Gestão do desenvolvimento econômico local: algumas considerações

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Introdução O fenômeno da reestruturação capitalista e a crise dos Estados nacionais, ocorridas a partir da década de 1970 influenciaram nas discussões sobre os rumos dos processos de desenvolvimento no mundo e no Brasil.

Muitos estudiosos da temática do desenvolvimento começaram a avaliar os resultados das políticas de desenvolvimento em curso nos paises capitalistas do pós-guerra, quando os modelos de desenvolvimento e as práticas de planejamento da vida econômica eram realizados de cima para baixo, ou seja, conduzidos O momento atual te de ser marcado por f turbulências que con decisão por parte dos pecu de tomada de gestores públicos. É justamente nesse contexto que estudos locais ganham interesse, com o município assumindo funções que antes eram de responsabilidade de instâncias de poder superiores.

Desta forma, cada vez mais os municípios ou cidades (como muitos os denominam no Brasil) constituemse em um espaço estratégico para o desenvolvimento (A. V. BARQUERO, 1993, p. 72), muitas vezes com profundas conseqüências economicas, soclais e espaclais. O desenvolvimento econômico local pode ser visto como um dos campos de investigação da escala local. Nas últimas décadas, por causa das transformações na Desenvolvimento Local. Vol. 8, N. 13, Set. 2006. atinos-americanos, a instância local de poder emergiu como tema, caracterizando um saber que converge na análise de relações concretas, socialmente construídas e territorialmente localizadas. para Alessandra Massolo, há um crescente interesse pelo tema nos países latinoamericanos. Segundo a autora: a complexa transição democrática com o fim das ditaduras, as cr[ticas e polêmicas sobre as concepções, táticas e estratégias da esquerda têm obrigado a que se repense e recoloque os enfoques sobre o problema e a natureza da democracla, do Estado e do poder.

Dentro desse contexto global está se verificando um movimento de descoberta e reflexão em direção às bases, ou seja, em direção aos espaços locais municipais enquanto territórios políticos, é tni co- cul turais, soc lais e econômi cos que devem ser conhecidos, reconhecidos e reconsiderados para a luta democrática no campo popular (A. MASSOLO, 1988, p. 46). Assim, diferentes atores estatais e sociais, além de uma série de pesquisadores, passaram a ampliar seus interesses por temas e problemas locais, com um crescente número de estudos e análises concretas e territorialmente localizadas.

Os estudos da escala local remetem ao estudo sobre o poder local, visto como rela- são de forças, das quais se processam alian- ças e confrontos entre atores sociais em um espaço delimitado, com formação de identidades e práticas pollticas específicas. Neste trabalho, este espaço específico, enquanto escala de analise, refere-se à n PAGF 33 específicas. Neste trabalho, este espaço especifico, enquanto escala de análise, refere-se à noção de município.

O município é entendido como o espaço polítlco local que permite discussões de diversos enfoques: pautas de convivência e ooperação entre membros da sociedade, competição, conflito, herança política local e formas de exercício do poder, não apenas fisicamente localizado mas socialmente construído (Cf. T. FISCHER. 1993, p. 10-12). O tema desenvolvimento econômico local pode ser inserido no debate sobre gestão local, de prátlcas políticas específicas. Este tema tem ganhado destaque à medida que se discute o papel dos municípios como agentes de promoção e ativação do desenvolvimento econômico.

Uma perspectiva teórica possível para a análise do desenvolvimento econômico local é a do nstitucionalismo político, que centra a sua atenção no papel das institui- ções, dentre as quais destaca-se a administração pública municipal, como agente do desenvolvimento por meio de políticas, estratégias e alianças. Este tipo de abordagem permite enxergar a emergência de um dado fenômeno, no caso o desenvolvimento econômico local, e apontar o papel determinante da dimensão política (cf. G. COCCO, 1996, p. 39).

Uma outra perspectiva é a da gestão territorial local, no caso gestão municipal, considerando que há uma impactação em duplo sentido dos territórios e dos modelos e desenvolvimento, pelos atributos ou carências dos territórios e pelas estratégias de estratégias de desenvolvimento implementadas, e que será melhor discutida abaixo A relevâncla da atual discussão sobre novos (e velhos) papéis do município deve ser imputada ao fato de, até as últimas dé- cadas do século a instância nacional ser a referência para a análise, por causa da centralização do poder ocorrida principalmente no período autoritário (1964-85).

