O discurso

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4 DISCURSO, ENUNCIADO, TEXTO 1. A noção de discurso Desde o início deste livro estamos tratando não da linguagem nem da língua, mas sim do que chamamos discurso. O que se entende por isso? Os empregos usuais No uso comum, chamamos de “discurso” os enunciados solenes (“o presidente fez um discurso”), ou, pejorativamente, as falas inconsequentes (“tudo isso é só discurso”).

O termo pode igualmente designar qualquer uso restrito da língua: “o discurso islâmico”, “o discurso político”, “o discurso administrativo”, “o discurso polémico”, ‘ “discurso” é constant o sistema que permi o próprio conjunto d ? tanto o conjunto d to view tc. Nesse emprego, ode designar tanto de textos, quanto iscurso comunista” omunistas, quanto o sistema que permite produzir esses textos e outros ainda, igualmente qualificados como textos comunistas.

Um certo número de locutores conhece também uma distinção que vem da linguística: a distinção entre “discurso” e “narrativa” (ou “história”). Essa distinção estabelecida por Émile Benveniste é, com 52 ANALISE DE TEXTOS DE COMUNICAÇÃO efeito, amplamente explorada no ensino médio. * Ela opõe um tipo de enunciação ancorado na situação de enunciação (por Nas ciências da linguagem Atualmente vemos proliferar o termo “discurso” nas ciências da linguagem. Emprega-se tanto no singular (“o domínio do discurso”, “a anállse do discurso” etc. quanto no plural (“os discursos se inscrevem em contextos” etc. ), conforme ele se refira à atividade verbal em geral ou a cada evento de fala. A noção de “discurso” é muito utilizada por ser o sintoma de uma modificação em nossa maneira de conceber a linguagem. Em grande parte, essa modificação resulta da influência de diversas correntes das ciências humanas reunidas frequentemente sob a etiqueta da pragmática. Mais que uma doutrina, a pragmática onstitui, com efeito, uma certa maneira de apreender a comunicação verbal.

Ao utllizar o termo “discurso”, é a esse modo de apreensão que se remete implicitamente. Vejamos algumas de suas características essenciais: O discurso é uma organização situada para além da frase Isto não quer dizer que todo discurso se manifeste por sequências de palavras de dimensões obrigatoriamente superiores à frase, mas sim que ele mobiliza estruturas de uma outra ordem que as da frase. Um provérbio ou uma interdição como “Proibido fumar” são discursos, formam uma unidade completa, mesmo sendo constituidos por uma única frase.

Os discursos, enquanto unidades transfrásticas, estão submetidos a regras de organização vigentes em um grupo social determinado: regras que governam uma narrativa, um diálogo, uma argumentação; regras relativas ao plano de texto (umfait divers não pode ser dividido como uma dissertação ou como um manual de instruções); regras sobre a ext 10 manual de instruções); regras sobre a extensão do enunciado O dlscurso é orientado O discurso é “orientado” não somente porque é concebido em função de uma perspectiva assumida pelo mas também por- A observação feita pelo autor diz respeito à realidade do ensino édio na França. N. T. ) * No original, “une visée du locuteur” que se desenvolve no tempo, de maneira linear. O discurso se constrói, com efeito, em função de uma finalidade, devendo, supostamentc, dirigir-se para algum lugar. Mas ele pode se desviar em seu curso (digressões… ) retomar sua direção inicial, mudar de direção etc. Sua linearidade manifesta-se frequentemente por um jogo de antecipações (“veremos que “voltaremos ao assunto… “) ou de retomadas (“ou melhor… , “eu deveria ter dito… “); tudo isso constitui um verdadeiro “monitoramento” da fala pelo locutor. Deve-se notar que os omentários do locutor sobre sua própria fala perpassam pelo fio do texto, embora não se situem no mesmo nível: “Paulo encontra-se, se assim podemos dizer, na miséria”, “Rosália (que nome! } ama Alfredo” Aqui, os fragmentos em itálico incidem sobre um elemento adjacente, conquanto apareçam inseridos na frase.

O referido desenvolvimento linear do texto se processa em condições diferentes, caso o enunciado seja proferido por um só enunciador que o controla do início ao fim (enunciado monologai, por exemplo, num livro), ou se inscreva em uma interação na qual possa ser interrompido ou deswado a qualquer momento pelo interloc ma interação na qual possa ser interrompido ou desviado a qualquer momento pelo interlocutor (enunciado dialogai). Nas situações de interação oral, ocorre constantemente de as palavras “escaparem”, de ser necessário recuperá-las ou torná-las mais precisas etc. em função das reações do outro. O discurso é uma forma de açãg Falar é uma forma de ação sobre o outro e não apenas uma representação do mundo. A problemática dos “atos de linguagem” (ou “atos de fala”, ou ainda “atos de discurso”), desenvolvida a partir dos anos sessenta por filósofos como J. L. Austin (Quando dizer é fazer, 1962) e J. R. Searle (Os atos de inguagem, 1969), mostrou que toda enunciação constitui um ato (prometer, sugerir, afirmar, interrogar etc. ) que visa modificar uma situação.

