Educação
EDUCAÇÃO DE JOVENS ADULTOS EM SITUAÇÃO DE PRIVAÇÃO DE LIBERDADE: DESAFIOS PARA A POLÍTICA DE REINSERÇÃO SOCIAL Elionaldo FernandesJulião 1 RESUMO: O Sistema prisional nas sociedades ocidentais passa por uma crise sem precedentes. No Brasil, como em vários países da América Latina, por exemplo, espalham-se evidências de um acelerado e perigoso processo de deterioração.
No campo das políticas de privação de liberdade, principalmente das suas propostas de educação para jovens e adultos, diante da diversidade de fatores que envolvem o tema, são necessárias propostas e estratégias especificas de companhamento e avaliação, que valorize concepções mais abrangentes e totalizantes, que busque apreender a ação, sua formulação, Impleme impactos. Nos últimos anos, es sociedades ocidentai 1 or12 to view nut*ge ssos, resultados e blicas das rança pública e o sistema penitenciário, ao lado do crescimento econômico, passaram a ser temas de destaque da agenda pública dos governos.
Segundo eles, investe-se demasiadamente em propostas com o objetivo de obter uma resposta imediata que atenda os anseios da sociedade; pouco se investe em medidas que consolidem políticas e processos com respostas de médio e ongo prazo; acredlta-se que, em detrimento de uma política de assistência social, deve-se priorizar investimentos em uma política de execução penal. Vários países da América Latina, dentre eles o Brasil, vêm vivendo no campo da segurança pública um dos momentos mais críticos da sua história.
O sistema prisional brasileiro, por Swlpe to vlew next page por exemplo, vem passando por uma crise sem precedentes nos últimos anos. A população carcerária ultrapassou a marca de 400 mil internos. O aumento tem atingido a média de S a 7% ao ano, não representando concretamente o mesmo ritmo na riação de novas vagas. Seguindo esta perspectiva acelerada de crescimento, acredita-se que em menos de uma década esta população dobrará, registrando uma superlotação inimaginável para o sistema penitenciário hoje já superlotado. Doutorando em Ciências Sociais da UERJ; Mestre em Educação pela PUC-Rio; Diretor da Escola de Gestão Socioeducativa do Rio de Janeiro. Ex-diretor da Divisão de Ensino Profissional e projetos Laborativos da Secretana de Estado de Adminlstração Penitenciária do Rio de Janeiro. E-mail: elionaldoj@yahoo. com. br. O número de jovens em conflito coma ei, privados de iberdade nas principais capitais brasileiras, segue o mesmo ritmo do sistema penitenciário. Estima-se que o crescimento desta população chegue próximo dos 10% ao ano em algumas capitais brasileiras.
Por todo o pais encontram-se evidências de um acelerado processo de deterioração no campo da privação de liberdade: superlotação, maus-tratos, motins, rebeliões, massacres fazem do sistema penitenciário e das instituições responsáveis pelas ações socioeducativas no país, uma bomba relógio pronta a explodir. Cenas de terror, de deterioração humana são denunciadas periodicamente por organismos acionais e internacionais, mas sem respostas concretas do poder público.
Autoridades e especialistas na área de segurança pública afirmam sistematicamente que a sensação de insegurança tem ocasionado na população a idéia de que o poder público 12 sistematicamente que a sensação de insegurança tem ocasionado na população a idéia de que o poder público perdeu as rédeas da segurança no país. O medo tem imperado nas grandes cidades. Diante das várias questões explicltadas, verifica-se a complexidade e relevância da abordagem do tema.
Ao esboçar algumas idéias, o objetivo deste artigo é efletir sobre alguns aspectos que envolvem a privação de liberdade na sociedade contemporânea, principalmente sobre as políticas de reinserção social. Dentre estes, destaca-se o mais conflituoso, pelo menos no âmbito teórico e prático, o discurso predominante sobre o papel dos sistemas responsáveis pela privação de liberdade como instituições de controle social no mundo moderno, onde se prima pela valonzaç¿o discursiva de uma proposta de ressocialização do indivíduo internado.
