É possível reabilitar o sentido da política?

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É POSSÍVEL REABILITAR O SENTIDO DA POLí ICA? Em torno ao legado de Hannah Arendt Carmelita grito de Freitas Felício* Resumo: Partindo de uma avaliação dos preconceitos contra a política e das difíceis condições que a modernidade e o mundo contemporâneo reservaram ao exercicio da politica, este texto discute a pertinência da pergunta formulada por Hannah Arendt: ‘tem a polltica ainda algum sentido? e, ainda, a conveniência de se substituir a polític nossos dias, represe m sobrevivência da pró a Hu Palavras-chave: mod Arendt.

OF24 e força que, nos rdade, à vida e ? presente, Hannah O ponto de partida das reflexões que seguem constitui um exercício de pensamento que se encontra amalgamado com a minha vontade de saber porque, no nosso tempo, a atividade politica caiu em total descrédito, como bem o demonstram a apatia e a despolitização que tomou conta do nosso mundo, a descrença e a desconfiança com que as pessoas comuns julgam a atividade politica, e, por via de consequência, as pessoas diretamente envolvidas com ela.

Uma de nossas hipóteses é a de que, nas condições do tempo presente, estamos sendo confrontados com a perda de critérios e de referências a partir as quais nos movemos politicamente e essa perda está, em nossa opinião, diretamente relacionada com os preconceitos que, começar uma discussão acerca dos motivos que levaram ? degradação do sentido e do que a política é de fato.

Afinal, que preconceito é esse que, segundo Arendt, existe e sempre existiu contra *Mestre em Filosofia (UFG) e Professora no Departamento de Filosofia e Teologia da Universidade Católica de Goiás-UCG. a política e por que, quando se trata de pensar “o que é de fato pol(tica hoje” , não se pode deixar de considerar as relações de hostilidade entre Filosofia e Política que remontam à gênese o pensamento político ocidental, procurando detectar por que mesmo, já com Platão, a filosofia política procurou encontrar fundamentos teóncos e meios práticos de evitar a política?

Poder-se-ia dizer que a proposta deste texto é a de tentar compreender as difíceis condições que a modernidade reservou ao exercício da política, lançando perguntas a Hannah Arendt, interrogando o seu modo original de pensar essa atividade e deixando-a falar sobre a vocação da pol[tica que, em seus termos, “é o modo fundamental pelo qual exprimimos o nosso caráter distintivo enquanto seres humanos”.

A partir dessa perspectiva, aproximar-nos-emos do pensamento arendtiano, à luz desses três registros: i) os preconceitos correntes contra a política e a distinção entre preconceitos contra a politica e o papel do juízo na política; ii) o pano de fundo contra o qual Hannah Arendt lança a pergunta: “afinal, tem a política ainda algum sentido”? ‘; iii) o rastreamento das pistas deixadas por Arendt a partir das quais seria poss[vel falar em recuperação da “di PAGF rastreamento das pistas deixadas por Arendt a partir das quais sena possível falar em recuperação da “dignidade da politica”.

Nesse sentido, a proposta deste texto é a de tomar por base o legado desta cientista polítlca judia-alemã-americana e uma figura que, reconhecidamente, é uma das mais representativas do pensamento político do século XX. A julgar, então, pelas palavras da própria pensadora, pensar a política no nosso tempo é uma tarefa urgente. E, se se trata de pensar, então, essa tarefa é filosófica e é por isso que é muito natural que [a filosofia] se faça necessária [especialmente nesses] tempos de transição, quando os homens [deixaram] de confiar na estabilidade do mundo e no papel que nele esempenham (… e quando as questões que envolvem as condições gerais da vida humana investem-se de uma pungência invulgar. Os preconceitos contra a Política A concepção de que a política é “uma teia feita de velhacaria de interesses mesquinhos e de ideologia mais mesquinha ainda” é uma idéia antiga. Com efeito, a concepção corrente que se tem da politica, não raro, é a de que esse âmbito é o da competição, da falsidade, da mentira, da corrupção e do domínio. Ao se pretender falar, então, sobre o sentido da politica não se pode deixar de começar procedendo a uma avaliação acerca os preconceitos que todos temos contra a politica.

Esses preconceitos não são juízos definitivos, felizmente! , mas eles são os indicadores de que perdemos as referências a partir das quais podemos nos mover politicamente. O problema co as referências a partir das quais podemos nos mover politicamente. O problema com o preconceito que todos temos contra a política e a confusão corrente daquilo que seria o fim da polltica com a polltica em si, traz a consequência de “apresentar aquilo que seria uma catástrofe como inerente à própria natureza da politica e sendo, por conseguinte, inevitável”.

Todavia, enquanto medida do juízo dentro da vida cotidiana, o preconceito tem seus limites. Essa medida, porém, só vale para os “verdadeiros preconceitos”, isto é, aqueles que não afirmem ser juízos, valendo lembrar que os preconceitos não são ligados a pessoas, antes, eles desempenham um importante papel na vida social, pois, concordando com Arendt, não existe nenhuma estrutura social que não se basele mais ou menos em preconceitos.

