo é equivocado. O sistema de responsabilização do adolescente, ao longo da história passou por diversas fases. A primeira delas caracterizou- e pelo tratamento penal indlferenciado entre adolescentes e adultos. Os códigos penais tinham nítido caráter retribucionista. Este período estendeu-se até o início do século XX[31.
Um segundo momento teve origem nos Estados Unidos da América, no fim do século XIX e início do XX, denominada por Méndez como de caráter tutelar[4]. Nele começa a haver diferenciação entre jovens e adultos, sendo criados os primeiros juizados de menores. Entretanto aqueles ainda eram vistos como objetos de tutela e não como sujeitos de direitos. por fim, a terceira etapa é marcada pela doutrina da proteção ntegral, oriunda da Convenção Internacional dos Direitos da Criança, de 1989 e mais especificamente no Brasil, com a Constituição da República, de 1988 e com o Estatuto da Criança e do Adolescente, de 1990.
Esperava-se com o advento destes diplomas, estar sepultada de vez qualquer tentativa de tratar o assunto sob a ótica penal. Ledo engano. 2. 1 0 Direito Penal Juvenil Sob o argumento de que as medidas socioeducativas têm caráter penal, ou Direito Penal Juvenil penal, ou seja, nada as diferencia das penas impostas aos adultos, uma parcela de atores jurídicos se coloca a defender o Direito Penal Juvenil.
Entendem que assim o fazendo torna-se mais fácil assegurar direitos e garantias ao adolescente em conflito com a Segundo Antônio Fernando do Amaral e Silva: “Embora de caráter predominantemente pedagógico, as medidas sócio-educativas, pertencendo ao gênero das penas, não passam de sanções impostas aos jovens. A política criminal os aparta da sanção penal comum, mas os submete ao regime do Estatuto próprio. ? útil aos direitos humanos que se proclame o caráter penal das medidas sócio-educativas, pois reconhecida tal característica, só podem ser impostas observado o critério da strita legalidade. ” [5] No mesmo sentido, por exemplo, Karyna Batista Sposato entende que a medlda socioeducativa cumpre o mesmo papel de controle social do que a pena, possuindo as mesmas finalidades e idêntico conteúdo e representa o exercício do poder coercitivo do Estado e implica necessariamente uma limitação ou restrição de direitos ou de liberdade.
De uma perspectiva estrutural qualitativa, não difere das penas”. [6] Um dos principais equívocos desta corrente é que somente por meio do viés penal serão respeitados os direitos dos adolescentes. Nessa esteira leciona Ana Paula Motta Costa para uem: “O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8. 69/90) é a legislação brasileira que prevê como seu terceiro sistema de garantias, o “Direito Penal rmatizar PAGF 15 prevê como seu terceiro sistema de garantias, o “Direito Penal Juvenil”, ao normatizar o conjunto de medidas socioeducativas aplicáveis a adolescentes que cometem atos infracionais, ou seja, crimes e contravenções tipificadas na Lei penal pátria. [7] Duplo equívoco: o Estatuto da Criança e do Adolescente não criou nenhum subsistema penal e é necessário se afastar desta perspectiva criminal para que o Direito da Criança e do
Adolescente ganhe a autonomia necessária para assegurar garantias por meio da efetivação da cidadania, conforme dispões as normativas internacionais, a Constituição e o ECA 2. 2 Velhas soluções para velhos problemas Não é de hoje que os problemas sociais no Brasil são tratados com o Direito Penal. Segundo Vera Regina Pereira de Andrade, ao invés do Estado assumir seu papel, fazendo cumprir a Constituição, são comuns os recursos à dogmática penal como panacéia de todos os males.
E continua: Enquanto a cidadania é dimensão de luta pela emancipação humana, em cujo centro radlca(m) o(s) sujeito(s) e sua defesa ntransigente (exercício de poder emancipatório), o sistema penal (exercício institucionalizado de poder punitivo) é a dimensão de controle e regulação social, em cujo centro radica a reprodução de estruturas e instituições sociais, e não a proteção do sujeito A lição é perfeita para se opor ao Direito Penal Juvenil.
