Modelo de justiça

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MODELO DEJUSTIÇA PARA O SÉCULO XXI Pedro Scuro Neto, Ph. D. (Leeds), M. Soc. Sc. (Praga) Centro Talcott de Justiça e Direito – São Paulo Dia após dia trabalho com jovens infratores, com as memórias dos seus crimes, de seus males, de suas vítmas. Trabalho com os jovens e seus enganos, suas drogas e seus vazios, com seus sofrimentos, seus pesadelos, suas mães e seus amores. Sim, com suas mães e seus amores.

São raros os jovens presos cujas mães não lhes acompanha o desencanto, o choro sumido no fundo duma cela da FEBEM. São raros os jovens presos cujos sentimentos sejam toscos ao ponto de desconhecer a linguagem o do amor. Mas antes amorosa, tiveram m violência. LEOBERTO setenta teve início u tendo como pano de ore PACE 1 or21 sua expressão ificação com a reito Nos anos vas para a Justiça, e mediação entre vítima e infrator. No começo a discussão restringiu-se a um punhado de professores e ativistas.

Mas em 1990 0 quadro mudou quando os participantes de uma conferência internacional sobre mediação aplicada a processos de justiça penal na Áustria, Bélgica, Finlândia, Inglaterra, França, Itália, Alemanha, Grécia, Holanda, Noruega, Escócia e Turquia, deram-se conta do urgimento de um novo modelo, a Justiça Restauratlval , hoje um poderoso movimento global de reformulação do modo JOHN BRAITHWAITE. cnme, Shame and Reintegration. cambridge: Cambridge University Press, 1989. 215 Revista da EMARF – Volume 6 o interesse não parou de crescer.

Em 1995, o governo da Nova Zelândia reformulou seu sistema de justiça da infância e juventude adotando o modelo restaurativ02. Na África do Sul, pais com gravíssmos problemas de violência e cnmnalidade, o estatuto de crianças e adolescentes também foi alterado para abrigar princípios restaurativos. Entrementes, no mundo nteiro aumentava de forma notável o número de programas de mediação entre vítima e infrator, a expressão mais tradicional e menos controvertida do modelo.

País África do Sul Alemanha Austrália Áustria Bélgica Canadá Escócia Estados Unidos Finlândia França Noruega Nova Zelândia Número de programas 1 293 5 Disponíveis em todas jurisdições 8 26 2 280 130 40 54 Disponíveis em todas jurisdições Em 1997, na Austrália, uma avaliação escrupulosa mostrou, em comparação com o procedimento legal convencional, uma nítida vantagem a favor dos procedimentos restaurativos, virtualmente uas vezes mais resultados positivos no que diz respeito a prevenir reincidência, maior grau de satisfação das vítimas (que, em 82% dos casos receberam desculpas ou restituição material, comparado com apenas 9% nos tribunais), melhor percepção de justiça nos métodos empregados e resultados obtidos, bem como em termos de custos3. O impacto gerou interesse generalizado e hoje projetos similares estão sendo desenvolvidos pelas polícias do Canadá e Inglaterra. 2 F. W. M. MCELREA. The New Zealand Model of Family Group Conferences. European Journal on Criminal Policy and Research, 6: 527-43, 1998. 3 G. C. BARNES, L. W. SHERMAN e H.

STRANG, Rise Working Papers, 1-4, Canberra: Australian National University, 1997. 216 Pedro Scuro Neto PAGF O movimento restaurativo define justiça a partir de três posturas básicas: Infraçóes são atos lesivos a pessoas e relacionamentos acima de tudo; resultam em danos a vitimas, familias, comunidades e aos próprios infratores. A justiça deve ser o objetivo essencial do processo legal e deve ser obtida pnoritariamente através de reconcillação entre as partes e reparação dos danos causados. Conflitos são melhor resolvidos facilitando-se o envolvimento de vítimas, infratores, famílias e omunidades. A Justiça Restaurativa encara o crime como um mal causado, acima de tudo, a pessoas e comunidades.