Os preconceitos guardam uma estreita relação com o passado e se podemos reconhecê-los é “porque nele se oculta um juízo já formado, o qual originalmente tinha uma egítima causa empírica que lhe era apropriada e que só se tornou preconceito porque foi arrastado através dos tempos, de modo cego e sem ser revisto”. Se o preconceito e o juízo têm algo em comum é pelo fato de nele os homens se reconhecerem e a ele sentirem-se integrados. Todavia, quando os preconceitos se alastram para o âmblto político, onde, segundo Arendt, não conseguimos mover-nos sem juízos, eles se tornam perigosos. or isso, Arendt adverte para o fato de que, se queremos compreender como os preconceitos são difundidos, “é preciso sempre descobrir primeiro o juízo nterior neles con como os preconceitos são difundidos, “é preciso sempre descobrir primeiro o juízo anterior neles contido, ou seja, identificar seu conteúdo original de verdade”. Ela nos adverte, ainda, para o fato de existirem os preconceitos do juízo, contra os quais é preciso contrapor um pensamento que julga, no lugar daquele que busca chegar a conclusões. ? nesse sentido que se torna mais claro o projeto arendtiano de pensar a política equacionando-a com “a capacidade de formação de opinião” pois é para essa direção que se encaminham os “exercícios de pensamento” arendtianos. Assim, “se o pensamento político baseia-se, em essência, na capacidade de formação de opinião” , como quer Arendt, isso significa fizer que “o pensamento político se funda sobretudo no discernimento”. por isso, se existe um preconceito que deve ser combatido, é a idéia de que algo imperativo deva adequar-se aos juízos políticos.

E é por isso, também, que “a capacidade de discernimento insiste e deve insistir em julgar de forma direta e sem parâmetros” . nesse sentido que Arendt se afasta das interpretações que pressupõem, de forma tácita, “que só se podem exigir juízos dos homens onde les possuem parâmetros e que a capacidade de discernimento não seja nada mais do que a capacidade de agregar, de modo correto e adequado, o Isolado ao geral que lhe corresponde e sobre o qual se chegou a um acordo”.

Referimo-nos antes ao perigo que o preconceito representa, quando ele se alastra para o âmbito político. Isto porque, neste âmbito, somos movidos por juízos e quando acontece d para o âmbito político. Isto porque, neste âmbito, somos movidos por juízos e quando acontece dos homens não estarem mais em condições de julgar “a coisa em si”, em nosso contexto, “a olltica em si” – como presumimos que é o que ocorre em nosso tempo então, faz-se necessário rediscutir os sentidos do que a politica é de fato. or isso que, em nossa interpretação, há de se considerar o esforço de Arendt em desfazer a confusão conceitual, distinguindo os preconceitos contra a política dos ju[zos sobre a política, especialmente porque, se essa confusão nos levou a equiparar “o fim da política com a política em si” e essa é uma hipótese da qual partimos -, é porque os critérios para julgar as determinações do mundo moderno com toda sua acticidade foram perdidos.

Ora, em toda crise histórica, na opinião de Hannah Arendt, são os preconceitos que cambaleiam primeiro e é por isso que eles se consolidam, com facilidade, em algo que, por natureza, não existe em absoluto, isto é, transformando-se em pseudo teorias que, “enquanto visões de mundo fechadas ou ideologias que tudo explicam, pretendem compreender a realidade histórica e politica” . ? nesse sentido preciso, ou seja, é a partir do momento que preconceitos e ideologias ficam confundidos, caindo em uma zona de indeterminação, é a partir daí que, no âmblto olítico, eles perdem a sua confiabilidade, devendo, portanto, serem submetidos à análise histórica, se o que se quer mesmo é compreender porque os preconceitos contra a política nao estão circunscritos apenas ao âmbito da vida compreender porque os preconceitos contra a politica não estão circunscritos apenas ao âmbito da vida comum cotidiana, antes, eles têm a ver com a atitude de hostilidade segundo a qual a própria filosofia concebeu a coisa polltica. É neste ponto que não se pode deixar de fora um registro explicitamente filosófico para rememorar o fato do preconceito ontra a política remontar à gênese da tradição do pensamento politico ocidental. Na perspectiva arendtiana, o evento que deu in[cio à nossa tradição de pensamento pol[tico foi o julgamento de Sócrates, isto é, a condenação do filósofo pela polis. A questão que, segundo Arendt, já espantava Platão era: “como pode a filosofia se proteger e se libertar do domínio dos assuntos humanos e quais são as melhores condlçbes (a ‘melhor forma de governo’) para a atividade filosófica? “.