Mesmo diante de toda a evolução dos direitos da criança e do adolescente, que superaram séculos de tratamento indiferenciado, ganhando status constitucional e legislação própria, insistem alguns, ainda que com boa intenção, em segurar-se à tabu onstitucional e legislação própria, insistem alguns, ainda que com boa intenção, em segurar-se à tabua do direito penal como salvação para o naufrágio da exclusão social.
Em idêntico sentido, Josiane Rose Petry Veronese assevera que sendo o adolescente inimputável, seu comportamento não diz respeito ao Direito Penal, ao contrário, o Direito Penal é que lhe diz respeito, ao definir condutas que também a ele são proibidas. “É dessa maneira apenas que o Direito Penal também diz respeito ao adolescente, não lhe atribui, reforçamos, responsabilidade penal” . 9] Em absoluto nada garante que a utillzaç¿o do direito penal possa se dar em benefício dos adolescentes, ao contrário, negando- se a vigência e a autonomia do Estatuto, coloca-se os jovens em conflito com a lei na mesma vala já comprovadamente ineficaz aos adultos.
Tratando acerca de violência contra mulheres e mudando o que pode ser mudado, Vera Regina Pereira de Andrade lança preciso aviso de que: a arena jurídica mais apropriada para a luta é a do Direito Constitucional porque, diferentemente do Direito Penal, que constitui o campo, por excelência, da negatividade, da repressividade e que tem (re)colocado as mulheres na condição e v[timas; o Direito Constitucional constitui um campo de positividade, com potencial para recolocá-las na condição de sujeitos. [10] Também no mesmo sentido, ao denunciar o papel de defesa social, Alessandro Baratta ensina que o sistema penal cumpre função de reprodução das relações sociais e da manutenção da estrutura vertical da sociedade. 11] A responsabilização dos a ve ser trat A responsabilização dos adolescentes deve ser tratada por meio da inclusão dos jovens à cidadania plena, de forma a propiciar condições de que eles possam usufruir as promessas de um Estado Social. 2. 3 Noções de cidadania Diversos têm sido os esforços para conceituar cidadania. Porém esta não é uma tarefa singela visto que a categoria permite diferentes enfoques e por ter conteúdo dinâmico.
A esse respeito Vera Regina Pereira de Andrade adverte: “É que, apreendida a partir de sua materialidade social, a cidadania não pode ser concebida como categoria monolítica, de significado cristalizado, cujo conteúdo tenha de ser preenchido de uma vez e para sempre (tal como no liberalismo) pois se trata de uma dimensão em movimento que assume, historicamente, diferentes formas de expressão e conteúdo, e cujo processo tem e desenvolvido nas sociedades centrais e periféricas com amplas repercussões sociais e políticas. [1 2] O discurso da cidadania varia conforme as relações de força de uma sociedade, sendo necessária também uma caracterização do tipo de Estado. Entretanto, em uma linha evolutiva, toma-se primeiramente a definição de Thomas Marshall, c qual foi um dos primeiros teóricos do século XX a tratar do conceito de cidadania, em termos de critérios evolutivos e sob a ótica liberal. Para ele, a cidadania poderia ser concebida como um status, a qual era dividida em três partes: civil, política e social.
Assim tem-se que: O elemento civil é compo s necessários à liberdade direitos necessários à liberdade individual — liberdade de ir e vir, liberdade de imprensa, pensamento e fé, o direito à propriedade e de concluir contratos válidos e o direito à justiça. [… ] Por elemento politico se deve entender o direito de participar no exercício do poder político, como um membro de um organismo investido da autoridade política, ou como um eleitor dos membros de tal organismo. … ] O elemento social se refere a tudo o que vai desde o direito a um mínimo de bem-estar econômico e segurança ao direito de participar, por completo, na erança social e levar a vida de um ser civilizado de acordo com os padrões que prevalecem na Observa-se que para Marshall os direitos são concedidos pelo Estado, sem a necessidade de lutas de classe.