Mas, contrariando tal afirmação, é patente que existe todo um movimento político e ideológico que prima pela segregação do ndividuo, justificando-se pelo temor causado pelos permanentes movimentos de resistência e violência gerados por uma constante desordem social. Sem ter o objetivo de defender uma tese sobre o tema em pauta, mas sim de explicitar, sensibilizar e dar subsídios básicos para a sua reflexão, traçaremos um diagnóstico da experiência brasileira, suscltando reflexões sobre a educação nos espaços de privação de liberdade, principalmente nas prisões e nas unidades socioeducativas.
Refletiremos também sobre a necessidade de se pensar sobre a implementação de um plano nacional que oriente e dê subsídios ?s ações dos estados, bem como possibilite a construção de instrumentos para se enfrentar os principais problemas identi 19 construção de instrumentos para se enfrentar os principais problemas identificados nas diversas experiências brasileiras, como: fragmentação, descontinuidade, improviso, falta de institucionalização de práticas e procedimentos, ausência de acompanhamento e monitoramento etc. Diagnóstico da experiência brasileira de educação de jovens e adultos em situação de privação de liberdade importante assinalar que existe um grande grupo de operadores da xecução penal e de medidas socioeducativas que vêem a educação nas unidades de privação de liberdade como uma atividade ocupacional como tantas outras, sendo importante apenas para ajudar a dlmlnuir a ociosidade.
Isso signlfica dizer que, embora no centro do discurso que justifica e reivindica a presença da educação formal nestas unidades esteja a idéia de reinserção social, a perspectiva de que atividades escolares ajudam a combater a ociosidade vigente também faz parte dessa discussão. Cabe lembrar que, embora os projetos educacionais para jovens e adultos privados de liberdade cumulem uma longa história no país 2 , pode-se tacitamente afirmar que ainda não existe uma política pública de educação para o sistema penitenciário, nem tampouco para as unidades socioeducativas.
O que se vê ainda são ações isoladas (projetos) sem a institucionalização de uma proposta político pedagógica que abarque as características e finalidades de tal realidade, bem como de investimentos em recursos humanos e de repasses financeiros que atendam as suas necessidades.
Dentre os principais problemas identificados em uma avaliação genérica sobre a educação para jovens e adultos em situação de privação e liberdade no Brasil genérica sobre a educação para jovens e adultos em situação de privação de liberdade no Brasil, destacam-se, por exemplo: a ausência de uma diretriz nacional para a política de tratamento penitenciário e de ações socioeducativas 3 que orientem minimamente as ações estaduais; a ausência de unidade nas ações educacionais desenvolvidas, devido ao fato de que ainda não se definiram as atribuições dos diversos órgãos envolvidos na política (ministérios, secretarias, superintendências, departamentos etc. ; a maior parte das ações educacionais são esenvolvidas de forma precária, sem recursos materiais e em espaços improvisados, muitas vezes sem qualquer planejamento prévio; os profissionais não são capacitados para o trabalho, visto a sua especificidade; não existe uma proposta curncular e metodológica definida para esse trabalho; como também ainda não existe um 2 Alguns Estados, como o Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo, Paraná, por exemplo, há décadas possuem experiências educacionais com jovens e adultos privados de liberdade. Outros ainda possuem ações isoladas e não institucionalizadas. São geralmente projetos de curta duração e com atendimento eduzido. 3 No campo das ações socioeducativas, em 2006, reafirmando a diretriz do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA sobre a natureza pedagógica da medida socioeducativa, foi aprovado pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA), o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo – SINASE. Os estados lentamente vêm tomando ciência da proposta. Poucos têm conseguido implementá-la literalmente. onsenso no discurso que caracterize o papel da educação como propo consenso no discurso que caracterize o papel da educação como proposta política para os espaços de privação de liberdade; dentificamos ainda, a ausência, na política de execução penal e de medidas socioeducativas, de uma proposta politica nacional de educação que venha dar suporte às diversas experiências que vem sendo desenvolvidas no país, possibilitando a sua unificação e, consequentemente, a sua ampliação 4 ; de informações detalhadas sobre o perfil institucional e o biopsico-social dos internos e dos profissionais que atuam nestes sistemas, possibilitando uma melhor orientação para a implementação de pollticas públicas na área; bem como da criação de mecanismos de acompanhamento e avaliação de programas e projetos inanciados com recursos públicos. No campo das politicas de privação de liberdade no país, diante da diversidade de fatores que envolvem o tema, são necessárias propostas e estratégias especificas de acompanhamento e avaliação, que valorize concepções mais abrangentes e totalizantes, que busque apreender a ação, sua formulação, implementação, execução, processos, resultados e impactos.
