O sentido da vida – valor objetivo e subjetivo

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Sísifo e o sentido da vida Desidério Murcho King’s College London “O mais desejável é v uma vida que parece Susan Wolf bje do e não tido. ” Albert Camus inicia o seu famoso livro sobre o mito de S[sifo declarando que só há um problema filosófico verdadeiramente importante: o suic(dio. A ideia é que é urgente descobrir se a vida faz ou não sentido — pois se não fizer, resta-nos o suicídio. Multas pessoas que desconhecem a filosofia pensam que descobrir o sentido da vida é a tarefa fundamental, senão a única, da filosofia.

Contudo, isto é um exagero dramático, semelhante o erro de pensar que a filosofia tem por objecto de estudo posição não religiosa. E optimista porque se defende que é possivel viver uma vida com sentido. Ao objectivismo quanto ao sentido opõe-se o subjectivismo: a ideia de que o sentido da vida depende exclusivamente da satisfação que a pessoa sente. Assim, deste ponto de vista, uma pessoa permanentemente drogada, por exemplo, tem uma vida com sentido desde que se sinta feliz.

O subjectivismo foi muito popular na fase positivista da filosofia contemporânea — a mesma fase que viu os filósofos a defender o subjectivismo em ?tica — mas foi hoje quase totalmente abandonado. Uma das motivações para o subjectivismo optimista é a ideia de que, de um ponto de vista mais alargado, a nossa vida não faz realmente sentido. Assim, os optimistas quanto ao sentido subjectivo da vida são geralmente pessimistas quanto ao sentido objectivo (mas podem igualmente defender que o sentido objectivo não é sequer inteligível).

Contudo, na história da filosofia também encontramos pessimistas quanto ao sentido subjectivo da vida, como Schopenhauer: Que a Vlda humana tem de ser um tipo qualquer de erro é suficiente demonstrar pela simples observação seguinte: homem é um composto de necessidades que são difíceis de satisfazer; a sua satisfação nada alcança a não ser uma condição dolorosa na qual o homem sucumbe ao tédio; e o tédio é uma demonstração directa de que a existência não tem em si qualquer valor, pois o tédio não é senão a sensação de que a existência é vazia.

Pois se a vida, que a nossa essência e existência deseja PAGF 33 sensação de que a existência é vazia. Pois se a vida, que a nossa essência e existência deseja, tivesse em si um valor positivo e um conteúdo real, o tédio seria coisa que não existiria: a mera xistência seria suficiente para nos realizar e satisfazer.

Tal como as coisas são, não temos qualquer prazer na existência excepto quando lutamos por algo — caso em que a distância e as dificuldades fazem o nosso objectivo parecer algo que nos satisfaria (uma ilusão que desaparece quando o alcançamos) — ou quando nos entregamos à actividade puramente intelectual, caso em que estamos na realidade a sair da vida como que para a olharmos a partir do exterior, como espectadores numa peça de teatro. Mesmo o próprio prazer sensual consiste numa luta continua e cessa mal o seu objectivo foi atingido.

Sempre que não estamos envolvidos numa ou noutra destas coisas, mas antes damos atenção à própria existência somos assaltados pela sua ausência de valor e fatuidade e esta é a sensação a que se chama “tédio”. (Arthur Schopenhauer, “Da Vacuidade da Existência”, p. Conceptualmente, é poss[vel defender uma perspectiva religiosa e simultaneamente pessimista ou subjectiva quanto ao sentido da vida, mas não é muito comum: uma das motivações da visão religiosa do mundo é a ideia de que só o sobrenatural poderá dar objectivamente sentido à vida.

Há um certo antropocentrismo na formulação do problema do entido da vida, pois subentende-se que se trata da vida humana ou pelo menos, da vida de seres inteligentes e sofisticados como nós. da vida humana — ou pelo menos, da vida de seres inteligentes e sofisticados como nós. Por vezes, usa-se igualmente a expressão “sentido da existência”, conectando assim o problema do sentido da vida com o problema de saber por que razão há algo e não o nada.

A questão de saber por que razão existe o universo relaciona-se com o problema do sentido da vida humana porque se encara muitas vezes este último como uma questão de saber que lugar é ocupado pelos seres humanos na ordem geral das oisas, por assim dizer. Contudo, como veremos, é falso que o sentido da vida dependa exclusivamente do lugar que ocupamos na ordem geral das coisas. É evidente que o problema do sentido da vida não é linguistico — o termo “sentido” não corre nesta expressão na acepção em que ocorre quando perguntamos qual é o sentido ou significado de uma dada palavra.

O problema do sentido da vida é saber se a vida tem finalidade e valor. Uma actividade não tem sentido se não tiver finalidade. Se alguém caminha sem qualquer razão, essa actividade não tem sentido. Evidentemente, é raro que aconteça tal coisa. Geralmente, as pessoas caminham pelo prazer de caminhar, para ir ao cinema, para ir às compras, para visitar um amigo, para conhecer a cidade ou por outra razão qualquer. Mas têm em geral uma razão ou finalidade. Podemos distinguir dois tipos de finalidades: as instrumentais e as últimas.