A ênfase no dano implica considerar antes de mais nada as necessidades da vitima e a importância desta no processo legal. Implica, ademais, em responsabilidade e compromisso concretos do infrator, que o sistema de justiça convencional interpreta exclusivamente através da pena, imposta ao condenado para compensar o dano, mas que, infelizmente, na maior parte das vezes, é irrelevante e até mesmo contraproducente. pouco ou quase nada no processo judicial obriga o infrator a entender as consequências de seus tos e considerar o mal que causou a suas vítimas. Pelo contrário, o infrator encara a Justiça como um jogo onde todos são adversários, seus e uns dos outros.

Não têm a menor motivação para reconhecer que é responsável e nenhuma chance para, de algum modo, expressar seu sentido de responsabilidade. Suas “estratégias de neutralização”4 – estereótipos e racionalizações que os infratores utilizam para se distanciar das pessoas que prejudicaram – jamais são questionadas. Desse m PAGF 91 infratores utilizam para se distanciar das pessoas que prejudicaram – jamais são questionadas. Desse modo, a ensação de alienação em relação à sociedade, que a maioria dos infratores sente, o sentimento de que eles próprios são vítmas, é maximizado pelo processo legal e pela experiência da prisão. GRESHAN SYKES e DAVID MATZA. -rechniques of Neutralization: A Theory of Delinquency. American Sociological Review, 22: 664-70, 1957. 217 ESTRATÉGIAS DE NEUTRALIZAÇÃO “ELI tinha bebido. ” “Na hora me deu branco. ” – negação de responsabilidade; “Ninguém se machucou. ” “Eles têm muito dinheiro. ” “Ela nem percebeu. “- negação de dano; “Ele mereceu. ” “Ela estava pedindo. “- negação de vitima; “Ele mandou. “Foi o povo que votou nele” – recurso a autoridade superior; “Na vida já fiz muito mais coisa boa que rum. ” — metáfora de currículo; ‘Todo mundo faz. ” – reivindlcação de normalidade; “Foi só uma brincadeira. ” – negação de dolo; “É errado, mas não é roubo nem sequestro. ” “Estupra, mas ” – reivindicação de relativa aceitabilidade. JUSTIÇA não mata. RESTAURATIVA: MANDAMENTOS5 1 .

Dar aos danos causados pela conduta nociva prioridade em relação às regras formais que possam ter sido infringidas. 2. Mostrar igual preocupação e envolver-se tanto com os infratores quanto com a sorte de suas vítimas. . Trabalhar pela reparação do dano causado, apoiando vitimas, famllias e comunidades, atendendo suas necessldades. 4. Apoiar os infratores, ao mesmo tempo estimulado-os a entender, aceitar e cumprir com as suas obrigações. 5. Reconhecer que as obrigações dos infratores não são tarefas impossíveis nem impostas para causar-lhes pre•uízo ou 91 obrigações dos infratores não são tarefas impossíveis nem impostas para causar-lhes prejuízo ou sofrimento.

HOWARD ZEHR. Restorative Justice: The Concept. Corrections TOday, dezembro. , 1997: 68-70. 218 5. Oferecer, quando for apropriado, oportunidades de diálogo, ireto ou indireto, entre vítimas e infratores. 7. Envolver as comunidades no processo judicial e dar-lhes condição de reconhecer e enfrentar os problemas e conflitos do seu entorno. 8. Estimular colaboração e reintegração, em lugar de coerção e isolamento. 9. Atentar para as consequências indesejáveis de nossas ações e projetos, mesmo quando concebidos com as melhores intenções. 10. Respeitar e envolver todas as partes: vítimas, infratores e integrantes do sistema de justiça.