Em um nível superior, esses atos elementares se integram em discursos de um género determinado (um panfleto, uma consulta médica, um telejornal etc. ) que visam produzir uma modificação nos destinatários. De maneira mais ampla ainda, a própria atividade verbal encontra-se relacionada com atividades não verbais. O discurso é interativo A atividade verbal é, na realidade, uma inter-atividade entre dois parceiros, cuja marca nos enunciados encontra-se no blnómio EU-VOCE da troca verbal.

A manifestação mais evidente da interatividade í« ANALISE DE TEXTOS 01 COMUNICAÇÃO é a interação oral, a conversação, em que os dois locutores coordenam suas enunciações, enunciam em função da atitude do outro e percebem imediatamente o efeito de suas palavras sobre o outro. Mas, ao lado das conversações, existem inúmeras formas efeito de suas palavras sobre o outro. de oralidade que não parecem ser muito “interativas”; tal é o caso, por exemplo, de um conferencista, de um locutor de rádio etc.

No caso ainda mais evidente da escrita, em que o destinatário nem mesmo está presente, podemos ainda falar e interatividade? Para alguns, a maneira mais simples de manter o princípio segundo o qual o discurso é essencialmente interativo seria considerar que a troca oral constitui o emprego “autêntico” da linguagem e que as outras formas de enunciação são usos, de certo modo, degradados da fala. Parece-nos, no entanto, preferível não confundir a “interatividade” fundamental do discurso com a interação oral.

Toda enunciação, mesmo produzida sem a presença de um destinatário, é, de fato, marcada por uma interatividade constitutiva (fala-se também de dialogismo), é uma troca, explícita ou implícita, com outros nunciadores, virtuais ou reais, e supõe sempre a presença de uma outra instância de enunciação à qual se dirige o enunciador e com relação à qual constrói seu próprio discurso. Nessa perspectiva, a conversação não é considerada como o discurso por excelência, mas somente como uma das formas de manifestação — mesmo sendo, Inquestionavelmente, a mais importante — da interatividade essencial do discurso.

Se admitimos que o discurso é interativo, que ele mobiliza dois parceiros, torna-se difícil nomear “destinatário” o interlocutor, pois, assim, a impressão é a de que a enunciação caminha em entido único, que ela é apenas a expressão do pensament impressão é a de que a enunciação caminha em sentido único, que ela é apenas a expressão do pensamento de um locutor que se dirige a um destinatário passivo. Por isso, acompanhando o linguista Antoine Culioll, não falaremos mais de “destinatário”, mas de co-enunciador. Empregado no plural e sem hífen, coenunciadores designará os dois parceiros do discurso.

O discurso é contextualizado Não diremos que o discurso intervém em um contexto, como se o contexto fosse somente uma moldura, um cenário; na realidade, não existe discurso senão contextualizado. Sabemos (ver capítulo 1) que não se pode verdadeiramente atribuir um sentido a um enunciado fora de contexto; o “mesmo” enunciado em d01S lugares distintos corresponde a d01S discursos distintos. Além disso, o discurso contri- D18CUR80, ENUNCIADO, TtXTO bui para definir seu contexto, podendo modificá-lo no curso da enunciação.

Por exemplo, dois coenunciadores podem conversar de igual para igual, de amigo para amigo e, após terem conversado durante alguns minutos, estabelecer entre si novas relações (um dos dois pode adotar o estatuto de médico, o outro, de paciente etc. ). O discurso é assumido por um sujeito O discurso só é discurso enquanto remete a um sujeito, um EU, que se coloca como fonte de referências pessoais, temporais, espaciais (ver capítulo 9) e, ao mesmo tempo, indica que atitude está tomando em relação àquilo que diz e em relação a seu co-enunciador (fenómeno de “modalização”).

Ele indica, em particular, quem é o responsável pelo que está dizendo. um enunciado simples como “Está chovendo” PAGF 10 é o responsável pelo que está dizendo: um enunciado simples como “Está chovendo” é colocado como verdadeiro pelo enunciador, que se apresenta como responsável pelo enunciado, omo o fiador de sua veracidade. Mas esse enunciador poderia ter modalizado seu grau de adesão (“Talvez esteja chovendo”), atribuído a responsabilidade do enunciado a outra pessoa (“De acordo com Paulo, está chovendo”) ou comentado sua própria fala (“Falando francamente, está chovendo”) etc.

Ele poderia até mostrar ao co-enunciador estar apenas fingindo assumi-lo (caso das enunciações ironicas). O discurso é regido for normas Como vimos ao tratar das “Ids do discurso”, a atividade verbal se inscreve na vasta instltuição da fala e, como todo comportamento, é regida por normas. Cada ato de linguagem mplica normas particulares. um ato tão simples em aparência como a pergunta, por exemplo, implica que o locutor ignore a resposta, que essa resposta apresente algum interesse para ele, que ele acredite que seu co-enunciador tem condições de responder-lhe…

Mais fundamentalmente, nenhum ato de enunciação pode efetuar-se sem justificar, de uma maneira ou de outra, seu direito a apresentar-se da forma como se apresenta. Um trabalho de legitimação inseparável do exercício da palavra. O discurso é considerado no bojo de um interdiscurso O discurso só adquire sentido no interior de um universo de utros discursos, lugar no qual ele deve traçar seu caminho. Para interpretar qualquer enunciado, é necessaria relacioná- lo a muitos outros — outros enunciados que são comentados, parodiados, citados etc.