Ou seja, que não só se invista em uma avaliação apenas de resultados, que mensure quantitativamente os benefícios e malefícios de uma política ou programa; mas também de processos, que qualifica decisões, esultados e impactos. Uma outra questão que vem merecendo a atenção de pesquisadores e gestores na área de execução penal e medidas socioeducativas, que não é privilégio do caso brasileiro, também encontramos nas principais propostas de execução dos países do ocidente, está diretamente relacionada ? implementação de programas e PAGF 19 execução dos países do ocidente, está diretamente relacionada à implementação de programas e projetos dentro das unidades de privação de liberdade.
As ações, programas e projetos de cunho “ressocializador são realizados de forma pontual, não rivilegiando uma atuação técnica interdisciplinar. Os professores, por exemplo, atuam como técnicos conteudistas, não privilegiando a reflexão ampliada de determinadas discussões do cotidiano carceraria e socioeducativo, tais como: saúde, sexo, drogas, violência, direitos humanos etc. Já os técnicos em geral se limitam a responder solicitações imediatas e protocolares, não conseguindo ultrapassar a burocracia dos seus pareceres disciplinares e normatizadores. 4 Os Ministérios da Justiça e da Educação vêm realizando nos últimos anos (desde 2005) um importante ensaio de mplementação de uma proposta interministerial para pensar a educação no sistema penitenciário.
Em 2006 e 2007, em parceria com as Secretarias Estaduais de Educação, Justiça elou Administração Penitenciária e UNESCO, organizaram Seminários Nacionais sobre educação nas prisões, reunindo diversos atores do campo social, principalmente gestores, politicos, estudiosos do tema, bem como representantes de instituições públicas e não governamentais que atuam na área, para discutir e estabelecer uma definição política sobre o papel a ser desempenhado pelo sistema penitenciário na sociedade contemporânea, stabelecendo, por exemplo, o seu plano de ação. Incentivado pelo Ministério da Educação brasileiro e com o apoio da Comunidade Européia, inicia-se em 2006 a organização da Rede Latinoamericana de Educação de Jovens e Adultos em Situação de Privação de Lib organização da Rede Latinoamericana de Educação de Jovens e Adultos em Situação de Privação de Liberdade. Já para as ações socioeducativas, nada vem sendo feito concretamente nesta direção. 4 A escola dentro desse contexto, nada mais é do que mais um espaço como tantos outros, com uma atuação isolada, muitas ezes descontextualizada do cotidiano da realidade da privação de liberdade.
Pelo menos em uma concepção mais ampliada, não deveria estar localizada somente na unidade, mas sim fazer parte da proposta politica da instituição, integrada às ações do serviço social, da psicologia, da assistência jurídica, da saúde etc. Diante de estudos desenvolvidos na área de políticas públicas e gestão da segurança pública, acredita-se que não é por falta de recursos financeiros que o sistema penitenciário e as unidades socioeducativas se encontram a beira do abismo, mas sim da nstitucionalização de procedimentos e concepções políticas que otimizem a utilização destes recursos, valorizem a atuação técnica desburocratizada e humana, e, principalmente, privilegiem a condição humana sobre todas as coisas.
