A problemática da narrativa de joão do rio: crônica ou reportagem?
XI Congresso Internacional da ABRALIC Tessituras, Interações, Convergências 13 a 17 de julho de 2008 USP – São Paulo, Brasil A problemática da narrativa de João do Rio: Crônica ou reportagem? Mestranda Patrícia de Castro Sousal (UFSM) Resumo: O trabalho tem por objetivo a análise dos textos de João do Rio publicados em perió livro A alma Encanta discurso jornalístico do jornalismo por ele jornalistico ao passo ar 22 text XX e compilados no a, figuram traços do utor.
Os elementos inovador no âmbito e consolidariam na reportagem de décadas adiante. Assim, a problemática inerente o estilo do autor será o objeto do trabalho, já que crônlca e reportagem, jornalismo e literatura, imiscuem-se nos textos deste escritor. Palavras-chave: Literatura, Jornalismo, Ficção, História Introdução Tânia Carvalhal constata: (… ) A literatura comparada é uma prática intelectual que, sem deixar de ter no literário o seu objeto, confronta-o com outras formas de expressão cultural. ?, portanto, um procedimento, uma maneira especifica de interrogar os textos literários não como sistemas fechados em si mesmos, mas em sua interação com sua atuação como repórter, com o intuito de demonstrar a mportância e o enriquecimento que essas duas éreas do conhecimento conferem ao estudo da obra deste autor. Se fechado numa aborgadem imanentista, o trabalho resultaria superficial, haja vista as inúmeras relações . com o literário) que podem ser feitas a partir das considerações expostas a seguir e, principalmente, a contribuição dessa abolição de fronteiras no que concerne ao entendimento da obra de João do Rio.
A passagem pelo contexto histórico da época em que enuncia – o período compreendido entre 1900-1920 – torna-se fundamental, pois João do Rio tenta compor em seus textos uma espécie de etrato desta época conhecida como a Belle Époque carioca. Nesse aspecto, suas narrativas levantam ainda a problemática do caráter documental do texto literário pelo fato de descreverem o cenário e os costumes das duas primeiras décadas do século XX. Para Brito Broca, por exemplo, João do Rio seria, acima de tudo, “o repórter, o cronista que se tornou verdadeiro historiador de uma época” (BROCA, 1975, p. 49). E o próprio escritor almejava que seus textos servissem de documento histórico para a posteridade. O trabalho será restrito à análise das narrativas publicadas por João do Rio no jornal A Gazeta de Notícas e na Revista Kosmos – mais tarde, em 1 908, organizadas no Ilvro A alma Encantadora das Ruas – e usualmente nomeadas crônicas. Em alguns textos teóricos sobre o escritor, percebe-se a ampla utilização dos termos crônica, reportagem, artigo, em relação a sua produção.
Para alguns, crônica ou artigo. Para outros, reportagem. E, em alguns textos, são inclusiv PAGF produção. Para alguns, crônica ou artigo. Para outros, reportagem. E, em alguns textos, são inclusive empregados como sinônimos. É notório, entretanto, a relevância do discurso jornalístico nos textos literários do autor, o qual posslbillta a lassificação dos escritos aqui estudados enquanto crônicas- reportagem, seguindo a definição de Luís Martins (In: Rio, João do, 1976, p. ). Nao há como negar que o rumo tomado pelo jornalismo a partir de Paulo Barretol sofreu uma considerável mudança. 1 0 Rio não civilizado: o referente de João do Rio (A Alma Encantadora das Ruas) O Rio de Janeiro na passagem para o regime republicano e com vistas ao modelo europeu, particularmente francês, de comportamento e planejamento urbano, refletem-se no conteúdo d’A Alma Encantadora das Ruas (1908), de João do Rio.
Mais especificamente, o autor retrata a situação daqueles ituados à margem do Centro imponente do então Distrito Federal, vítimas do processo de reajustamento social decorrente do advento da ordem republicana. Antônio Cândido observa, por exemplo, que quando João do Rio, o dândi de polainas, chapéu de côco e monóculo, chega e verifica as condições de trabalho dos operarios o olhar ameno se turva e o monóculo artificial chega a soltar chispas de indlgnação clarividente.
