Indisciplina

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A indisciplina e a escola atual Julio Groppa Aquino* Este texto é uma versão ampliada do roteiro empregado no vídeo-palestra “A indisciplina e a escola atual”, produzido pela FDE/SP, em 199 estilo narrativo diret o PACE 1 or 33 aos objetivos do vide DC configura-se inicialm escolar como os imp participação.

O m-se, obviamente, temas tratados, ento e a indisciplina os no cotidiano escolar brasileiro, tomando como recorte a emergência dos “alunos-problema” como uma das principais justificativas empregadas pelos educadores na atribuição das causas de tal impasse. Em seguida, tenta-se rastrear e desconstruir as xplicações mais comuns sobre as supostas causas da Indisciplina escolar, tais como: a estruturação escolar no passado, problemas psicológlcos e soclais, a permissivldade da família, o desinteresse pela escola, o apelo de outros meios de informação etc.

Por fim, fundamentam-se algumas propostas pedagógicas para uma compreensão mais autônoma da especificidade do trabalho escolar, bem como algumas regras éticas de convivência em sala de aula, de tal sorte que se possa lançar um novo olhar sobre o ato indisciplinado, cujas interpretações mostram-se, na maioria das vezes, de maneira estereotipada. costumamos a reconhecer como a “crise da educação” Sabemos todos diagnosticar sua presença, mas não sabemos direito sua extensão nem suas razões exatas.

De qualquer modo, o indico mais evidente dessa “crise” é que boa parte da população de crianças que ingressam nas escolas não consegue concluir satisfatoriamente sua jornada escolar de oito anos mínimos e obrigatórios; processo este que se convencionou nomear como “fracasso escolar”, e que pode ser constatado no simples fato de que um considerável número das pessoas ? nossa volta, egressos do contexto escolar, parece ter uma história e inadequação ou insucesso para contar.

Este certamente é o maor problema enfrentado pela escola brasileira nos dias de hoje, e que dá ao Brasil um lugar bastante desconcertante quando em comparação com os outros países. Mais precisamente, os índices de retenção e evasão escolar no país são semelhantes aos de países africanos como a Nigéria e o Sudão. Mais ainda, quando se investiga a qualidade do ensino ministrado entre aqueles que permaneceram na escola, o quadro não é menos desolador.

A esse último efeito temos chamado de “fracasso dos incluídos”. Convenhamos, não é estranho e contraditório que, dependendo do quesito (o econômico ou o polltico, por exemplo), os brasileiros apreciem ser comparados aos europeus ou asiáticos, e no quesito educacional nós sejamos forçados a nos alocar no mesmo patamar de parses castigados da África? Esse é um dado alarmante que tem chamado a atenção de muitos, desde a esfera governamental até a do cidadão comum, passando pelos profissionais da educação. oder-se-ia dlzer, inclusive, que há uma espécie de “mal-estar’ PAGF 33 da educação. Poder-se-ia dizer, inclusive, que há uma espécie de mal-estar” pairando sobre a escola e o trabalho do professor hoje em dia. A própria imagem social da escola parece estar em xeque de tal maneira que os profissionals da área acabam acometidos, por exemplo, de uma espécie de fa ta aguda de credibilidade profissional. ? certo, pois, que grande parte dos problemas que enfrentamos como categoria profissional, inclusive no interior da sala de aula, parece ter relação (i)mediata com essa lastimável falta de credibilidade da intervenção escolar e, por extensão, da atuação do educador. Além disso, se a imagem social da escola está meaçada, algo de ameaçador está acontecendo também com a idéia de cidadania no Brasil, uma vez que não há cidadania sustentável sem escola. É importante frisar que, sem escola, não há a possibilidade de o cidadão ter acesso, de fato, aos seus direitos constituídos.