Daí a importância de resgatar o significado do papel do município no Brasil como agente do desenvolvimento econômico, apontando uais os seus desafios recentes em face às transformações ocorridas na economia capitalista e do papel desempenhado pelos Estados nacionais, dentre as quais a descentralização do poder coloca-se como uma característica fundamental. Conforme lembram Giuseppe Cocco e Alexander P. Galvão, o “local” parece estar se constituindo na tônica geral de definição dos novos rumos das políticas públicas ativas de desenvolvimento econômico e social no Brasil nesta virada de século.

Do Rio Grande do Sul ao Rio de Jane ror do ABC paulista ao Ceará, do BNDES à Caixa Econômica Federal, passando pela Finep, do Sebrae ao Senai, há uma multiplicação generalizada de instituições, projetos, pesquisas, seminários e experiências que visam o “desenvolvimento local” (G. COCCO & A. p. GALVÃO, 2001, p. 59). Desenvolvimento econômico local: algumas definições e suas limitações O desenvolvimento econômico local pode ser definido como o conjunto de estratégias rodutiva local (para a e ações para a (re)constru 3 ações para a (re)construção da base produtiva local (para a ativação da economia local) (cf.

C. C. SILVA, 1998b) e pode provocar impactos no território. Ele não deveGestão do desenvolvimento econômlco ocal: algumas considerações 79 INTERAÇÕES Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 8, N. 13, Set. 2006. ser confundido com desenvolvimento urbano. O desenvolvimento urbano dá-se a partir de um projeto físico para uma cidade e de políticas de controle do uso do solo, resultando na ordenação do território e de equipamentos coletivos. A idéia de local, por sua vez, pode ser entendida como um município, parte de município, um conjunto de municípios, um estado (UF) ou mesmo uma região.

Neste trabalho a idéia de local confunde-se com a de munic(pio, a mais localizada instância de poder no Brasil. O município é uma instância de poder político e é um recorte territorial. É uma das formas de domínio territorial-estatal. Na gestão política há uma hierarquização territorial na qual o município é um dos níveis hierárquicos, que coincide com a escala intranacional relativa à localidade, correspondente ao lugar da vida e da experiência cotidiana.

A gestão do desenvolvimento local pode ser diferenciada e discutida por meio da análise das ações e estratégias de desenvolvimento implementadas por vários agentes, em especlal o Estado, permitindo avaliar seus resultados sócio-econômicos e também bservar como ocorre a materialização dessas estratégias no espaço (ou no ambiente construído), que resultam em altera ões do conteúdo e do significado PAGF s 3 construído), que resultam em alterações do conteúdo e do significado desse espaço.

Essas ações e estratégias ocorrem em um espaço herdado, que é constituído por uma históna local, um padrão de organização do território e da força de trabalho e por um dado grau de desigualdades sociais (cf. F. D. COELHO, 1996). A execução de estratégias sobre o espaço herdado promove impactos e possibilita a construção de um espaço projetado ou não, mas ertamente transformado. No Brasil há diversas experiências em curso de estratégias de desenvolvmento loc al, em um c e n á rio de experimentalismo difuso, provavelmente sem grandes conexões entre si, conforme afirmam pesquisadores do Instituto Pólis .

As práticas de desenvolvimento local assumem variadas dimensões e significados, com a implementação de diversas politicas como as de economia solldária, dos arranjos produtivos locais, dos sistemas locais de inovação, do desenvolvimento local integrado e sustentável (DLIS), dentre outras, ora sendo visto como uma nova política social, ora como um novo paradigma conômico 2 A esfera local é o campo prioritário da ação política, muitas vezes desdobrando-se no que Carlos Vainer denomina de patriotismo de cidade, uma pretensa capacidade extraordinária dos governos locais de cumprir, de maneira mais eficaz e PAGF 6 33 e de legitimação. O ponto fundamental deste debate refere-se às possibilidades e limites destas estratégias de indução do desenvolvmento em reduzir as desigualdades sociais e melhorar as condições de vida das classes trabalhadoras e dos estratos economicamente mais vulneráveis, bem como sua capacidade em fazer avançar a democracia e permitir o direito ? cidade para todos. Um primeiro aspecto a ser considerado é quem são os agentes das ações de desenvolvimento local.

Muitas instituições, grupos e indivíduos podem estar envolvidos: cooperativas, as agências de desenvolvimento, associações industriais e comerciais, entidades empresariais, sindicatos, governos locais e de outras instâncias de poder Mas, o mais relevante aspecto que envolve a temática diz respeito aos resultados sociais obtidos: pode-se falar em avanços sociais resultantes das práticas de desenvolvimento local? As conquistas econômicas são significativas ou pífias? Elas apontam para autonomização dos indivíduos ou só reforçam a apartação social? Não seria o desenvolvimento local uma panacéia, cabendo perguntar como Carlos Vainer (2002): afinal, o que pode o poder local? E ainda: “é poss[vel ir além de uma ação governamental cuja virtude máxima seja a de apaziguar localmente conflitos sociais engendrados pela estrutura social e agravados pela ofensiva neoliberal? 4 ” (C. VAINER, 2002, p. 13).