Naquela série d’A alma encantadora das ruas o artigo ‘Os trabalhadores de estiva’ denota quase uma tomada de posição, quando louva a organização sindical e a defende das censuras de subversão (CÂNDIDO, 1980, ouva a organização sindical e a defende das censuras de subvers¿o (CÂNDIDO, 1980, p. go) Segundo Sevcenko (1995), o progresso tornou-se uma obsessão da nova burguesia, pois a imagem de nação desenvolvida suscitaria credibilidade e investimentos estrangeiros.
O progresso, por sua vez, significava alinhar-se aos padrões de Paris em todos os sentidos. Além de extinguir os focos de oposição ao governo (monarquistas e jacobinos, por exemplo) que geravam crises políticas e despesas públicas, era preciso findar com a imagem da cidade insalubre e insegura, com uma enorme população de gente rude plantada bem no seu âmago, ivendo no maior desconforto, imundície e promiscuidade e pronta para armar em barricadas as vielas estreitas do centro ao som do primeiro grito de motim (SEVCENKO, 1995, p. 9) O processo de Regeneração do Centro do Rio de Janeiro tem como marco inaugural a criação da Avenida Central e a promulgação da lei da vacina obrigatória liderada por Osvaldo Cruz em 1904. Os casarões em estilo colonial que integravam a paisagem carioca e remontavam à tradição imperial, foram demolidos; as ruelas tortuosas, substituídas por avenidas largas, praças e jardins adornados com palácios de mármore, cristal e estátuas importadas da Europa. O mármore dos novos palacetes representava simultaneamente uma lápide dos velhos tempos e uma placa votiva ao futuro da nova civilização” (SEVCENKO, 1995, p. 1). A ampla Avenida Central rasgou a cidade, demolindo o velho concreto, junto com os velhos costumes e a velha cultura: O alvião da Prefeitura caiu implacável sobre dezenas, centenas de prédios. A 7 de setembro de 1904 alvião da Prefeitura caiu implacável sobre dezenas, centenas de prédios. A 7 de setembro de 1904, o Presidente da República e outras autoridades, num bonde sobre trilhos improvisados, já podam percorrer a Avenida Central de ponta a ponta. O plano de rbanização prosseguia triunfante, desconcertando os céticos, os pessimistas que tinham julgado impossível o plano da empresa.
E a transformação da paisagem urbana se ia refletindo na paisagem social e igualmente no quadro de nossa vida literária (BROCA, 1975, p. 3) João do Rio é o pseudônimo utillzado pelo escritor. Seu nome é João Paulo Alberto Coelho Barreto ou, simplesmente, Paulo Barreto, como, algumas vezes, costumava assinar seus textos. 13 a 17 de julho de 2008 USP – sao Paulo, Brasil A demolição desenfreada que caracterizou este processo de mudança da paisagem urbana carioca ficou conhecido como “Bota Abaixo”. ra Brito Broca, o prefeito Pereira passos pode ser considerado o Barão Haussmann2 do Rio de Janeiro, já que foi responsavel pela modernização da velha cidade colonial. Mas há uma diferença entre Hausmann e Passos assinalada por Broca: Hausmann remodelou Paris, tendo em vista objetivos político- militares, dando aos bulevares um traçado estratégico, a fim de evitar as barricadas das revoluções liberais de 1830 e 48, enquanto o plano de pereira passos se orientava pelos fins exclusivamente progressistas de emprestar ao Rio uma fisionomia parisiense, um aspecto de cidade européia (BROCA 1975, p. ). No entanto, o processo d PAGF s OF propiciou a consoli de cidade européia (BROCA, 1975, p. 3). No entanto, o processo de Regeneração propiciou a consolidação de um ambiente avesso em seu entorno. E é justamente o lado miserável do Rio de Janeiro da Belle Époque que João do Rio busca descrever em A Alma Encantadora das Ruas. A abolição da escravatura e a crise da economia cafeeira aliadas à idéia de progresso e riqueza instauradas com a República, estimularam uma intensa imigração para a então Capital Federal.