Afinal, tornar-se cidadão não se restringe ao direito do voto, por exemplo, mas inclui direitos outros com vistas a uma vida com dignidade – e isso tudo tem a ver mediatamente com escola, pois quanto menor for a escolaridade da pessoa, menores também serão suas chances de acesso às oportunidades que o mundo tual oferece e às exigências que ele impõe. Entretanto, alguns poucos ainda parecem questionar a importância intrínseca da escolarização nos dias de hoje. Será isso plausível? De uma coisa estejamos certos: num futuro bem próximo, o mundo será implacável com aqueles sem escolaridade.

Basta olhar à nossa volta e prestar atenção na sltuação concreta das pessoas desempregadas, por exemplo. pois bem, quando alguém se propõe a investigar as razões das pessoas desempregadas, por exemplo. Pois bem, quando alguém se propõe a investigar as razões desse fantasma’ do fracasso que ronda a todos nós, ultimamente tem aparecido, dentre as muitas razões alegadas pelos educadores (desde as ligadas à esfera governamental até aquelas de cunho social), uma figura muito polêmica: o “aluno-problema”.

O aluno-problema é tomado, em geral, como aquele que padece de certos supostos “distúrbios psico/pedagógicos”; distúrbios estes que podem ser de natureza cognitiva (os tais “distúrbios de aprendizagem”) ou de natureza comportamental, e nessa última categoria enquadra-se um grande conjunto de ações que chamamos usualmente de “indisciplinadas”. Dessa forma, a ndisciplina e o baixo aproveitamento dos alunos seriam como duas faces de uma mesma moeda, representando os dois grandes males da escola contemporânea, geradores do fracasso escolar, e os dois principais obstáculos para o trabalho docente.

Um bom exemplo da justificativa do “aluno-problema” para o fracasso escolar é uma espécie de máxima muito recorrente no meio pedagógico, que se traduziria num enunciado mais ou menos parecido com este: “se o aluno aprende, é porque o professor ensina; se ele não aprende, é porque não quer ou porque apresenta algum tipo de distúrbio, de carência, de falta de re-requlslto. ‘ Mais uma vez, não é algo estranho e contraditório para os profissionais da área educacional explicar o sucesso escolar como produto da ação pedagógica, e o fracasso escolar como produto de outras instâncias que não a escola e a sala de aula?

Isto é, se entendermos o fracasso escolar como efeito de algum problema individual e anterior do aluno, n 3 é, se entendermos o fracasso escolar como efeito de algum problema Individual e anterior do aluno, não estaremos nos isentando, em certa medida, da responsabilidade sobre nossa ação profissional? E mesmo se assim o fosse, o que estar(amos azendo nós para alterar esse quadro cumulativo?

Ao eleger o aluno-problema como um empecilho ou obstáculo para o trabalho pedagógico, a categoria docente corre abertamente o risco de cometer um sério equívoco ético, que é o seguinte: não se pode atribuir à clientela escolar a responsabilidade pelas dificuldades e contratempos de nosso trabalho, nossos “acidentes de percurso”. Seria o mesmo que o médlco supor que o grande obstáculo da medicina atual são as novas doenças, ou o advogado admitir que as pessoas que a ele recorrem apresentam-se como um empecilho para o exercício “puro” de sua profissão.

Curioso, não? Na verdade, os tais “alunos-problema” podem ser tomados como ocasião privilegiada para que a ação docente se afirme, e que se possa alcançar uma possivel excelência profissional. O que se busca, no caso de um exercício profissional de qualidade, é uma sltuaçào-problema, para que se possa, na medida do possível, equacioná-la, suplantá-la – o que se oportuniza a partir das demandas “difíceis” da clientela. Pois bem, o que fazer, então?

Um primeiro passo para reverter essa ordem de coisas talvez seja repensar nossos posicionamentos, rever algumas supostas verdades que, em vez e nos auxiliar, acabam sendo armadilhas que apenas justificam o fracasso escolar, mas não conseguem alterar os rumos e os efeitos do nosso trabalho cotidiano. Vejamos o caso específico da indisciplina. Na própria maneira de PAGF s 3 nosso trabalho cotidiano. Vejamos o caso específico da indisciplina.