Em outros termos, os filósofos, de modo quase unânime, exigiram do domínio olítico um estado de coisas em que a ação propriamente dita (ou seja, não a execução de leis, nem a aplicação de regras ou qualquer outra atividade dirigente, mas o início de qualquer coisa nova cujo resultado é imprevisível) fosse totalmente supérflua, ou, pelo menos, permanecesse como um privilégio de poucos. ” Arendt sugere que, não só a filosofia polltica tradicional, mas “a maior parte da filosofia política, desde Platão, poderia facilmente ser interpretada como uma série de tentativas de encontrar fundamentos teóricos e meios práticos de evitar inteiramente a politica”. A forma categórica a partir da qual Arendt se pronuncia PAGF 7 inteiramente a política”.

A forma categórica a partir da qual Arendt se pronuncia a esse respeito é reveladora do fato de que a atitude preconceituosa em relação à política, tal como foi equacionada por Platão e pelos que o seguiram, pode ser reconhecida se se atém à separação radical com que os dois modos de ação, começar (archein) e agir (prattein) que, para os gregos, eram correlatos, possibilitou o aparecimento de uma oposição, uma dicotomia entre aqueles que governam, isto é, aqueles que mandam, e os governados, aqueles que xecutam ordens. Nos termos de Arendt, “Platão foi o primeiro a introduzir, em lugar do antigo desdobramento da ação em começo e realização, a divisão entre os que sabem e não agem, e os que agem e não sabem, de sorte que saber o que fazer e fazê-lo tornam-se dois desempenhos inteiramente diferentes” .

Além disso, Platão compreendeu a ação politica em termos de fabricação (poiesis) “e, portanto, como subordinada a uma estrutura teleológica segundo a qual ela se transforma em meio para algo outro, como objetivos morais, interesses utilitários elou de natureza estritamente econômica” Mas, o que foi mesmo que fez com os filósofos perdessem as esperanças não em relação ao Homem, mas em relação aos homens e seus atos? Uma possivel resposta a essa questão pode ser esboçada à luz da observação pertinente de Dana Villa para quem, a filosofia, por ser um pensamento solitário preocupado com invisíveis é, por sua natureza, hostil à política e à pluralidade humana. or isso que, a maior parte do pensamento e da escri PAGF 8 OF hostil à política e à pluralidade humana. É por isso que, a maior parte do pensamento e da escrita filosófica sobre política, tem ido animada por um impulso expressamente antipolítico (e antidemocrático). Esse conflito está enraizado na natureza fundamentalmente dividida do homem enquanto ser dotado das capacidades de pensar e de agir. Assim, não é por acaso que a partir de Platão, a política deixa de ser concebida como atividade dotada de dignidade própria e passa a ser vista como oriunda “da necessidade que constrange o animal humano a viver em comum com os demais, e não como fundada na condição humana da pluralidade e na capacidade de agir’.

O desprezo pela política pode ser confirmado à luz de uma afirmação de Pascal segundo qual as Leis (Platão) e a politica (Aristóteles) constituem a parte menos filosófica e menos séria dos escritos desses filósofos. “‘Se escreveram sobre politica, foi como para pôr ordem em um hospício; e se fizeram menção de falar sobre ela como uma grande coisa, é porque sabiam que os loucos a quem falavam julgavam ser reis e imperadores; adotavam seus princ[pios para moderar a loucura deles na medida do possível” A concepção de Pascal e o seu desprezo pela política contido na sua idéia de política como um “mal necessário”, a bem da verdade, perpassa toda a tradlção do pensamento politico, desde Platão e Aristóteles até a era moderna e o pensamento político contemporâneo.

De forma esquemática, as fórmulas encontradas para definir a política, ao longo da nossa grande tradição de pensamento político, po encontradas para definir a política, ao longo da nossa grande tradição de pensamento politico, podem ser assim apresentadas: a política não é vista como derivada das necessidades vitais dos seres humanos, ela é percebida como resultado da condição pecaminosa do homem, tal como foi concebida pelo cristianismo que herda do platonismo o desprezo pelas coisas terrenas; egundo a tese de Hobbes, a política resulta de um pacto motivado pelo cálculo racional em face do temor da morte violenta e iminente, tendo em vista a conservação da vida; na perspectiva de Nietzsche, é algo que deveria ser arranjado de tal modo que apenas os espíritos “mediocres” se importassem com ela; à luz do ponto de vista Hegel, ela é o palco da manifestação das figuras do Espirito Absoluto no curso da dialética que opera na história; em Marx, ela é vista como algo necessário que garante e protege a exploração econômica dos detentores dos meios de produção sobre os que detêm apenas sua força de rabalho; ela pode ser vista, ainda, como a instância que define a posse e o uso legítimo dos instrumentos de coerção e violência, tal como aparece em Weber. A lista dos preconceitos contra a política poderia ser estendida infinitamente, sempre a partir da concepção filosófica tradicional de que a atividade política não possui um fim em si mesma, mas deve ser compreendida como meio para algo outro. É por isso que, concordando com André Duarte, “a ousadia e a radicalidade do pensamento arendtiano, o traço que lhe confere distinção em relação a toda a tradição do pensame

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