Uma finalidade instrumental é apenas um meio para outra finalidade, como quando alguém caminha para ir ao cinema. Chamar “finalidade” ao que pode ser meramen 3 finalidade, como quando alguém caminha para ir ao cinema. Chamar “finalidade” ao que pode ser meramente instrumental parece um abuso de linguagem. Afinal, se a única razão pela qual camlnho é para Ir ao cinema, caminhar não é uma finalidade, de todo em todo, mas apenas um meio. Contudo, as coisas são mais complexas. ma pessoa pode caminhar para ir ao cinema e ao mesmo tempo caminhar pelo gosto de caminhar — ou, mais subtil, mas muito comum, o gosto que a pessoa tem ao caminhar resulta de saber que caminhar é um meio para ir ao cinema. Em qualquer caso, podemos distinguir as finalidades instrumentais, sejam ou não meramente instrumentais, das finalidades últimas. uma finalidade última, ao contrário da instrumental, é uma finalidade cuja razão de ser se esgota m si mesma. por exemplo, uma pessoa pode ir ao cinema exclusivamente porque gosta de cinema.

Ter uma ou várias finalidades é uma condição necessária para o sentido, mas não suficiente. O mito de Sísifo ilustra bem este aspecto. Condenado pelos deuses, Sísifo tem de empurrar uma monstruosa pedra até ao cimo de um monte. Lá chegado, a pedra escapa-lhe e rola outra vez pela encosta abaixo, o que o obriga a voltar a empurrá-la, repetindo esta ingrata tarefa para todo o sempre. A existência de Sísifo é geralmente entendida como absurda ou sem sentido. Contudo, a sua existência tem uma inalidade: carregar a monstruosa pedra até ao cimo do monte.

Pode-se argumentar que a existência de Sísifo não tem sentido porque nunca consegue atingir a sua finalidade; e é verda PAGF s 3 existência de Sísifo não tem sentido porque nunca consegue atingir a sua finalidade; e é verdade que se o sentido da vida depender exclusivamente de uma dada finalidade que não se consegue alcançar, então a vida não terá sentido. Mas o caso de Sísifo parece diferente, pois é defensável que se conseguisse alcançar a sua finalidade, a sua existência seria igualmente destituída de sentido.

Isto porque a própria finalidade a que Sísifo foi condenado é destituída de valor. O valor é uma condição necessária para o sentido — mas não é suficiente. Não é suficiente porque executar mecanicamente e sem entrega actividades que têm finalidade e valor não dá sentido a uma vida. por exemplo, vacinar dezenas de crianças por dia contra doenças mortais é uma actividade com uma finalidade que tem valor. Contudo, desempenhar tal actividade mecanicamente e sem entrega anula a possibilidade de sentido porque quebra a conexão apropriada entre o agente e a finalidade e valor da actividade.

O sentido emerge quando há uma entrega activa a finalidades exequíveis com valor. Pode-se defender que a exequibilidade das nossas finalidades não é uma condição necessária para o sentido. A forma mals plausível de o fazer é a seguinte: imagine-se alguém que dedica a vida a descobrir a cura para o cancro, mas morre sem o conseguir; mesmo que todos os outros aspectos da sua vida tenham sido destituídos de sentido, todas as actividades relacionadas com esta nobre finalidade são actividades com sentido.

Esta ideia não é convincente, pois a ser verdadeira PAGF 6 33 finalidade são actividades com sentido. Esta ideia não é onvincente, pois a ser verdadeira teríamos de dizer que a vida de alguém que não descobriu a cura do cancro apesar de o tentar e a vida de alguém que a descobriu têm o mesmo sentido. por outro lado, é óbvio que uma vida dedicada a uma finalidade absolutamente inalcançável é absurda, por mais valor que tal finalidade possa ter: por exemplo, uma vida dedicada a tentar alcançar a omnisciência é absurda porque não é possível alcançar tal coisa.

O que dá um ar de plausibilidade à ideia de que a exequibilidade das nossas finalidades não é necessária para o sentido são três pensamentos relacionados entre si. O primeiro é que uma actividade que tem por finalidade algo com valor tem mais valor do que uma actividade que tem por finalidade algo sem valor, ainda que nenhuma das actividades seja alcançada. Assim, ainda que quem procura descobrir a cura para o cancro nao o consiga, a sua vida tem mais valor do que quem procura descobrir quantos grãos de areia há na Lua.

O segundo pensamento é que é sempre melhor escolher finalidades com valor, ainda que não tenhamos garantias de as alcançar. Quem declara que não vale a pena darmo-nos ao incómodo de tentar descobrir a cura para o cancro porque não se pode ter a certeza e o conseguir labora no erro de confundir a falta de garantia no resultado com a garantia de que o resultado não é alcançável.