Na própria maneira de entender o fenômeno disciplinar, podemos observar que as hipóteses explicativas empregadas usualmente acabam reiterando alguns preconceitos, muitos falsos conceitos e outras tantas justificativas para o fracasso e a exclusão escolar. Encontram-se razões à profusão, mas alternativas concretas de dministração, como sabemos, são raras. Nossa tarefa, então, a partir de agora passa a ser a de examinar concretamente os argumentos que sustentam tais hipóteses. 2.

A PRIMEIRA HIPÓTESE EXPLICATIVA: O ALUNO “DESRESPEITADOR” Uma primeira hipótese de explicação da indisciplina seria a de que “o aluno de hoje em dia é menos respetador do que o aluno de antes, e que, na verdade, a escola atual teria se tornado muito permissiva, em comparação ao rigor e à qualidade daquela educação de antigamente’ Esse primeiro entendimento, mais de cunho histórico, da questão disciplinar precisa ser repensado urgentemente. E a primeira oisa a admitir é que essa escola de antigamente talvez não fosse tão “de excelência” quanto gostamos de pensar hoje em dia.

Vejamos por quê. Nossa memória costuma aplicar alguns truques em nós. Às vezes, é multo fácil incorrermos numa espécie de saudosismo exacerbado, idealizando o passado e cultivando lembranças de alguns fatos que não aconteceram ou que não se desenrolaram exatamente do modo com que nos recordamos deles. Portanto, se recuperarmos o modelo dessa escola do passado para cotejarmos nossos proble cos atuais, precisamos PAGF 6 33 recuperar também o contexto histórico da época, pelo menos em arte. Não é possível trazer de volta aquela escola sem o entorno sociopolítico de então. ? muito comum nos reportarmos à escola de nossa infância com reverência, admiração, nostalgia. pois bem, na verdade, essa escola anterior aos anos 70 era uma escola para poucos, muito poucos. Uma escola elitista, portanto. Exclusão, pois, é um processo que já estava lá, nessa escola de antigamente, hoje tão idealizada. Eram elas escolas militares ou religiosas, e algumas poucas leigas, que atendiam uma parcela muito reduzida da população. Perguntemo-nos, por exemplo, se ambos nossos pais tiveram scolaridade completa de oito anos. Lembremo-nos então de nossos avós, se eles sequer chegaram a frequentar escolas!

Quanto mais recuarmos no tempo, mais veremos como escola sempre foi um artigo precioso, difícil de encontrar no varejo social. Todos se lembram, ou pelo menos já ouviram falar, dos exames de admissão e, portanto, do nlVeis “primário” e “ginaslal”. pois é, esse é um bom exemplo de como essas tais escolas de excelência do passado eram fundamentalmente segregacionistas e elitistas, atendendo uma parcela pequena e já privilegiada da população. O exame de admissão representava o que hoje onhecemos como o vestibular para as universidades públicas, já na passagem do primário para o ginásio.

Inclusive, vale lembrar que a partir do in[cio dos anos 70 0 primário e o ginasial deixaram de existir, dando lugar ao “primeiro grau” (e mais recentemente ao “ensino fundamental”), agora com oito anos consecutivos. Desta feita, oito anos passaram a ser o tempo mínimo e obrigatório de escolaridade – uma PAGF 7 3 consecutivos. obrigatório de escolaridade – uma conquista e tanto! Além disso, o número de vagas e estabelecimentos de ensino foi ampliado consideravelmente, democratizando cada vez mais o acesso ? scola.

Entretanto, as conquistas que o povo brasileiro obteve do ponto de vista da democratização do acesso ao ensino formal, com a abertura de novas escolas/vagas e os oito anos mínimos, continuam um projeto inacabado, uma tarefa por se encerrar, uma vez que, decorridas quase três décadas da penúltima grande reforma do ensino brasileiro, ainda não conseguimos fazer valer integralmente essa proposta de democratização lá desencadeada. Outrossim, o grande desafio dos educadores atuais passou a ser a permanência “de fato” das crianças na escola – o que, sabidamente, se consegue apenas com a qualidade do ensino fertado.