Muitas vezes, em virtude de interesses pessoais, partidários ou quaisquer outros, temos acompanhado um investimento maciço na implementação de projetos pontuais de curta duração que visam uma resposta a curto prazo, mas que dificilmente consolidará uma prática elou uma proposta política para área. É fundamental que além de diretrizes nacionais para a execução penal e medidas ocioeducativas, se estabeleçam critérios claros e objetivos para o repasse de recursos para os estados, atendendo uma proposta polltica nacional, não ficando, assm, a mercê de relações estados, atendendo uma proposta política nacional, não ficando, assim, a mercê de relações e interesses políticos partidários. Não adianta também imaginar que estas modificações ocorrerão da noite para o dia, como um passe de máglca, com um simples estalar de dedos.
Mas sim com o enraizamento de concepções polltico-administrativa e ideológica que valorizem, a qualquer custo, a política pública, a continuidade administrativa, o respeito ? atuação interdisciplinar, interdepartamental, interministerial etc. Considerações Finais É fundamental que se perceba que não é só com a criação de novas escolas, principalmente associadas ao ensino profissional, que resolveremos o problema da educação para jovens e adultos privados de liberdade. É preciso valorizar uma concepção educacional que privilegie e ajude a desenvolver potencialidades e competências que favoreçam a mobilidade social dos internos e não os deixem se sentir paralisados diante dos obstáculos que serão encontrados na relação social.
Nós acreditamos que a educação é apenas uma gota no oceano da vida quando sabemos que ela é – para todos – o direito e a oportunidade de expressar projetos pessoals, de entender a si mesmo e aos outros e de continuar tomando suas próprias decisões como tal ‘compreensão’ dos fatos. É a chave, a ferramenta que pode ser usada para dar significado ? vida como um todo (Maeyer, 2006, p. 23)”. Em suma, deve-se investir na criação de uma escola para os sistemas penitenciário e socioeducativo cuja concepção educacional privilegie, acima de tudo, a busca pela formação de um cidadão consciente da sua ealidade social. Também é essencial que o Ministério da Justiça e os org cidadão consciente da sua realidade social.
Também é essencial que o Ministério da Justiça e os órgãos competentes assumam a educação como uma das politicas de reinserção social e, em articulação com os Ministérios da Educação, da Saúde, da Cultura etc, definam as diretrizes nacionais para o “tratamento penitenciário e socioeducativo”, visando a construção coletiva de uma política pública voltada à alfabetização e à elevação de escolaridade 5 da população privada de liberdade e egressa no ontexto das políticas de Educação de Jovens e Adultos. Ciente de que sem a participação efetiva da sociedade as politicas públicas muitas vezes estão fadadas ao fracasso, acreditamos que somente avançaremos em uma política de execução penal e de medidas socioeducativas, que atenda os seus reais anseios, com a participação efetiva da sociedade civil organizada.
Neste sentido, torna-se fundamental o estimulo à criação de Conselhos da Comunidade 6 em todas as Varas de Execuções Penais, como já previsto na Lei de Execuções Penais e do fortalecimento dos Conselhos Estaduais e Municipais de Defesa dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes, com o objetivo de acompanhar a execução das políticas em cada estado. Concluindo, diante do exposto, defendemos que necessitamos imediatamente de uma reavaliação da legislação penal vigente que atenda a realidade do sistema penitenciário contemporâneo, que retira do seio social uma grande massa de jovens economicamente ativos, excluídos socialmente, segregados política e economicamente dos benefícios sociais. Possibilitar que o interno penitenciário, por exemplo, possa remir pela educação é muito pouco para uma proposta de integração s