Segundo Sevcenko (2005), a última década do século XIX apresentou um ritmo de crescimento populacional de 3% ao ano, o que ignifica um salto de 522. 651 para 691. 565 habitantes. O índice manteve-se nos dois primeiros decênios do século XX e o então Distrito Federal atingiu, em 1920, a marca de 1 . 157. 873 habitantes. “Números fenomenais, é certo, mas que ocultavam uma situaçao trágica no seu interior (SEVCENKO, 1995, p. 52).
A crise habitacional – incitada pelo desemprego crônico (o mercado não conseguia assimilar tamanha demanda), pelos baixos salários, os altos aluguéis e pelas demolições iniciadas em 1892 para a reforma do porto, culminando na febre demolitória que caracterizou o processo de Regeneração – introduz as ospedarias e casas de cômodos no cenário urbano, lugares denominados “infernais pandemônios”, onde predominavam, segundo Alcindo Guanabara, “uma revoltante promiscuidade, dormindo freqüentemente em um só leito ou em uma só esteira toda uma família” (apud: SEVCENKO, Nicolau, 1995, p. S6).
Esses abrigos eram mais uma opção para a população pobre, que também ocupava os subúrbios da cidade, incluindo-se aí os funcionários públicos de categoria su que também ocupava os subúrbios da cidade, incluindo-se aí os funcionários públicos de categoria subalterna. A grande maioria da população estava, portanto, condenada a uma vida ifícil. Eram altos os Índices de mendicância, desemprego e criminalidade. João do Rio, em A Alma Encantadora das Ruas, reserva um capítulo intitulado Três Aspectos da Miséria para descrever a situação que assola o Rio de Janeiro em contraste com a imponente área central.
Um dos textos trata das mulheres mendigas. O tom não é de compadecimento, pois ele adentra no meio à cata de informações, como de costume, e revela o caráter golpista destas mulheres que alugam crianças, fingem doenças, inventam histórias para conseguir dinheiro: “É preciso estudar a sociedade complicada e diversa dos que pedem esmola, adlvinhar té onde vai a verdade e até onde chega a malandrice, para compreender como a policia descura o agasalho da invalidez e a toleima incauta dos que dão esmolas” (RIO, João do, 2007, p. 162).
No primeiro capítulo da Alma Encantadora das Ruas- “O que se vê nas Ruas” -João do Rio retrata as profissóes de miséria que brotam na cidade em face do desemprego crônico: tatuadores, caçadores de gatos vendidos aos restaurantes e servidos como coelhos, os compradores de ratos que eram vendidos para a Diretoria de Saúde, os vendedores de orações, de coroas fúnebres em troca do arranjo funerário etc. Em relação a esses ubempregos descritos por João do Rio, Sevcenko (1995) afirma que existia uma aceitação oficial dos mesmos, não havendo perseguições das autoridades aos que os exerciam. Parecia haver uma aceitação tácita da sua utilidade e PAGF 7 das autoridades aos que os exerciam. “Parecia haver uma aceitação tácita da sua utilidade e mesmo necessidade com relação a setores 2 O Barão Georges-Eugêne Haussmann (1809-1891 conhecido como Barão Haussmann, foi prefeito de Paris entre 1853 e 1870 nomeado durante o governo do imperador Napoleão III, tendo sido incubido da remodelação e modernização da capital francesa. iversos do comércio e da indústria locais” (SEVCENKO, 1 995, p. 0). João do Rio assevera: “A polícia não os prende, e, na boemia das ruas, os desgraçados são ainda explorados pelos adelos pelos ferro-velhos, pelos proprietários das fábricas” (RIO, João do, 2007, p. 39). Os mendigos não tinham a mesma “sorte” e eram retirados da região central da cldade, atltude esta endossada e cobrada pela imprensa da época, que promovia a mesma campanha persecutória às prostitutas, criminosos e bêbados que perambulavam pelas ruas.