Desenvolvimento econôm PAGF 7 33 Brasil tem vivido um redesenho de seu sistema federativo, com o fortalecimento da capacidade decisória das instâncias subnacionais de governo, ou seja, está80 Claudete de Castro Silva Vitte em curso a descentralização político-administrativa. A idéia de descentralização implica em aumentar o poder, a autonomia de decisão, o controle sobre os recursos e as responsabilidades dos níveis subnacionais. Como idéia, a descentralização logra alguns objetivos nobres, como facilitar a democratização, a participação popular nos processos decisó- rios e o alcance da justiça social, podendo assumir uma feição progressista por ampliar e aprofundar a democracia.

Assim, a Constituição de 1988 assegurou maior autonomia de decisões aos estados e munic(pios, tendo resente o ideário da descentralização, da democracia e da partlcipação da população, vistos como condições de cidadania, como uma reação ao autoritarismo e a possibilidade de institucionalização de novas práticas políticas. Nesse sentido, a Constituição de 1988 deve ser considerada parte de um processo mais amplo de mudanças sociais e politicas ocorridas na sociedade e da ressignificação do poder local no Brasil. Isso fica evidente quando se faz uma rápida recuperação histórica do estatuto jurídicop o I ít ico d o m u n i c í pio nas Constituições brasileiras [anteriores]… (J. . ARAÚJO DA COSTA, 1996, p. 1 15). As mudanças tra PAGF 8 3 0. a. ARAÚJO DA COSTA 1996, p. 15). As mudanças trazidas pela nova Constituição têm possibilitado que municipalidades consequentes avancem no campo do desenvolvimento econômico local e na implementação de políticas sociais. Em tese são possíveis iniciativas que resultem em melhoria dos serviços públicos, já que há maior acesso a recursos tributários. O município pode assumir e atuar em áreas onde a presença da União ocorria tradicionalmente. Tem havido no país algumas experiências municipais comprometidas com a modern i ação econômica e social, com o reaparelhamento institucional, com a democracia participativa e com critérios descentralizadores.

Muitos municípios têm introduzido outros temas e demandas como objeto de política pública local, como o combate ao desemprego e à pobreza, além dos chamados serviços urbanos (água, luz, esgoto, saneamento, transporte, moradia em sentido amplo) e outros servlços de âmbito local (saú- de e educação). Não fazem, assim, distinção entre política econômica e politica social nem quanto ao papel a ser desempenhado por esta instância de governo. A discussão do papel dos municípios a promoção do desenvolvimento aponta para o crescimento de suas responsabilidades em relação às iniciativas voltadas para a melhoria das condições de vida e à busca de soluções dos problemas urbanos e, enfim, da ge s tão local .

No entanto, conforme fala Franklin Dias Coelho, a administração municipal brasileira encontra-se diante de um administração municipal brasileira encontra-se diante de uma potencialidade de ações de desenvolvimento econômico ainda não exploradas na medida em que estas têm sido consideradas como funções e competência do Estado e da União. Atuando mais na área de olíticas de uso do solo, os Municípios não têm conseguido integrar política urbana desenvolvimento econômico [sendo que] as definições presentes na Constituição de 1988 votada sob influência de idéias municipalistas e de descentralização – necessitam ganhar uma dinâmica própria e se materiallzar em projetos e arranjos institucionais específicos no interior do Executivo [já quel os municípios não têm se assumido enquanto um agente de desenvolvimento econômico” (F. D. COELHO, 1994, p. 24).

Assim, há a necessidade do nível local desempenhar um novo papel, vinculado ao desenvolvimento econômico e social. As prefeituras municipais compõem a esfera de governo responsável pela administração dos municípios. Elas são bastante solicitadas a encontrar respostas concretas para os problemas locais. Assim, aumentou as possibilidades dos municípios de atuar no campo do desenvolvimento econômico e urbano, enquanto a União e os estados reduziram, por força da escassez de recursos e do ajustamento económico, a execução de programas de financiamentos e de assistência técnica ao urbano local. Mas, o retraimento das duas instâncias superiores é prejudicial às sociedades locais, de forma ue a coopera- cao intergovernamental é 33

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