CRIME E JUSTIÇA: PRESSUPOSTOS6 Justiça retributiva Crime: noção abstrata, infração à lei, ato contra Estado Controle: Justiça Penal Compromisso do infrator: pagar multa ou cumprir pena Justiça Restaurativa Crime: ato contra pessoas e comunidades Controle: comunidade Compromisso do infrator: assume responsabilidades e faz algo para compensar o dano Crime: ato e responsabilidade com dimensões individuais e sociais Castigo somente não muda condutas, além de prejudicar a harmonia social e a qualidade dos relacionamentos Vítima: vital para o encaminhamento do processo judicial e a solução de conflitos Infrator definido por sua capacidade de reparar danos Preocupação principal: resolver o conflito, enfatizando deveres e brigações futuras. (Que precisa ser feito agora? Ênfase: diálogo e negociação Restituir para com ensar as partes e reconciliar Comunidade: viabiliza o pr rativ PAGF s OF Restituir para compensar as partes e reconciliar Comunidade: viabiliza o processo restaurativo Crime: ato e responsabilidade exclusivamente indlviduais Pena eficaz: a ameaça de castigo altera condutas e coíbe a criminalidade Vltima: elemento periférico no processo legal: Infrator: definido em termos de suas deficiências Preocupação principal: estabelecer culpa por eventos passados (Você fez ou não fez? Ênfase: relações formais, adversativas, adjucativas e dispositivas Impor sofrimento para punir e coibir Comunidade: marginalizada, representada pelo Estado 6 PEDRO SCURO NETO. Manual de SOCi010ga Geral e jurídica. São Paulo: Saraiva, 2000: 103. 19 Na área cível, o movimento restaurativo vem sendo liderado pela entidade máxima dos advogados norte-americanos, a American Bar Association, enquanto em outros lugares o interesse está concentrado na aplicação da JR a casos de crmlnalidade, principalmente quando jovens e crianças estão envolvidos. Em julho de 1999 a ONU aprovou uma resolução sobre o assunto; m seguida um documento da sua Comissão de Prevenção de Criminalidade e Justiça Criminal recomendou um debate internacional sobre princípios básicos de implementação de programas de justiça restaurativa criminal, conclamando os Estados membros da ONU a trocar informações sobre experiências de implementação e avaliação de tais programas7.

JUSTIÇA RESTAURATIVA CRIMINAL (RECOMENDAÇOES) Organização das Nações Unidas (Declaração de Viena, 20 de abril de 2000) Programas de justiça restaurativa Promovem processos ou objetivos restaurativos para atingir resultados restaurativos. Devem estar disponíveis em todos as fases restaurativos para atingir resultados restaurativos. Devem estar disponíveis em todos as fases do processo legal. Só podem ser utilizados com o consentimento livre e voluntário das partes. A ONU recomenda consultas permanentes entre os administradores dos programas e as autoridades judiciárias, no objetivo de desenvolver entendimento comum acerca do processo restaurativo e de seus resultados, difundindo-os e descobrindo maneiras de incorporar a abordagem restaurativa a todas as práticas da Justiça Criminal.

Por outro lado, os Estados ue fazem parte da Organização devem promover pesquisa e avaliação dos programas, para aquilatar a extensão dos resultados e se os programas representam real alternativa no contexto do processo penal e se propiciam benefícios para todas as partes envolvidas, incluindo o sistema de justiça. 7 wv”. restorativejustice. org (fevereiro de 2001) 220 pedro Scuro Neto Resultado restaurativo Acordo obtido como resultado do processo restaurativo (restituição, serviço à comunidade, ação para reparar o dano e reintegrar vítima/ infrator). O acordo deve ser obtido de modo voluntário pelas partes e conter obrigações azoáveis e eqüitativas. Processo restaurativo Atores envolvidos (vítima, infrator, comunidade) participam ativamente na resolução do problema/conflito criado pelo incidente. Exemplos de processo restaurativo: mediação, câmaras restaurativas.

Na impossibilidade de aplicar e obter processos/resultados restaurativos as autoridades devem fazer de tudo para estimular o infrator a assumir responsabilidade em relação à vítima e comunidades afetadas, reinte rando vítima e infrator no seio da comunidade. Partes Víti PAGF 7 comunidades afetadas, reintegrando vítima e infrator no seio da comunidade. Partes Vitima, infrator, estranhos ou membros da comunidade atingidos por um incidente e envolvidos no processo restaurativo. A condição básica de participação é o conhecmento dos elementos fundamentais do caso. Participação no processo não deve servir como admissão de culpa no processo legal; disparidades óbvias em termos de idade, maturidade e capacidade intelectual dos participantes devem ser levadas também em consideração.