Essa é a grande tarefa dos educadores brasileiros na atualidade: fazer com que os alunos permaneçam na escola e que progridam tanto quantitativa quanto qualitativamente nos estudos. Mesmo porque escolarldade mínima e obrigatória é um direito adqurido de todo aquele nascido neste país. E desse princípio ético-político, e também legal, não podemos abrir mão sob hipótese nenhuma. Quando conseguirmos fazer com que a cada criança corresponda uma vaga numa escola, bem como condições efetivas para que lá ela permaneça (e queira permanecer) por pelo menos oito anos, lgo de radicalmente revolucionário terá acontecido neste país!

Contudo, é curioso comparar o contingente da população efetivamente atendido pelas escolas hoje e aquele de antigamente. De certa forma, a porcentage atendido pelas escolas hoje e aquele de antigamente. De certa forma, a porcentagem efetiva de aproveitamento escolar é ainda semelhante àquela de antes. Poucos são aqueles que conseguem permanecer na escola até o final do segundo grau, e menos ainda freqüentar uma universidade, consolidando-se assim a famosa mas indesejável “pirâmide” educacional brasileira.

Parece, então, ue ainda não conseguimos fazer valer aquele célebre artigo da Constituição de 1988, o de número 205, que prega: “educação é um direito de todos e um dever do Estado e da famllia”. É tarefa de todos nós (principalmente os educadores) garantir uma escola de qualidade e para todos, indisciplinados ou não, com recursos ou não, com pré-requisitos ou não, com supostos problemas ou não. A inclusão, pois, passa a ser o dever “número um” de todo educador preocupado com o valor social de sua prática e, ao mesmo tempo, cioso de seus deveres profissionais.

Outro dado que precisa ser reconfigurado com certa mparcialidade quando evocamos essas escolas do passado é o fato de que elas eram fundamentalmente militarizadas no seu funcionamento cotidiano. Eo que isso significa? Se buscarmos exemplos em nossa memória, veremos isso com clareza: as filas, o pátio, o uniforme, os cânticos, e particularmente a relação de medo e coação que tínhamos com as figuras escolares (que descuidadamente nomeamos hoje como “de respeito”), revelavam um espírito fortemente hierarquizado/hierarquizante da época, desenhando os contornos das relações institucionais. ? poss[vel afirmar, então, que essa suposta escola de excelência e antigamente funcionava, na maioria das vezes, na base da ameaça e do castigo – excelência de antigamente funcionava, na maioria das vezes, na base da ameaça e do castigo – traços nítidos de uma cultura militarizada impregnada no cotidiano escolar daquela época sombria da história braslleira. Estamos nos referindo, é claro, ? ditadura militar.

Assim, quando constatamos que nosso aluno de hoje não viveu esses tempos históricos obscuros, que ele é fruto de outras coordenadas históricas – e agora estamos nos referindo ? abertura democrática -, fica claro que precisamos estabelecer utro tipo de relação civil em sala de aula. É óbvio que uma relação de respeito é condição necessária (embora não suficiente) para o trabalho pedagógico.

No entanto, podemos respeitar alguém por temê-lo ou podemos respeitar alguém por admirá-lo. Mas, convenhamos, há uma grande diferença entre esses dois tipos de “respe•to”. O primeiro funda- se nas noções de hierarquia e superioridade, o segundo, nas de assimetria e diferença. E há uma incongruência estrutural entre elas! Antes o respeito do aluno, inspirado nos moldes militares, era fruto de uma espécie de submissão e obediência cegas a um superior” na hierarquia escolar.

Hoje, o respeito ao professor não mais pode advir do medo da punição – assim como nos quartéis mas da autoridade inerente ao papel do “‘profissional” docente. Trata-se, assim, de uma transformação histórica radical do lugar social das práticas escolares. Hoje, o professor não é mais um encarregado de distribuir e fazer cumprir ordens disciplinares, mas um profissional cujas tarefas nem sequer se aproximam dessa função disciplinadora, apassivadora, silenciadora, de antes. Em contraposição, boa parte dos profissionais da educa

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