Cada géne relacioná-lo a muitos outros — outros enunciados que são comentados, parodiados, citados etc. Cada género de discurso tem sua maneira de tratar a multiplicidade 56ANALlSE DE TEXTOS DE COMUNICAÇÃO : um manual de filosofia não cita da mes ma maneira, nem cita as mesmas fontes que um promotor de venda promocional… O simples fato de classificar um discurso dentro de género (a conferência, o telejornal etc. implica relacioná-lo ao con junto ilimitado dos demais discursos do mesmo género. 2.

Enunciado e texto para fazer referência às produções verbais, os linguistas não dispõem somente do termo “discurso”: recorrem também a enunciado e texto, termos que recebem definições diversas. Atribuem-se, com efeito, a “enunciado” diferentes valores, segundo as oposições que se estabelecem: • enunciado se opõe a enunciação da mesma forma que o produto se opõe ao ato de produzir; nesta perspectiva, o enunciado é a marca verbal do acontecimento que é a enunciação. Aqui, a extensão do enunciado não tem nenhuma mportância: pode-se tratar de algumas palavras ou de um livro inteiro.

Essa definição do enunciado é aceita universalmente; • alguns linguistas definem o enunciado como uma unidade elementar da comunicação verbal, uma sequência dotada de sentido e sin-taticamente completa. Por exemplo, “Léon está doente”, “0h! “, “Que garota! “, “Paulo! “, são enunciados de tipos distintos; • outros opõem a frase, considerada fora de qualquer contexto, à diversidade de enunciados que lhe correspondem, segundo a variedade de contextos em que essa frase pode figurar. Assim lhe correspondem, segundo a variedade de contextos em que ssa frase pode figurar.

Assim, em nosso exemplo do capítulo , “Não fumar” é uma “frase” se a considerarmos fora de qualquer contexto particular, mas é um “enunciado” quando inscrito num dado contexto: escrito em letras maiúsculas vermelhas, em determinado lugar da sala de espera de um hospital, trata-se de um “enunciado”; escrito sobre a pintura no muro de uma casa, constitui um outro “enunciado”, e assim por diante; • emprega-se também “enunciado” para designar uma sequência verbal que forma uma unidade de comunicação completa no Âmbito de um determinado género de discurso: um boletim eteorológico, um romance, um artigo de jornal etc. são, desse modo, enunciados. Há enunciados muito curtos (grafltes, provérbios etc. ), outros muito longos (uma tragédia, uma conferência etc. ). um enunciado se prende ? 87 orientação comunicativa de seu género de discurso (um telejornal visa informar sobre a atualidade, um anúncio comercial visa persuadlr um consumidor etc. ). Nessa acepção, “enunciado” possui, portanto, um valor quase equivalente ao de “texto”; • “texto” emprega-se igualmente com um valor mais preciso, quando se trata de apreender o enunciado como um todo, como constituindo uma totalidade coerente.

O ramo da linguística que estuda essa coerência chama-se precisamente “linguística textual”. Com efeito, tende-se a falar de “texto” quando se trata de produções verbais orais ou escritas, estruturadas de forma a perdurarem, a se repetirem, a circularem longe de seu contexto Ongi escritas, estruturadas de forma a perdurarem, a se repetirem, a circularem longe de seu contexto original. E por isso que, no uso corrente, fala-se, de preferência, de “textos literários”, “textos jurídicos”, evitando-se chamar de “texto’ uma conversa.

Um texto não é necessariamente produzido por um só locutor. Em um debate ou uma conversa, ele se apresenta como sendo atribuído a vários locutores. Os locutores podem também ser hierarquizados, no caso do “discurso relatado”, ou seja, quando um locutor inclui em sua fala as palavras de um outro locutor (ver capítulo 12). Essa diversidade de vozes já é uma primeira forma de heterogeneidade dos textos.

Outra forma de heterogeneidade: a associação, no mesmo texto, de signos linguísticos e signos icônicos (fotos, desenhos etc. ). Além disso, a diversificação das técnicas de gravação e de reprodução da imagem e do som vem modificando consideravelmente a epresentação tradicional do texto: este não se apresenta mais unicamente como um conjunto de signos sobre uma página, mas pode ser um filme, uma gravação em fita cassete, um programa em disquete, uma mistura de signos verbais, musicais e de imagens em um CD-ROM…

Neste livro, utilizaremos mais frequentemente “enunciado” com o valor de frase inscrita em um contexto particular, e falaremos preferencialmente de “texto” quando se tratar de unidades verbais pertencentes a um género de discurso. Mas quando tal distinção nao tiver importância, utilizaremos indiferentemente os dois termos.

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