As recriminações por parte da imprensa e autoridades tinham por objetivo a conseqüente xpulsão da camada mais pobre do seio da cidade, além da eliminação de qualquer traço popular, isolando a porção em torno da Avenida Central para os considerados elegantes ou chiques, modelando, por esse protótipo elitizado, tudo que ali circulasse ou se instalasse.
O repúdio de um cronista da Fon Fon ilustra esta questão e demonstra uma diferença visível no tratamento do discurso que é estritamente opinativo e impregnado de juízo de valor, se comparado com os textos de João do Rio: A população do Rio que, PAGF 8 OF impregnado de juízo de valor, se comparado com os textos de João do Rio:
A população do Rio que, na sua quase unanimidade, felizmente ama o asseio e a compostura, espera ansiosa pela terminação desse hábito selvagem e abjeto que nos impunham as sovaqueiras suadas e apenas defendidas por uma simples camisa de meia rota e enojante de suja, pelo nariz do próximo e do vexame de uma súcia de cafajestes em pés no chão (sob o pretexto hipócrita de pobreza quando o calçado está hoje a 5$ o par e há tamancos por todos os preços) pelas ruas mais centrais e limpas da grande cidade…
Na Europa ninguém, absolutamente ninguém, tem a insolência e o despudor de vir para as ruas e paris, Berlim, de Roma, de Lisboa, etc. , em pés no chão e desavergonhadamente em mangas de camisa (apud: SEVCENKO, 1995, p. 34) Entretanto, a população não aceitava passivamente as condições que lhes estava sendo impostas. Motins e protestos foram realizados. Entretanto as autoridades perseguiam e prendiam de modo aleatório os que julgavam culpados.
Qualquer pessoa sem emprego, maltrapilha ou sem residência fixa era detida, torturada e presa, alguns deportados para o Acre. Nicolau Sevcenko comenta que as agressões ressentiram a alma popular, “difundindo um sentimento agudo de abandono, desprezo e erseguição das autoridades oficiais para com a população humilde e em particular para com os brasileiros natos – presença mais marcante e vítimas principais do combate ao motim”. (SEVCENKO, 1995, p. 67).
Esse espírito ofendido e amargurado é representado por João do Rio no corpo de um dos textos (“Versos de Presos”) que integram A Alma Encantadora das R por João do Rio no corpo de um dos textos (“Versos de Presos”) que integram A Alma Encantadora das Ruas. O ressentimento em relação à pátria é evidente nas trovas de um dos presidiários que entrevistou: Sou um triste brasileiro vítima de perseguição sou preso sou ondenado por ser filho da nação (Rio, João do, 2007, p. 95) 2 0 narrador-flanêur, a busca da informação e o avesso da cidade A palavra (flâneur), de origem francesa, significa aquele que passa o tempo passeando pelas ruas e praças. É o contexto de urbanização que possibilita a aparição do tipo flâneur, “ser necessariamente urbano, gerado, portanto, pela cidade” (PASSOS, 2001, p. 80). Com a transformação do Rio de Janeiro, Marta Passos conclui que “é neste novo ambiente, nesta cidade remodelada, que se pode observar a figura do flâneur na obra de João de Rio. Se Paris criou o flâneur, o Rio o importou” (PASSOS, 2001, p. 2).
João do Rio, o homem da multidão, de que falava Baudelaire, perambulava despreocupado observando características e comportamentos de um Rio subterrâneo. No primeiro texto da Alma Encantadora das Ruas (“A Rua”) e que compõe o primeiro capítulo do livro, o próprio narrador intitula-se flâneur e oferece a sua definição do verbo flanar: “Flanar é ser vagabundo e refletir, é ser basbaque e comentar, ter o v(rus da observação ligado ao da vadiagem. Flanar é Ir por aí… ” (RIO, João do, 2007, p. 1 9). Flanar seria então a condição básica para que João do Rio buscasse a informação na rua, principal inov