O conceito de cidadania vai sendo reconstruído através da retomada do princípio da igualdade, isto porque a cidadania altera o padrão de desigualdade social. Por outro lado, para Lígia Martha Coelho, que trabalha com uma sociologia de base marxista e com uma visão focada na desigualdade social, a posição da autora é oposta à figura do Estado como um concessor de direitos. Isto porque a cidadania cresce na mediação entre o Estado e a sociedade.
Segundo a autora: “Só uma visão liberal, caminhando para uma versão capitalista de desenvolvimento social, presa a princípios onde prevalecem o individualismo e a livre iniciativa é capaz de construir, para uma palavra como cidadania, um conjunto tão bem elaborado de direitos sem atentar para deveres, privilegiando o consenso advindo de uma relação onde o estado mínimo não é posto a prova privilegiando o consenso advindo de uma relação onde o estado minimo não é posto a prova para toda a sociedade; só ela é capaz e apontar a cidadania como concessão ampliada para aqueles que estejam capacitados a adquiri-las, que se constituam em seres conformados com as migalhas de bem-estar social que o estado lhes A autora critica a visão evolucionista trazida por Marshall por não ser uma evolução “natural”, bem como a visão restrita aos direitos civis, políticos e sociais elencados por ele, não os ampliando para outras vertentes. Ainda se opõe à ausência de referência de Marshall aos deveres de cada cidadão. Lamentavelmente a cidadania, no discurso jurídico dominante, aparece como uma categoria estática e cristalizada, cujo ignificado ora procura se identificar com o conceito de nacionalidade, ora com o conceito de direitos políticos stricto sensu. Em uma abordagem na teoria jurídica contemporânea dominante no Brasil ressalta-se que o conceito de cidadania emanou do Direito Constitucional e da Teoria Geral do Estado.
Daí a falta de consenso em relação à sua conceituação. Observa-se que tal categoria não possui, no Brasil, uma trajetória de evolução virtuosa e a luta pela sua conquista esteve presente em momentos decisivos, principalmente a partir da Revolução de 1930, seja pela falta de garantia de sua efetividade, seja pelo grau e complexidade advindo do capitalismo. Para Vera Regina Pereira de Andrade, ao ressaltar a diferenciação entre cidadania e demais categorias, o termo aparece no discurso juridico como: um atributo concedido pelo Estado – através da lei – a aparece no discurso jurídico como: “(… ) um atributo concedido pelo Estado – através da lei – ao indlviduo nacional.
E por isso a nacionalidade é, em qualquer caso, condição de cidadania. Trata-se de uma cidadania nacional. Ademais, a cidadania é tida como categoria estática que, uma vez concedida, acompanha o indivíduo pela vida toda. “[15] Disto tem-se que nacionalidade e cidadania não são sinônimos, pois quando se trata de cidadania refere-se ao indivíduo dentro de uma sociedade, ao passo que, ao se tratar de nacionalidade, considera-se toda a sociedade. Também teorizando acerca do conceito, Zigmund Bauman entende que o termo cidadania aparece como um nivelador de desigualdades, apontando para uma proposta de inclusão, participação e responsabilidade dos indivíduos.
Isto porque há uma excessiva polarização dos direitos humanos, ou seja, todos se acham credores de direitos e questiona-se onde estão os devedores[16]. or fim é importante ressaltar que a categoria cidadania deve acompanhar a dinâmica das relações sociais, políticas, económicas, culturais, entre outras, pois sempre que vinculada a conceitos ultrapassados e conservadores ficará cada vez mais distante da realidade social. 2. 4 Adolescente e cidadania Dentro deste contexto, a consecução da cidadania constitui-se um dos maiores desafios da humanidade, mormente em relação às crianças e aos adolescentes, muitos dos quais envolvidos na prática do ato infracional em face da exclusão a que são submetidos. Segundo Alessandro Bara o foi explícita e