O terceiro pensamento é que mesmo quando não se conseguem alcançar finalidades de valor, há sempre consequências de valor que resultam PAGF 7 3 se conseguem alcançar finalidades de valor, há sempre consequências de valor que resultam da própria tentativa: talvez a cura para todos os tipos de cancro não tenha sido alcançada, mas talvez se tenha conseguido chegar mais perto desse resultado, ou talvez se tenha descoberto outras curas importantes.

Mas estes três pensamentos não implicam que uma ida dedicada a finalidades inalcançáveis (realmente inalcançáveis e não apenas difíceis de alcançar ou que efectivamente não se alcançaram por razões contingentes) tem sentido. Disputar a ideia de que o valor seja uma condição necessária do sentido não nos leva muito longe, dado que uma vida dedicada a coleccionar selos vermelhos e a contar os átomos da Lua é o exemplo típico de uma vida destituída de sentido. Pode-se defender que todo o valor é subjectivo e que desde que a pessoa dê valor a tais finalidades, a sua vida terá sentido.

Mas isto é uma confusão, pois o que se está a pôr em causa não é a ideia de que ma vida dedicada a actividades sem valor não tem sentido, mas antes a ideia de que coleccionar selos vermelhos não tem valor. Quando se tem uma perspectiva subjectivista do valor, seja o que for que alguém valoriza tem valor para ela e nada mais há a dizer. Esta perspectiva será discutida mais tarde. para já, é suficiente notar que esta perspectiva aceita a ideia de que o valor é uma condição necessária do sentido; apenas acrescenta que o valor é seja o que for que é valorizado por uma pessoa.

Dado que parece haver imensas finalidades exequíveis com valor às qua valorizado por uma pessoa. ?s quais nos podemos entregar, o problema do sentido da vida parece receber uma resposta optimista muito simples: se nos entregarmos activamente a finalidades exequlVeis com valor, a nossa vida terá sentido. Esta resposta está fundamentalmente correcta, mas enfrenta várias dificuldades. Esclarecer e responder a essas dificuldades é o objectivo do resto deste capítulo.

Há uma tendência para pensar que descobrir o sentido da vida é descobrir uma finalidade única para toda a vida. Que há várias finalidades, últimas e instrumentais, que guiam as actlvidades da nossa vida, é evidente. Mas é falacioso inferir daí que há uma só finalidade. Do facto de todas as pessoas terem uma mãe não se pode inferir que há alguém que é a mãe de todas as pessoas. Assim, não se pode inferir a existência de uma finalidade única com base na existência de finalidades para as diversas actividades da vida.

Mas daqui também não se segue que não há uma finalidade única. Provar que não se pode chegar a B partindo de A não prova que não se pode chegar a B. Se for possível reduzir todas as finalidades das várias actlvidades da vida a uma dada finalidade última, então pode-se dizer, com um certo abuso e linguagem, que essa é a finalidade única da vida. Assim, os hedonistas, por exemplo, defendem que a finalidade última de todas as actividades é o prazer — seja o prazer intelectual, emocional ou outro.

Neste caso, pode-se dizer que a finalidade única é o praze intelectual, emocional ou outro. Neste caso, pode-se dizer que a finalidade única é o prazer. As actividades que desempenhamos ao longo da vida são encadeamentos complexos de finalidades últimas e instrumentais, muitas vezes misturadas de forma subtil. Assim, uma pessoa levanta-se cedo com alguma contrariedade, mas epois gosta de sentir o ar lavado da manhã enquanto se dirige para o seu emprego, talvez. Levantou-se e caminha para atingir uma finalidade instrumental: ir para o emprego.

Vai para o emprego para atingir outra finalidade instrumental: ter dinheiro para ter uma vida confortável. Ter uma vida confortável é uma finalidade última, mas as outras finalldades poderão ser parcialmente últimas, no sentido em que a pessoa pode sentir- se muito realizada no seu emprego, e poderia até continuar empregada mesmo que lhe saísse a lotaria. Num certo sentido, podemos dizer que há uma finalidade na vida desta pessoa: odemos defender que a finalidade última de todas as suas actividades é o prazer, por exemplo, ou o bem-estar, ou a felicidade.

Efectivamente, as diferentes escolas gregas de filosofia defendiam implicitamente diferentes perspectivas sobre o tipo de finalldade última e única que dá sentido à vida ao defenderem diferentes perspectivas sobre o que dá a felicidade: para Platão e Aristóteles a felicidade consiste em ser virtuoso; para os epicuristas, é a paz de espírito que resulta de vencermos os nossos medos irracionais; os cépticos defendiam que a felicidade só podia alcançar-se se suspendermos os nossos juízos s

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