Condições de implementação Devem ser estabelecidos, inclusive por via legislativa, padrões e diretrizes legais para a implementação dos programas restaurativos, em como para qualificação, treinamento, avaliação e credenciamento de mediadores, administração dos programas, níveis de competência e padrões éticos, salvaguardas e garantias individuais. Obrigações assumidas na base de acordos obtidos por meio de programas restaurativos devem ter força de decisão judicial e abreviar a 221 ação legal em relação aos mesmos fatos. Do mesmo modo, quando não houver acordo entre as partes, o procedimento judicial convencional deverá ser retomado sem demora. Falta ou incapacidade de cumprir os termos do acordo não deve ser usado como justificativa para penas mais severas. Mediadores Devem onhecer os hábitos e os princípios éticos das comunidades envolvidas, ter discernimento e capacidades interpessoais para conduzir o processo restaurativo.

Devem providenciar ambiente seguro e apropriado para a realização do processo restaurativo, cumprir sua missão de forma imparcial, com base nos fatos e tendo em vista as necessidades e desej de forma imparcial, com base nos fatos e tendo em vista as necessidades e desejos das partes. Devem respeitar a dignidade dos participantes e garantir o respeito mutuo das partes. Os medladores recebem treinamento adequado antes de assumir suas responsabilidades e, mesmo depois de credenciados or entidade reconhecida, devem continuar se aprimorando durante todo o tempo que exercem a função. O objetivo do treinamento é desenvolver capacidades de resolução de conflitos, habilidade de considerar pontos de vista em conflito, em particular de vítimas e infratores, propiciar conhecimentos básicos acerca do sistema de justiça, processo legal e do próprio processo restaurativo.

A Justiça Restaurativa introduz uma nova forma de encarar conflitos, violência e criminalidade, não como desgraças, mas como oportunidades de mudanças positivas em beneficio de todos. A JR é um modo de transformação que equer mecanismos de reparação de danos e reconstrução de relações humanas. Esse mecanismos são próprios para lidar, ao mesmo tempo, com as regras impessoais do sistema legal e os sentimentos elementares que afloram na interação dos indivíduos, nos quais se baseiam as percepções do senso comum acerca de justiça. O pressuposto da Justiça Restaurativa é que é preciso entender os componentes emocionais do conflito e a dinâmica da sua transformação.

Esse entendimento envolve estudo interdisciplinar e múltiplas intervenções, cuja forma mais acabada são as câmaras restaurativas, um componente ntroduzido inicialmente em programas coordenados pela 222 policia de Canberra, capital da Austrália, como alternatlva ao processo judicial em casos de infrações de tr Canberra, capital da Austrália, como alternativa ao processo judicial em casos de infrações de trânsito sob influência de álcool, ou de violência e crimes contra o patrimônio perpetrados por adolescentes, depois aplicado em vários contextos (escolas, famílias, empresas) em diversas partes do mundo, inclusive no Brasi18.

CÂMARAS RESTAURATIVAS: A EMOÇÃO DA JUSTIÇA Anderson nao é uma pessoa, mas um composto de casos envolvendo jovens infratores. Um dia desses foi preso por assalto a mão armada. Uma pessoa apareceu enquanto ele estava em regime de detenção e lhe perguntou se recebia visita dos pais. Disse que não e nem queria saber deles. Avós? Tinha, mas parece que haviam morrido. Irmãos ou irmãs? Não gostava de nenhum deles, a não ser da Irmã mais velha, que sempre lhe tratou bem. Ela um dia, porém, se casou, foi embora e nunca mais deu noticia. Tios? Tirando um, que lhe dava alguma atenção, o resto jamais ligou para ele. Professores? Sempre acharam que ele era coisa ruim. Não dá para lembrar de pelo menos um que tratava você melhor? Tinha um, o professor de Educação Física. Esse professor, a irmã mais velha e o tio foram localizados e convidados a participar de uma reunião. Para a mesma ocasião foram chamadas a vítima de Anderson, uma senhora, e, para lhe dar apoio, uma de suas filhas. Todos se sentaram numa sala, cadeiras dispostas em círculo. O mediador, a pessoa que havia feito todas aquelas perguntas a Anderson, tinha preparado a reunião. Ele mesmo fez as apresentações e pediu que o próprio Anderson fosse o primeiro a falar e explicasse tudo o que aconteceu. Meio sem jeito Anderson disse que roubara porque estava precisando de dinheiro. Viu uma mulher a

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